Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Como a desaceleração chinesa afeta a economia global

Os planos do governo da China de "reequilibrar" sua economia e investimentos prometem causar impacto na economia global nos próximos anos.
A China seguiu a estratégia de desenvolvimento asiática que teve como pioneiro o Japão, dos anos 50 aos 80, e depois as economias dos chamados "tigres asiáticos": Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura.
Infelizmente, para a China, sua população é quase sete vezes maior do que a do Japão e dos "tigres asiáticos" combinadas. O impacto da China no resto do mundo é muito maior.
Por isso, a estratégia de "reequilíbrio" da economia chinesa envolve o governo — ajudado por um pequeno grupo de gigantes do setor industrial — canalizando uma grande fatia da renda do país para investimentos.
E investimento, na China, significa qualquer coisa que aumente a capacidade produtiva do país: educar a população, construir indústrias e, acima de tudo, construir novas cidades, estradas, ferrovias, usinas de energia, portos etc.
Esta estratégia também envolve grande dependência das exportações, que ajudam o país a aumentar suas reservas de moedas estrangeiras necessárias para importar materiais brutos e também tecnologia estrangeira.

Divisão do bolo
Mas, voltar a economia para o investimento e exportação tem um problema: significa que a economia não atenderá tão bem as necessidades imediatas da população do país.
Para conseguir a média anual de 10% de crescimento alcançada nas últimas três décadas, o governo chinês teve que racionar a fatia do bolo econômico que é destinada em produtos e serviços para sua própria população.
Micheal Pettis, professor de economia da Universidade de Pequim, afirma que as prioridades do governo chinês podem ser vislumbradas através de suas políticas.
Entre elas: uma moeda barata, que mantém a competitividade das exportações, mas também torna os produtos importados mais caros.
Baixas taxas de juros, o que é bom para quem precisa de crédito (fábricas, indústrias estatais e construtoras), e não tão bom para poupadores.
Aumentos de salários que não alcançam o valor do que o chinês produz, possível graças à abundância de mão de obra camponesa barata migrando para as cidades.
O direito que governos regionais tem de desapropriar fazendas para empreendimentos imobiliários.
Um sistema de registro de residências que priva os imigrantes de um sistema de bem-estar nas cidades onde eles trabalham.
E todas estas coisas subsidiam o Estado e sua estratégia de desenvolvimento industrial às custas dos cidadãos chineses.
Agora, de acordo com o plano de "reequilíbrio", as políticas acima deverão ser revertidas para que os gastos da crescente classe média do país possam finalmente se transformar no principal motor da economia.
Foi apenas com a chegada de Xi Jinping à Presidência do país que o governo finalmente conseguiu iniciar a tarefa de reequilibrar a economia. E ele tem pouca escolha já que os motores antigos da economia chinesa, exportação e investimento, estão quebrados.
A crise de 2008 deixou claro que Estados Unidos e a Europa não poderiam continuar emprestando dinheiro da China para comprar produtos chineses.
A China saturou seus mercados exportadores e, para responder à crise financeira, o país aumentou os investimentos em infraestrutura e construção, uma estratégia que também já chegou ao limite.

Impacto do 'reequilíbrio'
A China já está vivendo uma explosão de consumo e, em parte, isto se deve ao fato de que, com 50% da população vivendo em cidades, a demanda por trabalho industrial barato parece ser maior do que o suprimento de trabalhadores migrantes, o que aumenta os salários.
Se esta explosão se mantiver, então a China poderá ultrapassar os Estados Unidos e a União Europeia para se transformar no maior mercado para produtos exportados.
Alguns setores dos negócios britânicos, como educação (com a venda de livros de estudo do inglês) e também produtos de luxo, já estão se beneficiando.
E este "reequilíbrio" chinês também pode começar a reverter a desigualdade de renda no mundo, que aumentou muito desde os anos 80 — em parte devido ao barateamento da mão de obra no Ocidente por causa da competição com os trabalhadores mais baratos da China.
Mas, nem todas as notícias são boas: a crescente demanda por carne entre a população mais rica do país deve aumentar ainda mais os preços de alimentos no mundo.

