O BC reluta com razão em se desfazer das reservas cambiais. O pior que pode acontecer a um país é não ter nem dinheiro.
O dia seguinte ao da confirmação oficial pelo Federal Reserve de que vai mesmo iniciar um programa de normalização das condições monetárias americanas foi até menos turbulento do que temiam os mercados. O mundo não acabou.
A valorização de 1,71% registrada pelo dólar no fechamento de ontem, cotado a R$ 2,2580, até pode ser comemorada pelo Banco Central e a Fazenda. A alta está longe de caracterizar um movimento frenético de saída de capitais externos hoje aplicados na renda fixa brasileira.
Se tivesse havido tal corrida, o BC não conseguiria aquietar os ânimos - na máxima matinal, a moeda bateu em R$ 2,2780 - apenas vendendo US$ 6 bilhões em swaps cambiais e por meio de leilões de moeda com compromisso de recompra.
Com estas operações, ofereceu escudos a quem precisava de proteção. Aos que quiseram ir embora, a porta estava aberta, mas sem subsídio. Os leilões de linha não significam saída efetiva de dólares das reservas, já que o BC os recomprará numa data futura por preço previamente combinado. Ele não fazia operação deste tipo desde dezembro, quando leiloou US$ 5,5 bilhões.
O investidor estrangeiro não parece ter muita pressa em deixar o país. Até porque o timing correto para a realização de lucros já pode ter passado. Teria sido mais vantajoso vender os títulos brasileiros, comprar dólares e mandá-los para fora lá na primeira quinzena de maio, quando a cotação rondava os R$ 2,00.
Se fizer isso agora, adquirindo a moeda com um sobrepreço de 13%, o rendimento de um ano que obteve na renda fixa, de 7,3%, se transformará num prejuízo. Para quê? Para aplicar num treasurie de 10 anos que rende 2,42%? Só se o Brasil estivesse afundando, pronto para dar um calote em sua dívida.
O BC reluta com razão em se desfazer das reservas cambiais. O pior que pode acontecer a um país é não ter nem dinheiro, nem crédito na praça, para financiar o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Se não tiver nem uma coisa nem outra, terá de pedir empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), submetendo a sua política econômica à cartilha austera e recessiva do Fundo. O Brasil já fez isso várias vezes no passado.
Não precisa mais, mesmo em uma conjuntura de refluxo de capitais. As cem instituições que fornecem projeções econômicas para a confecção do Boletim Focus do BC, estimam que este ano o rombo em transações correntes será de US$ 73,66 bilhões.
Os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) - dinheiro produtivo externo de longo prazo - financiarão US$ 60 bilhões do déficit. Faltam US$ 13,66 bilhões que, na ausência de capitais de portfólio e especulativo, serão cobertos pelas reservas. E estas, no nível atual, são suficientes para cobrir quase 27 anos de déficits consecutivos de mesma magnitude.
O Brasil tem todas as condições de honrar suas dívidas, a despeito do crescimento modesto do PIB (2,5% este ano) e da inflação rondando os 6,5%. O diferencial em relação aos outros países emergentes é que aqui já se paga uma taxa de juros de 10%.
E se a incerta evolução futura da taxa de câmbio inibe a entrada de novos investimentos em carteira, também dissuade a retirada dos que já estão aqui há mais tempo. E o mundo não vai acabar a partir do último trimestre de 2014, quando o Fed iniciar a redução de liquidez nos mercados de títulos.
A maior parte dos analistas entende da seguinte maneira a sinalização de Ben Bernanke, presidente do Fed: ao longo de oito meses a partir de outubro ou dezembro, a ração mensal de US$ 85 bilhões será cortada em um pouco mais de US$ 10 bilhões por mês até acabar em junho de 2014.
O tratamento do mercado viciado em liquidez extra será gradual. A droga será ministrada em doses cada vez menores até ele se livrar da dependência sem traumas. O Fed não irá suprimi-la abruptamente, o que causaria uma síndrome de abstinência capaz de jogar o mundo novamente na crise. E, mesmo depois de cara limpa, o mercado ainda desfrutará de uns seis meses até o Fed iniciar um movimento de elevação dos "fed funds" (a Selic dos EUA).
A maioria dos 19 membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) avalia que 2015 será o momento mais adequado para o início de um ciclo de aperto monetário. Excluídos os extremos - um membro do colegiado já vê condições para um reaperto ainda em 2013 e outro o faria apenas em 2016 -, o número dos que preferiram começar a alta dos fed funds em 2014 diminuiu de quatro para três, enquanto 14 dos 19 membros transferem esse evento para 2015. Essa opção majoritária era defendida, na reunião de março, por 13 dirigentes.
E, quando for iniciado, o aperto será para valer? "A política monetária norte-americana será conduzida, de maneira cautelosa e transparente, a patamar mais condizente com seu nível neutro. Isso implicaria uma elevação do juro básico para a casa de 4% ao ano, num processo que tomaria todo o ano de 2015 e provavelmente só se encerraria em 2016", avalia a consultoria LCA.
A "estratégia de saída" do Fed será, na visão dos economistas da LCA, um dos temas mais importantes do debate econômico mundial em 2014. "As incertezas relacionadas ao timing e à velocidade de sua implementação certamente deverão trazer períodos de marcante volatilidade aos mercados globais", diz.
Mas esses períodos de volatilidade tendem a ser passageiros, sobretudo porque a estratégia de saída tende a ser executada em resposta à consolidação de um cenário mais positivo para a maior economia do mundo. "E não em função de um aumento abrupto do risco inflacionário, que exigiria uma postura mais reativa da autoridade monetária", diz.
As operações do BC destinadas a acalmar o mercado seguem a risca o princípio do câmbio flutuante. Se a taxa está flutuando para cima, não há teto a ser defendido. Age, como uma tropa de choque inteligente, apenas para obstar a ação dos "vândalos" do mercado, os que não querem nem hedge nem ir embora do país.
Enquanto a marcha dos manifestantes composta por investidores estrangeiros e empresas em busca de proteção persistir ordeira, não há porque intervir. Com seus leilões, o BC reprime apenas os arruaceiros sem bandeira interessados no lucro.
Se a marcha, em sintonia com a oscilação do dólar nos mercados globais, for suficiente para puxar o dólar para além dos R$ 2,40, resta tentar atenuar os efeitos sobre a inflação com a política monetária. Se não for possível, sem provocar uma recessão, elevar a Selic a uma altura que impeça o IPCA de romper no fim do ano o teto de 6,5% da meta de inflação, sempre o BC poderá justificar-se com a argumentação do surgimento de "choque externo" inelutável.
Enquanto o BC reprimia os radicais no câmbio, o Tesouro tratou de dar liquidez aos investidores que, cansados de sofrer perdas com títulos públicos, queriam sair da posição mas não encontravam compradores. Por meio de leilões, recomprou R$ 1,4 bilhão em três papéis (LTN, NTN-F e NTN-B). E já informou que fará novos leilões hoje. A operação teve êxito em baixar a febre do mercado futuro de juros da BM&F.
Depois de bater na máxima de 10,80% antes da atuação do Tesouro, a taxa para o contrato com vencimento em janeiro de 2015 recuou a 10,46% no fechamento, mas ainda acima do encerramento da véspera, de 10,41%. A taxa para janeiro de 2017 chegou a passar de 12% (máxima de 12,11%), mas fechou a 11,56%, ante 11,50% no dia anterior.
Fonte: Brasil Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário