O mercado que mais se ressente da dicotomia entre as políticas monetária e fiscal é o de juros futuros da BM&F.
Dois indicadores positivos sobre a economia americana concentraram ontem a atenção dos investidores internacionais, deixando em segundo plano a possibilidade de ganhar mais dinheiro no Brasil depois que o governo acabou com o controle de capitais nas operações com derivativos cambiais.
Os players globais se recusam a desviar o foco da reunião de quarta-feira do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), órgão do Federal Reserve a quem compete definir a política monetária americana. Até lá buscam nos indicadores pistas do que o Fed poderá sinalizar para o futuro.
Um dos mais relevantes diz respeito aos gastos do consumidor americano, responsáveis por 70% do PIB. E as vendas varejistas subiram 0,6% em maio, acima da expectativa dos analistas. Estes aguardavam mesmo um avanço melhor do que a alta de 0,1% registrada em abril, mas previam evolução de apenas 0,4%. O comércio varejista foi capitaneado pelas vendas de veículos, que se expandiram 1,8%.
Quando o americano está disposto a trocar de carro é porque está confiante na recuperação da economia e na manutenção do seu emprego. Outro dado apontando na mesma direção foi o de novos pedidos de seguro-desemprego. Eles caíram de 346 mil para 334 mil na semana passada, quando o mercado esperava manutenção. É um indício de que as empresas estão demitindo uma quantidade menor de trabalhadores. Desde o início do ano, esse indicador já caiu 6,5%.
Quando todos os indicadores caminharem no mesmo sentido da retomada, o Fed agirá. Ainda não há uniformidade, mas como o mercado global está muito ansioso por definições mais concretas dos rumos da política monetária, a reunião de quarta-feira pode ser usada para tranquilizá-lo.
Enquanto o Fed não evoluir do seu atual posicionamento cauteloso, de meramente verbalizar o argumento de que em algum momento do futuro os atuais estímulos de liquidez não serão mais necessários para sustentar a recuperação econômica, e firmar um plano inteligível a todos de enxugamento, os mercados continuarão com o dedo no gatilho. Trata-se de apreensão genuína, mas que comporta elevado grau de especulação com juros e moedas.
Conhecido o programa de redução do afrouxamento quantitativo - o Fed poderá deixar mais claro quando será iniciado e os limites percentuais de queda do volume mensal de recompra de bônus, hoje na casa de US$ 85 bilhões - os fundos de investimento poderão iniciar uma realocação mais ordenada dos seus portfólios e calcular o impacto do enxugamento sobre as moedas dos países emergentes.
Enquanto essa definição não vem, os fundos tentam lucrar com a volatilidade. Todos sabem que o Fed não fará nenhuma lambança no manejo da retirada da liquidez, mas enquanto o mercado operar no terreno da suposição prevalecem as estratégias de defesa.
A primeira reação preventiva foi a venda de títulos de mercados emergentes, com consequente desvalorização das várias moedas. E não se terá certeza do que poderá acontecer com elas antes que o Fed anuncie o seu novo programa. Até lá, os fundos evitam assumir riscos excessivos nessas moedas.
Mesmo que a arbitragem de juros seja atraente, a possibilidade de rápida depreciação dessas moedas trava as operações. Foi por isso que, ontem, primeiro dia de vigência da medida adotada pelo Ministério da Fazenda de liberar o capital estrangeiro do pagamento de IOF em suas operações com derivativos cambiais, a atração de investidores pode não ter sido motivo de festejos efusivos.
Pelo menos serviu para evitar mais um dia de pânico e busca desenfreada por hedge cambial por parte de empresas endividadas em dólar. Em nenhum momento do dia, a moeda operou acima da cotação de fechamento da véspera, de R$ 2,1540. A cotação máxima foi exatamente de R$ 2,1540, atingida às 9h49. E a mínima, de R$ 2,1330, no fechamento. A desvalorização foi de 0,97%.
Na quarta-feira, quando a moeda alcançou a maior cotação em mais de quatro anos, a procura por hedge obrigou os bancos a elevarem suas posições vendidas em dólar futuro de US$ 5,82 bilhões para US$ 6,29 bilhões. Apenas nos três primeiros dias desta semana, a demanda empresarial por proteção contra a disparada do dólar foi de US$ 3,25 bilhões.
Se os hedge funds tiverem a garantia de que o dólar vai interromper a sua escalada - e essa garantia, nesse momento, será fornecida pelo Fed e não pelo governo brasileiro --, intensificarão o carry trade hoje livre de controles.
Até o início de 2011, a arbitragem entre juros e moeda mais vitoriosa era feita no mercado internacional de balcão, por meio dos contratos de NDF (Non Deliverable Forward), onde não há troca física de moedas. Mas, por causa do enorme volume dessas operações, apesar de não haver entrada física de dólares no Brasil, o preço à vista despencava.
Os operadores de câmbio acreditam que, sem conhecer o programa de reenxugamento da liquidez do Fed, o governo brasileiro não conseguiria assegurar, qualquer que fosse sua decisão, uma taxa de câmbio conveniente ao NDF. Nem mesmo a mais radical delas, defendida com ardor nas conversas informais de analistas e executivos: a substituição do ministro Guido Mantega por alguém da confiança dos mercados, alguém acima de qualquer suspeita, como, por exemplo, o ex-presidente do BC, Henrique Meirelles.
Alguém assim resgataria a credibilidade da política econômica junto aos mercados, desde que a presidente Dilma Rousseff se abstivesse de comandá-la pessoalmente. Nem nessa hipótese mais extrema, o governo conseguiria manter a taxa de câmbio invulnerável às estripulias externas pré-Fed.
Atualmente, o comandante da tropa de choque atende pelo nome de Ben Bernanke. O site do Fed informa que após a reunião do dia 19 - exatamente às 15h30 de Brasília, meia-hora depois de conhecida a decisão do Fomc - haverá "a press conference by the Chairman". Na verdade, trata-se de um discurso de Bernanke.
Das oito reuniões do Fomc deste ano, Bernanke fala em apenas quatro. E agora ele falará. Se a ordem não vier no "statement", poderá surgir durante a conferência com a imprensa.
Enquanto o câmbio é comandado de fora, o mercado que mais se ressente da dicotomia entre as políticas monetária e fiscal é o de juros futuros da BM&F. Os economistas não se conformam com a incongruência entre o discurso oficial em favor de uma meta de superávit primário de 2,3% (que exigirá um ajuste fiscal superior a R$ 24 bilhões este ano) e o ato (financiamento no valor de R$ 18,7 bilhões das mobílias e utilidades domésticas das casas dos participantes do programa Minha Casa Minha Vida).
Assim, não haverá Selic que chegue para trazer o IPCA para mais "perto" dos 4,5% que delimitam o centro da meta de inflação. Em um dia de distensão cambial e de boa alta da Bovespa, os juros futuros caíram menos do que poderiam comparativamente aos saltos recentes. O contrato para a virada do ano recuou de 8,77% para 8,70%. E a taxa para janeiro de 2017 cedeu de 10,65% para 10,34%.
Fonte: Brasil Econômico
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