Inevitável
O "reequilíbrio" da China é inevitável e saudável.
Em meio a tantos países implantando políticas de austeridade, a economia global poderá se beneficiar com alguém gastando mais dinheiro, algo que os consumidores chineses poderão fazer.
Mas, eles ainda não chegaram lá. O consumo residencial na China é equivalente a apenas um terço dos gastos na economia do país, um número muito baixo. Na maioria dos países, gira em torno dos 50% ou 70%.
E há outros riscos também. Vamos supor que a taxa de gastos em investimentos da China, que atualmente está em 48% da produção econômica, fique estagnada, enquanto os gastos de consumidores crescem entre 10% e 15% a cada ano.
Isto seria o equivalente a desacelerar o crescimento chinês nos próximos anos, talvez entre 5% e 7%.
E surgem outros questionamentos para tornar a visão do futuro chinês ainda menos otimista: qual a razão de não diminuir estes gastos em investimentos se a China já investiu demais em muitos apartamentos, ferrovias e siderúrgicas?
E se o valor dos apartamentos que os chineses compraram, investindo as economias de uma vida inteira, começarem a cair?
Mesmo se a situação continuar boa, a perspectiva de um arrefecimento no boom da construção civil pode trazer implicações enormes para o resto do mundo.
No setor de mineração, por exemplo. O setor da construção consome grande quantidade de metais básicos. A Rio Tinto, uma das maiores mineradoras do mundo, estima que, em 2012, a China consumiu dois terços de seu minério de ferro, 45% do alumínio e 42% do cobre.
Se o consumo chinês cair devido à desaceleração da construção, os minérios vão inundar os mercados. Os preços de algumas commodities já caíram.
Se o plano de reequilíbrio continuar, a vida das mineradoras do mundo ficará difícil. E a vida de países que foram tão bem nos últimos anos exportando commodities como Brasil, Chile, a maior parte da África, Rússia etc, também ficará difícil.
Mas não é apenas a mineração que será atingida. A China conseguiu sobreviver à crise de 2008 aumentando ainda mais sua capacidade produtiva, mas para quem vai vender a produção resultante?
Capacidade superior à demanda é ruim para os lucros, empregos e relações comerciais.
Isto vai afetar países como Japão e Alemanha, que são importantes no setor da indústria. Países voltados para os serviços, como a Grã-Bretanha, poderão ser beneficiados.

Desafios globais
A explosão do setor de construção da China desde 2009 gerou a grande importação de materiais brutos, equipamentos e assim por diante, e quase eliminou o superavit da balança comercial do país — que em 2007, antes da crise mundial estava em torno de 10%.
Minerais e combustíveis foram responsáveis por cerca de um terço das importações chinesas em 2011, segundo dados da Organização Mundial do Comércio.
Se a explosão no setor de construção acabar, estas importações poderão cair muito, desequilibrando a balança.
O governo chinês anunciou mais subsídios para exportadores, além de mais construções de ferrovias, como parte do plano para estimular a economia.
Outra opção seria deixar que o yuan se desvalorize.
Mas estas medidas não seriam úteis para outros países, como Estados Unidos, Japão e Europa, que também estão apelando às exportações para ajudar na recuperação econômica. Se todos querem exportar, quem irá importar?
Outro aspecto é que, se o governo chinês tiver que lidar com grandes números de trabalhadores imigrantes desempregados, sua liderança poderá ficar tentada a apelar à xenofobia para conseguir apoio popular.
Por exemplo, quando a economia do país começou a dar sinais de cansaço, a China reabriu uma velha disputa com o Japão pelas ilhas Shenkaku/Diaoyu e depois teve que esfriar a questão quando a fúria nas ruas pareceu ficar fora de controle.
Em resumo, há um risco de que o mundo possa estar entrando em mais um período de demanda global anêmica — e também em mais um período de relações comerciais cada vez mais cruéis.

Fonte: BBC Brasil

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