As falas recentes do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, sugerem que não há mais banda informal de flutuação do dólar.
Até a primeira metade de maio, o mercado de câmbio trabalhava com a certeza de que o BC não deixaria que a moeda americana caísse abaixo de R$ 2,01 nem que subisse acima de R$ 2,05.
Tudo mudou depois que não só permitiu que o dólar furasse o teto de R$ 2,05, no dia 24, como também não se manifestou quando passou de R$ 2,10, no dia 29. Apenas interveio, na última sexta-feira, quando a cotação testava o preço de R$ 2,15. Seria este valor o novo teto da nunca admitida banda de flutuação?
Em entrevistas e discurso feitos depois da reunião do Copom, Tombini distribuiu argumentos em favor da tese de que, com sinal verde palaciano para combater a inflação por meio da taxa de juros básica, o câmbio voltará de fato a ser flutuante, após mais de um ano de rígida administração por meio de bandas informais.
O BC só voltará a agir se alguma "disfunção" provocar volatilidade mais intensa e danosa à economia. As justificativas para a nova posição cambial do BC são as de que o câmbio flutuante, por espelhar as forças naturais em ação (e, frequentemente, em conflito) no mercado minimiza os impactos das oscilações sobre a inflação.
E de que o chamado "pass-through" - o repasse da alta do dólar para a inflação - diminuiu muito atualmente. A intervenção de venda de dólares no mercado futuro na sexta-feira se enquadra nessa categoria de disfunção que excita a volatilidade. Ele atuou porque os embates entre "comprados" e "vendidos" nos pregões de derivativos cambiais da BM&F estavam distorcendo os preços.
Mas como o vencimento passou e ele nada fez ontem para que a moeda voltasse ao patamar anterior, deu seu aval ao nível mais elevado. Na falta de uma sinalização mais precisa do BC, o dólar oscilou ontem em função do comportamento exibido pela moeda no mercado internacional, mas sempre em baixa em relação ao preço de encerramento de sexta-feira, último dia útil de maio.
Pela manhã, bateu em R$ 2,1420, mas recuou até fechar a R$ 2,1270, em baixa de 0,75%. A moeda poderá recuar mais um pouco hoje. É que serão leiloados títulos cambiais no valor de US$ 3,8 bilhões que integravam a carteira do Banco Econômico, em processo de liquidação extrajudicial.
Os analistas estão perplexos com a nova posição despreocupada do BC em relação aos efeitos do câmbio desvalorizado sobre o IPCA. O diretor-executivo da NGO Câmbio, Sidnei Nehme, lembra que as atuais declarações de Tombini contrastam com a análise feita pelo diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton de Araújo, logo após a reunião de abril do Copom, segundo a qual "a causa das pressões inflacionárias maiores foram provocadas pela alta do preço da moeda americana, que havia sido estimulada pelo próprio governo".
O que foi verdadeiro em 2012 já não tem mais validade em 2013? "Todos sabem que não é bem assim, a alta do dólar atual tem maior contundência do que a antecedente e, certamente, se mantida anulará os efeitos da elevação da Selic, com folga, causando danos inflacionários mais intensos do que no momento antecedente", rebate Nehme.
A forma de calcular o pass-through varia de acordo com o modelo matemático utilizado e com a maneira como é alimentado por dados e expectativas fundamentalistas. Mas usualmente os economistas utilizam a fórmula segundo a qual a variação cambial de um determinado período é, em 5%, incorporada ao IPCA num prazo de até nove meses. Ou seja, se o dólar não retornar ao patamar de R$ 2,00 que vigorava no início de maio, a variação de 7,2% sofrida no acumulado do mês representará um acréscimo de 0,36 ponto no IPCA até janeiro.
Nessas condições, se o dólar não subir mais até o fim do ano, ao invés de um IPCA de 5,8% no acumulado de 2013 - como previsto pelas instituições consultadas pelo Boletim Focus do BC divulgado ontem - o índice fechará o ano a 6,16%.
Isso, só como consequência do que aconteceu apenas da segunda quinzena de maio para cá. Vale dizer que simples declarações sobre a despreocupação como o BC enxerga a contaminação do IPCA pelo câmbio podem não ser suficientes. Ele precisa explicar como calcula o seu pass-through.
Os economistas do Itaú estimam que a cada 10% de desvalorização do real, há um acréscimo entre 0,5 e 0,7 ponto no IPCA. "A taxa de câmbio é um dos determinantes da inflação. Uma depreciação do câmbio encarece o preço de produtos comercializáveis com o exterior", diz Felipe Salles, economista da instituição.
"É um pouco cedo para afirmar que a desvalorização recente do real já esteja impactando os preços ao consumidor. O que importa não é o valor do câmbio em um ou poucos dias, mas sim o valor médio em um período mais longo. Em outras palavras, os agentes econômicos precisam ter mais certeza sobre o patamar em que o dólar irá se estabilizar. Por esse motivo, normalmente o repasse do câmbio para a inflação pode demorar alguns meses", diz Salles.
As sinalizações de Tombini são de que o BC está fazendo e continuará a fazer uma gestão mais clássica e ortodoxa. Isso significa atacar a inflação exclusivamente com o juro e deixar o câmbio flutuar. Pode ser interpretada por este ângulo a sua afirmação de que não há hoje circulando no país capitais externos de qualidade duvidosa, cuja movimentação, de entrada e saída abruptas, ao menor sinal de mudanças nos EUA, atiçam a volatilidade e retiram funcionalidade da taxa de câmbio.
"Fluxos intensos e voláteis de capital têm o potencial de ameaçar a estabilidade econômica e financeira", afirmou Tombini. Trata-se de uma dica ao mercado de que não pretende mexer no IOF hoje incidente tanto sobre as aquisições de títulos públicos por estrangeiros quanto sobre os negócios com derivativos cambiais. Livres de especuladores externos, as forças que atuam no câmbio espelhariam mais os fundamentos.
O problema é que isso está longe de indicar tranquilidade. Lá fora, há muito sobe-e-desce desnorteante do dólar em sintonia com as ariscas taxas dos títulos do Tesouro americano. Os treasuries oscilam ao sabor de novas declarações de integrantes do FOMC sobre quando e em quanto o afrouxamento quantitativo será reduzido.
E os "fundamentos" brasileiros na área externa não estão nada bons. Nos cinco primeiros meses do ano, o saldo da balança comercial foi o pior da história. Nunca antes no período, a balança tinha amargado um déficit de US$ 5,39 bilhões. O contraste com o que aconteceu no mesmo período de 2012 (um superávit de US$ 6,26 bilhões) foi chocante.
"O grande problema da formação do preço da moeda americana no Brasil é a perspectiva", diz o diretor da NGO. Os fundamentos evidenciam deterioração crescente das contas externas e baixo grau de atratividade do capital externo. O temor é de que os fluxos de recursos de fora não sejam suficientes para dar suporte a um crescente déficit em transações correntes.
Fonte: Brasil Econômico
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