O mercado de câmbio está revogando a lei da oferta e da procura. Não está faltando dólar, mesmo assim o preço sobe.
Sobe por medo do futuro e por especulação. Sobe porque os fundamentos da área externa brasileira se degradam e porque em algum momento do segundo semestre o Federal Reserve (Fed) vai secar a liquidez global.
O argumento de que a moeda americana se valoriza aqui porque está se apreciando lá fora nem sempre é evidente por si mesmo. Ontem, a moeda avançou apenas um pouco mais de 0,10% nas praças mundiais. Aqui, 0,70%. Em maio, o fluxo cambial brasileiro (que contabiliza todos os dólares que entram e que saem) fechou positivo em US$ 10,8 bilhões. Onde estão esses dólares excedentes? No mercado. Mas o preço não para de subir.
Ontem, pela primeira vez no ano, o Banco Central precisou fazer dois leilões de venda da moeda no mercado futuro para obstar a escalada quando o preço estava em R$ 2,16. Ele vendeu US$ 2,12 bilhões por meio da colocação de 42,5 mil contratos de swap cambial. Só que ofereceu 80 mil. Vendeu apenas um pouco mais da metade da oferta. Se o mercado quisesse e precisasse de dólar, teria comprado tudo. Ele não quer e não precisa, e mesmo assim a moeda fechou a R$ 2,1480, ante R$ 2,1330 na sexta-feira.
A componente especulativa resulta do fato de que as forças que se digladiam nos pregões de derivativos cambiais da BM&F não o fazem em condições de igualdade. Se um player "vendido" quiser ampliar sua posição líquida acima de US$ 10 milhões terá de recolher IOF de 1%. Isso limita a atuação desses investidores alinhados com a intenção do BC de evitar apreciações excessivas do dólar. Já os "comprados", que agem contra o BC, não sofrem esse constrangimento. Resultado: os "vendidos" reduziram de quarta para sexta-feira sua posição em US$ 2,31 bilhões (de US$ 20,51 bilhões para US$ 18,2 bilhões).
Os "comprados" sustentam posições acima de US$ 19 bilhões. Os juros seguiram no mercado futuro a alta do dólar. A taxa para a virada do ano avançou de 8,58% para 8,64%. De novo, os contratos longos foram os que exibiram as maiores altas. Para janeiro de 2017, a taxa subiu de 10% para 10,32%.
De boa ou má-fé, o fato é que o mercado cultiva um pessimismo crescente. Sob o impacto da forte volatilidade que caracterizou os negócios na semana passada, as instituições financeiras que fornecem projeções para a confecção do boletim semanal Focus do BC ainda tentaram manter a sobriedade.
Embora bem mais pessimistas que na semana anterior, as medianas das expectativas se afastaram do tom sombrio de alguns departamentos econômicos. No caso do dólar para o final do ano, a projeção avançou de R$ 2,05 para R$ 2,10, mas já há quem fale em R$ 2,30 se o Fed passar a recomprar uma quantidade menor de bônus já a partir de setembro.
A previsão de Selic para dezembro avançou de 8,5% para 8,75%, quando a curva a termo do juro embute taxa de 9,25%. O Focus reduziu de 2,77% para 2,53% a perspectiva de crescimento do PIB este ano, mas existem consultorias que não acreditam em expansão maior do que 2%.
O diretor-executivo da NGO Câmbio, Sidnei Nehme, notou outras discrepâncias: "O Focus elevou o déficit em transações correntes para US$ 73 bilhões, havendo quem já projete algo próximo de US$ 80 bilhões e reduziu a projeção do saldo da balança comercial no ano para US$ 7,35 bilhões, mas há projeções da ordem de US$ 6,0 bilhões a US$ 6,5 bilhões, mantendo inalterada a projeção de investimento estrangeiro direto (IED) em US$ 60 bilhões". A dispersão das expectativas é a fonte primária da volatilidade dos mercados.
O que os executivos do mercado mais debatem atualmente em suas reuniões internas é a real disposição do governo em mudar as diretrizes da política econômica. Apesar dos sinais de que quer retomar as linhas mais ortodoxas das políticas monetária e cambial, abandonadas já no segundo semestre de 2011, ninguém ousa prever o fim da "nova matriz econômica" desenhada pelo ex-secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa.
A nova matriz destinava-se a promover a transição do modelo baseado no cumprimento estrito da meta central de inflação, da meta de superávit primário de 3,1% do PIB e na permissão para que o câmbio flutuasse de forma mais limpa, para outro modelo, menos rígido na obtenção das metas e mais intervencionista.
Num primeiro momento, a perda do poder de influência de Barbosa junto à presidente Dilma e a ascensão do secretário do Tesouro, Arno Augustin, ao posto de principal conselheiro palaciano foram vistas com temor pelos executivos, pois poderia representar a radicalização das propostas contidas na nova matriz.
Barbosa, professor de economia da UFRJ, sempre foi considerado um desenvolvimentista mais técnico e afeito aos modelos econométricos, enquanto Augustin, artífice do contorcionismo contábil que assegurou o respeito da meta de superávit primário de 3,1% do PIB no ano passado, transmitia a impressão de ser um expansionista de viés mais político.
Barbosa deixou o governo no início do mês e agora, depois da reviravolta comandada pelo BC em maio tanto no juro quanto no câmbio, a percepção que prevalece é a de que a sua saída decorreu da oposição interna que movia ao fim da nova matriz de sua autoria. Mas a desistência do modelo só estará completa quando o governo conferir um grau maior de austeridade à política fiscal.
É o que falta do ponto de vista dos analistas para elevar a credibilidade do governo junto aos investidores internacionais. O governo vai precisar de dólares para zerar o déficit em transações correntes do balanço de pagamentos, agravado pelo saldo negativo da balança comercial. A manutenção do superávit em nível elevado garantirá a solvência da dívida e tornará desnecessário o cumprimento pela agência de risco Standard & Poor's (S&P) de sua ameaça de redução da nota de risco de crédito que atribui ao Brasil.
Na ausência de uma política fiscal severa, o ajuste do balanço de pagamentos irá ser feito via taxa de câmbio. O BC terá de deixar o dólar subir. Como isso provoca inflação, terá de aumentar ainda mais a Selic, desacelerando a economia. Uma contenção fiscal suavizaria a escalada do câmbio nominal.
O câmbio real poderia sofrer uma menor depreciação se os salários reais fossem contidos pelo ajuste fiscal. O desaquecimento econômico seria mais brando por esse caminho do que pelo do choque de juros.
Fonte: Brasil Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário