O BC deixou que o dólar subisse muito, com uma velocidade que desestabiliza as expectativas dos consumidores e empresários.
No momento em que o dólar, na manhã de sexta-feira (31/5), bateu em R$ 2,1440 - acumulando uma disparada de 7,12% em maio - o Banco Central resolveu agir para conter a alta apesar de que, naquele mesmo instante, pegava fogo a briga entre "comprados" e "vendidos" nos pregões de derivativos cambiais da BM&F.
Mais do que a valorização da moeda nos mercados globais, a razão para a forte escalada nos últimos dias era justamente as escaramuças entre aqueles dois contendores nos mercados futuros de dólar e cupom cambial.
Quebrando a tradição de não intervir nesses períodos de maior frenesi especulativo, durante os quais os preços são definidos artificialmente e tendem a se normalizar após o vencimento dos contratos futuros, o BC anunciou a intenção de vender 30 mil contratos de swaps tradicionais, títulos que equivalem a venda de dólar a futuro. Fez o leilão sem medo de ser acusado de estar beneficiando os "vendidos" (no caso, investidores estrangeiros e bancos nacionais).
A atuação foi correta: a política cambial não pode ficar refém de interesses privados que prejudicam toda a Nação. Mas veio tarde demais. O BC deixou que o dólar subisse muito, com uma velocidade que desestabiliza as expectativas dos consumidores e empresários, justamente agora em que age para restaurar a confiança da sociedade por meio da austeridade monetária.
Quando o cidadão senta à noite na frente da TV e recebe a informação de que o PIB foi fraco, a alta do juro foi agressiva e o dólar disparou pode se instalar nele um medo difuso. E pode ser que comece a revisar suas escolhas políticas.
A atuação de sexta-feira do BC no câmbio não pecou apenas pela demora, foi tímida. Da quantidade de swaps oferecida por ele, o mercado só comprou 59%. Ele só conseguiu vender US$ 876,7 milhões.
O recado é que o mercado não está de fato precisando de moeda americana. Se tivesse, aceitaria de bom grado as taxas de retorno baixas oferecidas pelo BC. Quer mesmo é especular, aproveitando a fragilidade pós-PIB. Deveria ter colocado os swaps no dia 16 de maio, assim que o dólar superou a cotação de R$ 2,028 que, em março, suscitou intervenção similar.
Não fez e deixou o dólar subir livremente. A sua inação levantou a suspeita de que o BC desejaria mesmo uma taxa de câmbio mais desvalorizada, que, embora péssima para a inflação, é bem-vinda para as exportações e para o balanço de pagamentos.
Embora a posição oficial do BC a respeito dos efeitos do câmbio sobre a inflação seja meio blasé - a de que, por si só, o regime de câmbio flutuante neutraliza os efeitos inflacionários das oscilações da moeda -, no fundo ele sabe, como todo o mercado, que, se mantido, o nível do encerramento de maio irá provocar um repasse de cerca de 0,5 ponto no IPCA de um ano. Ou seja, pelas projeções de hoje, o índice de inflação subiria de 5,8% para 6,3% só por causa do câmbio.
Após a intervenção do BC, o dólar recuou das máximas matinais, desceu a R$ 2,1270, mas voltou a ganhar força no fim do dia, após alta dos juros dos títulos do Tesouro americano, encerrando a R$ 2,1430, com valorização de 1,37%. Ou seja, a despeito da ação da autoridade, a vitória dos "comprados" (investidores institucionais, como fundos de investimento e fundações) foi retumbante.
A tendência natural, passado o vencimento dos contratos futuros, é de a moeda acomodar-se em patamar mais baixo. Desde que não sejam montadas novas megaposições compradas para o vencimento de junho.
Se o cenário externo persistir favorável aos "comprados", ou seja, se os T-Notes continuarem secando a liquidez mundial em dólar, o BC terá de voltar ao câmbio munido de um canhão: além de vender reservas cambiais, terá de eliminar todos os obstáculos fiscais ao ingresso de capitais estrangeiros, mesmo aqueles que incidem hoje sobre os de natureza mais especulativa.
Outro auxílio à derrubada do dólar poderá vir de ingressos de recursos externos para aproveitar o que tudo indica seja um aperto monetário para valer. Os juros futuros dispararam na BM&F não só porque o Copom, na contramão da debilidade econômica demonstrada pelo PIB do primeiro trimestre, aumentou a dose da elevação da Selic.
Mas porque o BC garantiu, no dia seguinte, que a decisão não foi um acidente de percurso, nem se esgota em si mesma. Ele tem carta-branca da presidente Dilma Rousseff para subir a Selic o quanto for preciso para trazer a inflação para aquém de 5% no ano eleitoral de 2014.
O mercado entendeu que fará pelo menos mais duas altas de 0,50 ponto, uma no dia 10 de julho e outra em 28 de agosto. Ou seja, a Selic chegaria a 9%, quando, antes do último Copom, as expectativas mais radicais não ousavam ir além de 8,75%. A taxa para o contrato de DI futuro com vencimento na virada do ano saltou de 8,06% para 8,43%.
A linha-dura recém-implantada no BC, com o aval presidencial, visa a resgatar a confiança dos empresários e da comunidade de investidores internacionais na capacidade do Brasil de se desenvolver de forma sustentável. Mas para restabelecer a confiança no Brasil só aperto monetário não basta.
Seria preciso dar uma guinada geral na política econômica, retornando ao figurino que, de 1999 a 2011, assegurava plena confiabilidade. O país começou a ser visto com suspeição a partir das mudanças introduzidas no segundo semestre de 2011.
A rapidez e a firme determinação com as quais o Banco Central derrubou a Selic - de 12,50% em agosto de 2011 para 7,25% em outubro de 2012, piso histórico do juro básico, mantido até abril - e desvalorizou a taxa de câmbio (o dólar subiu de R$ 1,55 em julho de 2011 para R$ 2,13 em novembro de 2012, uma pancada de 37,4%) por meio de intervenções e de controles de capital via tributos, ao mesmo tempo em que o Ministério da Fazenda mostrava-se pouco ortodoxo no cumprimento da meta de superávit primário de 3,1% do PIB, autorizaram o temor de que o governo Dilma Rousseff estava abandonando o modelo econômico vigente desde 1999.
Tal modelo se baseava em três pontos inegociáveis até então: perseguição diuturna da meta central de inflação, cumprimento sem contorcionismos contábeis do alvo fiscal primário e câmbio flutuante.
Os grandes empresários nacionais e os investidores externos passaram a entender que, dali para frente, o tripé seria substituído pelo de metas de crescimento e emprego, flexibilidade fiscal contracíclica e câmbio administrado. O Brasil deixou de ser o "queridinho" dos hedge funds. O mercado não acredita que será feita tal guinada.
Fonte: Brasil Econômico
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