"A estabilidade pode não ser tudo; porém, sem estabilidade, tudo vira um nada."
Foi com estas palavras que o social-democrata Karl Schiller, ministro das finanças da Alemanha Ocidental de 1966 a 1972, definiu o quão importante era para a Alemanha ter uma moeda forte.
Durante a segunda metade do século XX, nenhum povo levou tão a sério a importância de se ter uma moeda forte e estável quanto os alemães. Tendo sofrido duas hiperinflações em um espaço de apenas 24 anos (uma em 1922-1923 e a outra logo após o fim da Segunda Guerra Mundial), o que aniquilou toda a sua poupança, a população alemã entendeu, e de uma maneira extremamente dolorosa, que a moeda de um país não pode ser aviltada. Foi o primeiro-ministro alemão Konrad Adenauer quem disse que "defender a moeda é a condição precípua para se manter uma economia de mercado e, em última instância, uma sociedade livre." Já o ministro das finanças de Adenauer, Ludwig Erhard — o "pai" do milagre econômico alemão —, foi ainda mais longe e proclamou que a estabilidade monetária era um direito humano básico.
O compromisso com uma moeda forte e estável se tornou tão inegociável, que foi criada uma lei em 1957 — a Lei Bundesbank — que incorporava essa visão alemã sobre a moeda: a lei declarava especificamente que o Banco Central alemão seria completamente independente de pressões políticas e de instruções do governo federal. Sua única função seria a de "proteger a moeda", controlando a quantidade de dinheiro em circulação na economia com o objetivo de manter a robustez da moeda. Esta lei deu ao Bundesbank uma autonomia de poder que nunca foi vista em nenhum outro país desde então, e contava com o apoio de social-democratas e conservadores.
A aprovação e implementação desta lei, em conjunto com a genuína determinação mostrada por seus vários presidentes, fez do Bundesbank o Banco Central mais respeitado e confiado do mundo. De 1957 até imediatamente antes da introdução do euro, em 2002, a Alemanha apresentou a menor inflação de preços do mundo, menor até mesmo que a da Suíça.
O gráfico abaixo mostra a evolução do índice de preços da Alemanha (linha preta), da Suíça (linha vermelha) e dos EUA (linha azul, apenas a título de comparação). Observe que, embora Alemanha e Suíça comecem com aproximadamente o mesmo índice, já na década de 1970 a inflação de preços acumulada na Alemanha se torna visivelmente menor que a da Suíça, permanecendo assim por toda a década de 1980 e 1990. Foi só em 2004, já sob o euro, que a situação se inverteu e a Suíça passou a apresentar uma menor inflação de preços acumulada.
Esse gráfico explicita por que os alemães não são muito simpáticos ao euro, e mostra por que foi tão difícil convencê-los a abrir mão do marco alemão em prol de uma moeda única europeia. (E ajuda também a entender por que as desigualdades de renda nos EUA são muito maiores que as da Suíça, não obstante toda a generosidade das políticas assistencialistas americanas).
Com efeito, a admiração dos alemães pelo marco alemão era tamanha, que uma pesquisa feita em 1995 relatou que 80% dos alemães identificavam sua "germanicidade" com a estabilidade, a força e o prestígio internacional do marco. Eles haviam vivenciado os "milagres" que uma moeda forte é capaz de fazer. Uma economia que estava destruída em decorrência de uma guerra mundial, e cuja população havia perdido toda a sua poupança em decorrência de duas hiperinflações, conseguiu se reerguer, enriquecer e se tornar a mais poderosa da Europa no espaço de apenas uma geração, tudo isso possibilitado por uma moeda forte e estável, que dava a seus cidadãos um poder de compra sem par. Os alemães perceberam na prática que uma moeda forte é uma condição indispensável — embora não seja suficiente — para a prosperidade econômica, e que uma moeda fraca e instável cria baderna e inquietações sociais.
Os alemães creditavam à robustez do marco o fato de estarem entre os trabalhadores mais bem pagos do mundo e de poderem fazer várias viagens internacionais a preços extremamente baixos.
Por que este longo prólogo dedicado à Alemanha? Porque a Alemanha — em conjunto com a Suíça e com o Japão — é um perfeito exemplo prático de como uma moeda forte só traz vantagens para uma população. Aqui no Brasil, economistas pós-keynesianos e progressistas diariamente afirmam que uma moeda desvalorizada é uma condição indispensável para a robustez e competitividade da indústria nacional, e que uma moeda forte levaria à extinção de nosso parque industrial e geraria fortes desequilíbrios no balanço de pagamentos, pois os brasileiros iriam "importar e viajar muito". Aparentemente, eles ignoram o fato de que Alemanha, Suíça e Japão possuem moedas fortes há décadas e, não obstante, um setor industrial e exportador extremamente robusto e competitivo, além de uma população bastante viajada. Não foi necessário desvalorizar suas moedas para que suas indústrias se tornassem competitivas, e até hoje nunca houve qualquer indicativo de "crise no balanço de pagamentos".
Abaixo, a evolução das taxas de câmbio da Alemanha (linha preta), da Suíça (linha vermelha) e do Japão (linha amarela, eixo da direita) em relação ao dólar. A série termina em dezembro de 1998 porque em janeiro de 1999 a Alemanha teve de alterar seu regime cambial para se preparar para a introdução do euro.
A súbita, porém passageira, depreciação observada na primeira metade da década de 1980 não se deve a nenhuma política inflacionista destes Bancos Centrais, mas sim à acentuada valorização do dólar neste período, que foi quando o Fed estava sob o comando de Paul Volcker, que havia elevado a taxa básica de juros americana para 20%.
A situação no Brasil
Para entender o atual momento da economia brasileira e de sua moeda, um rápido exercício de imaginação será de grande valia. Imagine o leitor estes dois cenários completamente opostos:
1) No primeiro cenário, os bancos passam a aumentar a oferta de crédito, o que faz com que a quantidade de dinheiro na economia aumente continuamente. Isso, por conseguinte, faz com que os salários nominais da população também cresçam continuamente. No entanto, não obstante toda essa inflação monetária, o poder de compra da moeda mensurado em dólares, em vez de cair, também aumenta continuamente.
2) Já no segundo cenário, com a população mais endividada e com os indicadores de inadimplência em alta, os bancos se tornam mais comedidos e passam a restringir o crédito. Consequentemente, a quantidade de dinheiro na economia passa a crescer moderadamente, e isso faz com que o crescimento dos salários nominais da população arrefeça. No entanto, não obstante esta contenção da inflação monetária, o poder de compra da moeda mensurado em dólares, em vez de subir, passa a cair continuamente.
O primeiro cenário vigorou no Brasil de 2003 até meados de 2011. A oferta monetária se expandiu vigorosamente e, não obstante tal inflação, o valor do real mensurado em dólares também aumentou continuamente. No primeiro semestre de 2003, por exemplo, o dólar chegou a custar R$3,60. A partir dali, o real começou a se valorizar perante o dólar, chegando ao ápice em julho de 2008, quando o dólar valia apenas R$1,56. Houve um ligeiro soluço no final de 2008 e início de 2009 por conta da crise financeira mundial, mas nada que abalasse o fortalecimento do real, que rapidamente voltou a se valorizar continuamente até chegar novamente ao valor de R$1,54 em julho de 2011.
Este fenômeno — e isso deve ser muito enfatizado — foi totalmente inédito na história do Brasil. Nunca antes havíamos vivenciado um período que conjugasse forte expansão monetária, aumento nominal dos salários e contínua apreciação da moeda nacional. Nem mesmo na primeira fase do Plano Real, de 1994 a 1998, isso ocorreu.
Para se ter uma ideia do que isso representou, uma pessoa que ganhava um salário mínimo no início de 2003 — R$200 — tinha um poder de compra de aproximadamente US$60. Já uma pessoa que ganhava salário mínimo em meados de 2008 — R$415 — passou a ter um poder de compra de aproximadamente US$259. E em meados de 2011, com o salário mínimo a R$545, tal pessoa passou a ter um poder de compra de aproximadamente US$340. Ou seja, em dólares, o poder de compra de um trabalhador que recebe salário mínimo cresceu 332% em 5 anos e 466% em 8 anos.
Isso, e apenas isso, já ilustra a importância de se ter uma moeda forte. E você ainda se surpreende que Lula tenha tido recordes de aprovação, principalmente entre os mais pobres? Fernando Henrique Cardoso também usufruiu altos índices de popularidade entre os mais pobres durante seu primeiro mandato, quando o real estava atrelado ao dólar. E foram os mais pobres que o reelegeram em 1998. Novamente, apenas uma consequência natural de se ter uma moeda forte.
