É perfeitamente evitável essa escalada do dólar já que o BC tem à sua disposição reservas internacionais de US$ 374,4 bilhões.
A decisão do Ministério da Fazenda anunciada ontem à noite de zerar o IOF indicidente nas compras de títulos públicos por estrangeiros vem na contramão da sinalização dada por recentes declarações de diretores do Banco Central, que mostravam aparente despreocupação com a recente esacalada do dólar.
Ontem mesmo o diretor de política monetária, Aldo Mendes, praticamente tinha dado um sinal verde de alta para a moeda. Tanto queo mercado de câmbio captou a mensagem instantaneamente às declarações de Mendes e exacerbou o movimento de valorização da moeda americana importada de fora.
Mendes é o responsável pela política cambial, melhor dizendo, pela ausência dela, já que num regime flutuante para valer, a autoridade limita-se a observar, agindo apenas para conter arroubos especulativos capazes de intensificar a tendência natural do dólar.
É perfeitamente evitável essa escalada do dólar já que o BC tem à sua disposição reservas internacionais de US$ 374,4 bilhões, liberdade para emitir swaps cambiais (títulos que não tem impacto adverso sobre a dívida pública) e maneiras de incentivar o ingresso de capitais externos pelo manejo da alíquota de IOF - que o fez agora mostrando que quer conter a escalada do dólar.
Os "comprados" em dólar futuro - os investidores institucionais como fundos de investimento e fundações - agradeciam ontem quando aparentemente o câmbio estava livre. Vitoriosos no vencimento de maio, iniciaram junho comprados em US$ 18,15 bilhões. Os "vendidos" - bancos nacionais e investidores estrangeiros - sustentam posições de US$ 17,85 bilhões, confiando na reversão do cenário externo favorável à valorização da moeda americana.
Torcem para que números desalentadores sobre o andamento da economia dos EUA obrigue o Fed a persistir por mais tempo em sua política de farta irrigação do mundo com dólares. Ontem, declarações da presidente da regional de Kansas do Fed, Esther George, não ajudaram muito. Ela defendeu a redução das compras de bônus. Mas as suas afirmações foram relativizadas porque Esther George, dos membros que votam nas reuniões de política monetária, foi sempre a que se manifestou primeiro e mais contundentemente contra o prolongamento do "quantitative easing".
As declarações de Mendes surpreenderam pela clareza e pela completa despreocupação com possíveis efeitos da alta do dólar sobre a inflação. "Não tenho nenhuma preocupação com o câmbio. Mas se essa dinâmica da economia americana se ligar a outros movimentos, não há nada que se possa fazer. O real está andando como as outras moedas em relação ao dólar. É normal", afirmou em "road show" com investidores em Londres.
Assim que o sossego cambial de Mendes piscou, um pouco depois das 13 horas, nas telas dos serviços em tempo real, o dólar, que de manhã havia descido a R$ 2,1130, ganhou vigor e avançou a R$ 2,1485, em alta de 1,01% sobre o fechamento da véspera. Apesar dos sinais do BC, sempre que a cotação se aproxima de R$ 2,15 o mercado desiste de tentar perfurar este teto imaginário de uma suposta banda de flutuação da moeda.
A falta de empenho pode ser explicada pela perspectiva de ingresso de US$ 3,8 bilhões provenientes de leilão de um megalote de NTNs indexadas à variação cambial da carteira do Banco Econômico. Com grande demanda, no leilão realizado às 14h30min de ontem, os papéis foram disputados por cerca de dez instituições e renderam o equivalente a R$ 8,02 bilhões. Mesmo perdendo força, o dólar fechou a R$ 2,1290, alta de 0,09%.
A arrancada recente da moeda americana não inquieta o BC porque, desconfia o mercado, o repasse para o IPCA é suavizado pela queda em dólar das commodities exportadas pelo Brasil. Mas deixar o dólar subir justamente porque as commodities caem contraria a lógica da prioridade ao combate à inflação dada ao BC pelo carimbo presidencial.
Duas foram as fontes básicas de inflação em 2012 e começo de 2013, forçando, em março, no acumulado de 12 meses, o estouro do teto de 6,5% da banda inflacionária: os preços do setor de serviços e o choque de oferta dos alimentos. A estagnação do consumo, revelada pelo resultado do PIB no primeiro trimestre, resolve o primeiro problema.
O segundo estava sendo atacado naturalmente pela queda de preço das commodities. Ou seja, ao liberar o dólar, o BC está impedindo que o fim do choque de oferta seja plenamente registrado pelo IPCA. Se permitisse, a Selic teria de subir menos do que o 1,75 ponto estimado como tamanho total do atual ciclo de alta (de 7,25% em para 9%). Com o câmbio contido, consumo amortecido e commodities em baixa, o juro básico poderia se contentar com 8,25%.
O movimento executado agora pelo BC - juro em alta e real em baixa - difere do colocado em prática no ano passado apenas em relação à Selic. Em 2012, quando promoveu decidida e histórica queda da Selic, simultaneamente patrocinou destemida desvalorização cambial. A inflação ganhou manchetes e cortou a renda do eleitorado.
Já em novembro, ele recuou da intenção de derrubar o real para aumentar a competitividade da indústria e das exportações. Levou mais tempo para mexer nos juros. Só o fez em abril. Mas desde meados de maio parece ter retomado o plano cambial original. A atual gestão não gosta de se concentrar em apenas um objetivo. Costuma alterar as duas variáveis cruciais da economia - juro e câmbio - concomitantemente.
E agora surgiu um novo gancho para a mexida no câmbio: a impressionante alta das importações nos primeiros cinco meses do ano, de 9%, responsável primordial pelo déficit recorde registrado pela balança comercial no período. Já que, pelo lado das exportações, a queda das commodities é um fato consumado, o BC quer encarecer as importações, sobretudo as de bens intermediários.
A opção de se importar esses bens se amparava nos preços menores comparativamente aos nacionais. Se a taxa de câmbio depreciada fizer com que o preço dos importados supere o dos artigos nacionais, a importação cairá. Mas isso gera inflação. É por isso que não dá para olhar o pass-through somente do ponto de vista do índice de commodities. Esse ângulo de visão também é limitado porque não leva em conta as expectativas dos investidores estrangeiros.
Não parece haver hoje harmonia interna entre as políticas monetária, cambial e fiscal. Não dá para entender como podem ser vitoriosas políticas de aperto monetário e liberalização cambial, mais em conformidade com o receituário conservador pregado pelo mercado, na presença de uma política fiscal claramente desenvolvimentista.
Com um olho, os investidores do pregão de juros futuros da BM&F observam a política econômica e, com o outro, as taxas dos títulos americanos. E ninguém ousa piscar. Depois da inesperada alta de 1,8% registrada pela produção industrial em abril, cresceu a relevância, vinda de um patamar que já não será baixo, da ata da reunião do último Copom, a ser divulgada amanhã.
Enquanto ela não vem, o pregão se preserva. Ontem, o contrato para janeiro de 2014 permaneceu em 8,45%. A curva a termo do juro embute mais duas elevações de 0,50 ponto na Selic.
Fonte: Brasil Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário