O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ficou conhecido nos últimos anos por sua cruzada contra o plano de estímulo do Federal Reserve, o banco central americano, usando a expressão "guerra cambial" para criticar a política de crédito fácil dos Estados Unidos que, segundo ele, vitimou o Brasil ao tornar o real forte demais.
Agora que o Fed sinaliza que vai frear o estímulo, os desejos de Mantega estão se tornando realidade. Mas os efeitos iniciais vão muito além do que o Brasil esperava. O real tem caído mais em relação ao dólar do que as moedas de outros países emergentes, atingindo na semana passada seu ponto mais baixo desde 2008, o que eleva o risco de um aumento da inflação e redução nos lucros das empresas. Para conter o declínio, o Banco Central do Brasil informou na quinta-feira que iria injetar pelo menos US$ 60 bilhões no mercado este ano. O real subiu após a intervenção, com dólar caindo para R$ 2,37. No início da semana, a moeda americana atingiu R$ 2,45, marcando um recuo de 23% da moeda brasileira este ano. Num exemplo do grau de preocupação do governo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, cancelou os planos de participar da reunião anual de política monetária do Fed nos EUA, durante o fim de semana.
Pode parecer estranho que um país que no passado recente reclamou de uma moeda forte esteja agora lutando contra seu enfraquecimento. O dilema econômico brasileiro reflete uma rápida mudança no cenário global, à medida que economias emergentes como o Brasil enfrentam uma desaceleração de suas taxas de crescimento e os EUA se preparam para promover um aperto na política monetária.
O grande problema do Brasil é que o real está caindo mais rápido do que muitos economistas esperavam, e não está claro onde ele vai parar. O risco agora é que uma moeda mais fraca alimente a inflação, forçando o Banco Central a elevar os juros, o que poderia reduzir ainda mais o crescimento.
"Uma desvalorização pode significar que a inflação vai voltar a ser um problema e as taxas de juros terão de subir", diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco Holding ITUB4.BR -0.58% SA. "É uma faca de dois gumes: de um lado você tem mais inflação e de outro, você pode ter mais competitividade e crescimento."
A queda já atingiu muitos brasileiros que se acostumaram a usar o real forte para fazer compras no exterior. Em 2011 e 2012, o brasileiro gastou mais do que qualquer outro visitante estrangeiro em Nova York, por exemplo, ajudando a levar o governo americano a conceder mais vistos para os consumidores brasileiros. A queda do real, que se acelerou enquanto boa parte dos brasileiros estava de férias, fez muita gente que viajou para o exterior se surpreender ao voltar para casa e encontrar contas de cartões de crédito muito mais altas para pagar em real.
A depreciação do real também está golpeando os lucros das empresas. A Vale SA, VALE5.BR +0.50% gigante exportador de minério de ferro, informou que seu lucro no segundo trimestre caiu 84% devido a perdas cambiais relacionadas com contratos de hedge e dívidas. As ações da Gol Linhas Aéreas GOLL4.BR -3.48% perderam uns 40% à medida que a queda do real aumentou consideravelmente suas dívidas em dólar ligadas à compra de combustível de avião.
É verdade que o Brasil está recebendo o que queria com uma moeda mais fraca. Mantega e outras autoridades brasileiras já disseram que não estão tentando impedir que a moeda caia, mas sim suavizar a volatilidade à medida que ela entra num patamar mais baixo. Em última análise, uma moeda mais fraca vai beneficiar os exportadores brasileiros que têm sido afetados pelo real forte nos últimos anos, desde que a inflação se mantenha sob controle, dizem analistas.
"Esse é o novo câmbio; agora, onde ele vai ficar eu não sei", disse Mantega recentemente.
Além disso, o Brasil tem outros motivos para esperar que sua moeda se estabilize, dizem os economistas. O país acumulou reservas de US$ 375 bilhões nos últimos anos, e seu orçamento e déficits em conta corrente não são tão grandes como os de alguns outros países emergentes.
Mas o rápido declínio do real também está expondo muitos problemas domésticos. Os investidores estão vendendo ativos, orientados, em parte, por uma visão pessimista de que o Brasil não vai tomar as medidas que consideram necessárias para levar o país de volta a um ritmo de crescimento acelerado, como simplificar sua complexa burocracia e sistema tributário.
Mantega disse que o principal motor do declínio da moeda foi o anúncio do Fed de que planeja começar a reverter seu programa de estímulo monetário, e não preocupações sobre o crescimento e política econômica do Brasil.
Mas os críticos dizem que a falta de reformas, além de outras questões como o aumento dos gastos públicos, significa que o real continuará a enfraquecer, mesmo com intervenções.
Fonte: The Wall Street Journal
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