Esta valorização do real perante o dólar entre 2003-2011, a qual ocorreu durante um longo processo de expansão do crédito, foi crucial em fazer com que a inflação de preços no Brasil não aumentasse tanto quanto poderia ter aumentado em decorrência de toda a inflação monetária ocorrida. Tal fenômeno — que representou um grande aumento na renda real das pessoas — não pode ser descartado quando se quer entender o motivo da alta popularidade de Lula. As pessoas tinham cada vez mais dinheiro no bolso, e esse dinheiro valia cada vez mais em termos de dólares.
O gráfico a seguir ilustra como foi esse movimento. A linha vermelha representa a evolução do câmbio (coluna da esquerda). A linha azul representa a evolução da oferta monetária (coluna da direita). O período analisado é de janeiro de 2002 a julho de 2011.
Vale observar que, após a forte alta do dólar no final de 2002 — temores com a eleição de Lula —, o real volta a se fortalecer em 2003, e firmando sua tendência de valorização a partir de 2004.
Embora este mesmo fenômeno tenha ocorrido com praticamente todas as outras moedas ao redor do mundo — pois este foi um período de grande desvalorização do dólar —, a apreciação do real foi particularmente mais intensa. E isso pode ser creditado à percepção positiva que os investidores estrangeiros, os especuladores e todos os traders que atuam no mercado financeiro tinham em relação à equipe econômica. A boa equipe montada por Antônio Palocci no primeiro mandato de Lula, com Joaquim Levy, Marcos Lisboa e Murilo Portugal na Fazenda, além de Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn e Alexandre Schwartsman no Banco Central, foi essencial para gerar esta confiança. E ela foi mantida inabalada mesmo durante períodos conturbados, como por exemplo durante o escândalo do mensalão em 2005, em que não houve fuga de dólares e o câmbio não foi afetado.
E, mesmo com mudanças significativas feitas na equipe econômica a partir de 2006, com a saída de Palocci e a nomeação de Guido Mantega para Ministro da Fazenda, a confiança se manteve. Após um forte soluço ocorrido no final de 2008, a economia se recuperou rapidamente durante o ano de 2009, pois o governo não saiu baixando pacotes, não tentou desvalorizar o câmbio, não recorreu a políticas protecionistas e, principalmente, permitiu que preços e salários se ajustassem para baixo. Esta célere recuperação, em conjunto com as fartas matérias elogiosas publicadas pela imprensa internacional sobre a economia do país, manteve o ânimo dos investidores estrangeiros, dos especuladores e de todos os traders que atuam no mercado financeiro, e o real voltou a se valorizar perante o dólar.
Todos os bons resultados financeiros apresentados pelas filiais de empresas estrangeiras instaladas no Brasil podem ser creditados à valorização do real, que fez com que os lucros remetidos em dólares e euros para suas matrizes fossem substanciais. O mesmo pode ser dito sobre o espetacular momento vivenciado pelas companhias aéreas neste período, uma vez que dólar baixo significa mais pessoas viajando e querosene mais barato.
Mas tudo começou a degringolar em 2012, que foi o ano em que o governo mais exacerbou suas intervenções na economia, o que deu origem ao segundo cenário descrito no início desta seção.
Toda a expansão creditícia iniciada em 2004 gerou dois inevitáveis resultados: endividamento recorde da população e inadimplência em alta. O gráfico abaixo ilustra a evolução destes dois indicadores. A linha azul mostra endividamento das famílias em relação à sua renda acumulada nos últimos doze meses (coluna da direita) e a linha vermelha mostra a evolução da inadimplência (coluna da esquerda).
Esta situação fez com que os bancos adotassem uma postura mais comedida e aumentassem suas exigências antes de conceder novos empréstimos. Tal postura mais restritiva dos bancos gerou um arrefecimento na até então frenética expansão do crédito, algo que, por conseguinte, reduziu a taxa de crescimento da oferta monetária.
Essa redução da taxa de crescimento da oferta monetária afetou os números do PIB, bem como a demanda por bens industriais (veja aqui o gráfico da produção industrial). O governo então se desesperou e, confundindo causa com consequência, passou a adotar uma profusão de medidas intervencionistas para "proteger a indústria".
Primeiro ele fechou os portos aumentando as alíquotas de importação de praticamente todos os produtos estrangeiros (está tudo aqui e aqui). Depois, obrigou todas as grandes empresas do país a produzir utilizando uma determinada porcentagem de insumos fabricados no Brasil. Ato contínuo, os privilegiados fabricantes destes insumos obviamente se aproveitaram deste monopólio para aumentar seus preços. Para ajudar as grandes empresas a adquirir estes agora mais caros insumos, e simultaneamente para ajudá-las em seus projetos de investimento, o BNDES foi liberado para lhes emprestar dinheiro público a rodo, tudo a juros subsidiados. Como o BNDES não tem todo esse dinheiro, o Tesouro começou a emitir títulos apenas para arrecadar este dinheiro, o que fez com que a dívida bruta do país chegasse a R$ 2,823 trilhões. Em simultâneo, naquelas poucas áreas com potencial para receber fartos investimentos estrangeiros — o setor de infraestrutura rodoviária, portuária, aeroportuária e ferroviária —, o governo estipulou taxas de retorno, de estilo bolivariano. No final, para não assustar de vez os investidores estrangeiros e os organismos internacionais, o governo passou a maquiar suas contas públicas, transformando 'recebíveis a longo prazo' em 'receita imediata', e déficit em superávit.
Paralelamente a tudo isso, a presidente e seus dois ministros favoritos (Mantega e Pimentel) se esmeraram em açoitar com gosto o "tsunami" de dólares que entrava no Brasil e apreciava o câmbio, sem se dar conta de que eram justamente esses dólares os principais responsáveis pela satisfação da população.
Resultado de tudo isso: insatisfação, estagnação, insegurança, alto grau de incerteza do empresariado, desconfiança dos investidores estrangeiros, saída de dólares, e acentuada desvalorização cambial. O dólar, que em julho de 2011 chegou a valer R$1,56, disparou para R$2,44.
Neste mesmo período, o euro foi de R$2,26 para R$3,26. Isso significa que o dólar se valorizou 56% perante o real, e o euro, 44%.
Ou seja, quem hoje recebe salário mínimo — de R$678 — está recebendo US$278, um valor 18% menor que os US$340 de julho de 2011. E ainda há quem acredite que os progressistas que defendem câmbio desvalorizado são a favor do aumento da renda dos mais pobres...
São três os fatores que determinam as oscilações da taxa de câmbio de uma moeda:
1) O primeiro é a inflação monetária e sua inevitável consequência, que é a inflação de preços. A taxa de câmbio é, no longo prazo, definida pelo poder de compra da moeda. Como o poder de compra do real foi dizimado pela inflação monetária ocorrida do período 2008-2011, é natural que esteja agora havendo esse ajuste na taxa de câmbio.
2) Além da inflação monetária, a taxa de câmbio de curto prazo também é afetada pelo crescimento da economia. Quanto maior o crescimento da economia, maior a demanda por moeda nacional — logo, mais apreciada tende a ser a moeda. Isso explica a valorização cambial que inevitavelmente ocorre quando o PIB está crescendo.
3) Mas é o terceiro fator que está se sobressaindo atualmente. Quando uma economia ainda em desenvolvimento — como a brasileira — adota uma taxa de câmbio flutuante, sua moeda estará diariamente sujeita aos humores dos especuladores, dos investidores internacionais e de todos os traders que atuam no mercado financeiro. Se eles perderem a confiança no governo, a taxa de câmbio poderá se desvalorizar acentuadamente, e permanecer assim por um bom tempo. É isso que está acontecendo no Brasil atual: a inflação monetária não está mais crescendo em níveis acentuados, mas a taxa de câmbio segue se desvalorizando por causa da atuação de especuladores, dos investidores internacionais e de todos os traders que já perceberam que as autoridades monetárias e econômicas do Brasil não são muito sérias.[1]
Essa abrupta desvalorização do real perante o dólar alarmou toda a equipe econômica. Desde maio último, o Banco Central já gastou quase US$ 40 bilhões em leilões de swap cambial, mas o preço do dólar continua em ascensão. Para piorar, a percepção de que a situação está degringolando cresceu na mesma proporção. Veja um trecho desta notícia retirada do blog do jornalista Vicente Nunes:
Nenhum dos diretores do Banco Central fala claramente, mas há um desconforto generalizado entre eles com o que consideram traição por parte do restante do governo. Acreditam que a autoridade monetária seguiu à risca tudo o que foi combinado com o Planalto nos últimos três anos, sobretudo a missão de levar a taxa básica de juros (Selic) para o menor patamar da história, de 7,25% ao ano, em outubro de 2012.
A expectativa era de que todo o governo se engajasse nesse processo, especialmente o Ministério da Fazenda, ao fazer um ajuste fiscal consistente, com transparência, sem truques, para mostrar uma saúde que as contas públicas não têm. O que o BC viu foi exatamente o contrário.
De início, porém, os integrantes da diretoria comandada por Alexandre Tombini preferiram o silêncio ante o descompromisso com o ajuste fiscal. Mas, diante da disparada da inflação e do derretimento do que ainda restava de credibilidade em relação à instituição, houve uma rebelião no BC e passou-se a explicitar a contrariedade com a gastança e a maquiagem das contas públicas tanto nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom) quanto no Relatório Trimestral de Inflação.
Os diretores também cobraram uma postura mais clara de Tombini em público, pois o risco de as expectativas dos agentes econômicos degringolar era enorme. O presidente do BC passou, então, a ressaltar a importância de um ajuste fiscal consistente para ajudar o Copom a reconstruir a confiança que o país tanto precisa para retomar o crescimento consistente.
Os diretores do BC sabem que não será uma tarefa fácil, especialmente porque o maior símbolo da desconfiança, o maquiador da Esplanada, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, permanece firme e forte no cargo, simplesmente porque é amigo da presidente Dilma Rousseff.
Tombini sentiu na pele o quanto a sua credibilidade e a de toda a diretoria do BC está no chão. Na semana passada, ele se reuniu, a portas fechadas, em São Paulo, com mais de uma centena de empresários e tomou uma sova. Começou com um discurso positivo, de que tudo está bem, que a inflação está sob controle (mesmo tendo ficado acima de 6% ao longo deste ano, no acumulado de 12 meses), mas acabou sendo atropelado por uma onda de críticas em relação ao governo. Muitos presentes no encontro foram claros ao afirmar que não vão retomar os investimentos produtivos até o fim das eleições de 2014. Tombini deixou o local quase mudo.
O Banco Central, como esperado, soltou uma nota negando a veracidade destas informações, o que significa que elas de fato são verdadeiras.
O que fazer
Durante toda a expansão do crédito anterior, os indivíduos intensificaram seu endividamento para poder consumir, na crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas. Já as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo estimuladas tanto pela expansão monetária coordenada pelo Banco Central (o que fez com que os investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos produtos criados pelos seus investimentos.
Este arranjo, no entanto, já foi revertido. A renda nominal se estagnou, mas os preços continuam em ascensão, em grande parte por causa da desvalorização do câmbio. É esta combinação entre renda nominal estagnada e preços em ascensão que vem gerando esta sensação real de aperto financeiro nos brasileiros.
Toda a mecânica deste ciclo econômico da economia brasileira já foi explicada inúmeras vezes neste site, de modo que ela não é o escopo deste artigo (veja aqui, aqui e aqui). Basta apenas dizer que, quando uma economia entra em uma fase de rearranjo pós-expansão do crédito, é essencial que seus preços possam cair para fazer com que a oferta entre em sintonia com a demanda. Uma acentuada desvalorização do câmbio vai totalmente contra este propósito. E, considerando-se que a inflação de preços acumulada em 12 meses está acima de 6%, e que a economia está estagnada, a situação é compreensivelmente ruim.
E é exatamente por isso que é de suma importância ter uma equipe econômica — tanto na Fazenda quanto no Banco Central — que inspire confiança nos investidores estrangeiros, nos traders e nos especuladores. Havia esta equipe no Banco Central em 2008. Como consequência, a desvalorização do real perante o dólar foi efêmera.
Sendo assim, caso a atual equipe do Banco Central não reconquiste a confiança dos investidores, especuladores e traders, o câmbio continuará se desvalorizando e impedindo que a inflação de preços diminua como deveria. Esta contínua desvalorização cambial, geradora de grandes incertezas, continuará fazendo com que a economia permaneça nesta quase-estagflação que estamos vivenciando, com uma crescente redução na renda real das pessoas.
Para resolver este imbróglio, uma medida já testada em vários países emergentes e de resultados imediatos e extremamente eficazes seria a transformação do Banco Central em um Currency Board (veja o que tal sistema realizou na Bulgária). Dado que o BACEN possui hoje mais de US$370 bilhões em reservas internacionais, adquiridas ao longo de 20 anos, tal valor é mais do que suficiente para a imediata criação de um Currency Board. Não apenas o câmbio se estabilizaria, como também a confiança dos investidores na economia seria restabelecida. Adicionalmente, as taxas de juros cairiam, o que traria um extremamente necessário alívio nos gastos do governo com o serviço da dívida.
Porém, e infelizmente, o apoio a tal medida seria nulo. Um Currency Board, justamente por retirar do governo o controle sobre a oferta monetária, obriga-o a adotar um orçamento austero, não deixando espaço para gastos com 41 ministérios e secretarias, aumentos para o funcionalismo, e subsídios para artistas, grupos de interesse e movimentos sociais. Não haveria apoio nenhum.
Sendo assim, uma segunda opção seria copiar descaradamente o estatuto do Bundesbank, adotando todos os seus métodos operacionais (cancelando as operações de mercado aberto e utilizando apenas a janela de redesconto, justamente o inverso de como opera hoje o BACEN). Seria necessária a aprovação de uma lei que de fato impingisse a obediência desse estatuto. Funcionou com a Lei de Responsabilidade Fiscal — pelo menos até agora —, então também pode funcionar para o BACEN.
Adicionalmente, a plena conversibilidade do real deve ser promulgada. Isso significa que reais poderão ser trocados por moeda estrangeira sem restrições. Uma moeda plenamente conversível é aquela que pode ser usada para adquirir quaisquer tipos de bens ou serviços estrangeiros, incluindo imóveis, títulos, ações e contas bancárias em outros países. A promulgação da conversibilidade seria um passo adicional na conquista da confiança dos investidores estrangeiros, podendo inclusive levar a um desdobramento natural: fazer com que moedas estrangeiras passem a ser aceitas como moeda corrente para as transações domésticas (hoje, o governo proíbe).
O problema é que não há hoje nenhum político com a testosterona necessária para criar esses dois projetos de lei.
O fato é que o Banco Central tem de reconquistar a confiança do mercado para que a taxa de câmbio possa cair, o que irá ajudar a conter a inflação de preços e, por conseguinte, ajudar na recuperação dos investimentos e da economia. A recuperação só virá se os preços caírem, e isso não ocorrerá com o câmbio se desvalorizando em decorrência da falta de confiança.
Nomes como Gustavo Franco para a presidência do BACEN e Pérsio Arida para a Fazenda seriam um bom começo, mas serão inócuos se não vierem acompanhados destas reformas.
Conclusão
Uma moeda sólida, forte e estável é necessária — embora apenas isso não seja suficiente — para a prosperidade econômica. Os alemães entenderam isso ainda em 1957. A consequência foi uma estrondosa elevação em seu padrão de vida. Os brasileiros vivenciaram algo vagamente semelhante a uma moeda forte nos períodos 1994-1998 e 2007-2011. Embora a alegria tenha durado pouco, este curto período já foi suficiente para melhorar as condições de vida de milhões de brasileiros, especialmente dos mais pobres.
Os grandes economistas sempre enfatizaram a importância de se ter uma moeda forte. Em 1876, Carl Menger, o fundador da Escola Austríaca, tornou-se o tutor econômico do príncipe-herdeiro da Áustria, Rodolfo de Habsburgo. Algumas das anotações econômicas de Rodolfo foram publicadas na década de 1990. Dentre as lições que o príncipe absorveu de Menger, vale observar o seguinte trecho:
Em grande parte, as transações comerciais e todo o comércio internacional, que são os pilares que dão sustentação ao desenvolvimento econômico, dependem de um sistema monetário ordeiro e bem-estabelecido. Por conseguinte, flutuações na taxa de câmbio e a incerteza que tais flutuações geram em todos os cálculos econômicos irão abalar a prosperidade da economia em suas bases mais fundamentais. Em toda e qualquer atividade doméstica ou internacional, cidadãos e empreendedores irão encontrar desconfianças e obstáculos por todos os lugares... Sendo assim, é sensato afirmar que uma moeda fraca e instável representa uma deficiência vital para uma nação, pois ela se faz sentir profundamente em todos os aspectos da vida econômica e de seu progresso.
Sim, uma moeda forte é uma bênção para qualquer população. Ela gera um aumento do poder de compra do trabalhador e, consequente, um aumento em seu padrão de vida. Uma moeda em constante fortalecimento equivale a um aumento salarial contínuo. Ela permite acesso barato a uma farta quantia de bens e serviços estrangeiros, aumentando enormemente o padrão de vida de seus usuários. Trata-se de uma instituição que não deve jamais ser colocada em risco, muito menos em épocas de recessão. E quem discorda disso que vá ensinar aos suíços e alemães o que eles realmente devem fazer.
[1] É por isso que há grandes economistas que defendem Currency Boards para economias em desenvolvimento. Segundo eles, deixar a moeda de um país ainda em desenvolvimento flutuar de acordo com a percepção que os agentes externos têm em relação à solidez do governo nacional é loucura.
Fonte: Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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