Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O que tira o sono da diretora-gerente do FMI

Não é fácil ser o principal negociador em quase todas as crises financeiras do mundo nesta época conturbada. Mas como chefe do Fundo Monetário Internacional, ou FMI, Christine Lagarde vem desempenhando um papel em todo tipo de situação, do susto bancário do Chipre até as taxas de câmbio da China.

Com formação em advocacia, ela assumiu o cargo depois de um mandato de seis anos no gabinete francês. É considerada uma pessoa afetuosa, informal e extremamente disciplinada. Afinal, na juventude ela fez parte da equipe nacional francesa de nado sincronizado e continua indo à academia quase todos os dias.
Persistem rumores de que Lagarde pode voltar para a França algum dia e concorrer à presidência. Esta semana, ela teve que depor perante uma corte especial em Paris num processo que a acusa de uso indevido de recursos públicos durante seu mandato como ministra da Fazenda da França. Mas essa não é sua principal preocupação. Atualmente seu foco é sanar os mercados atingidos pelas crises e uma economia mundial debilitada, tarefa que exige diplomacia e muita energia. Recentemente, ela concedeu uma entrevista, em seu escritório de Washington, a David Wessel, editor de economia do The Wall Street Journal, para falar sobre a situação mundial. A seguir, trechos editados da conversa:

WSJ: Acabamos de passar por uma devastadora crise financeira. Será que já saímos dela?

Lagarde: Em 2012 nós evitamos um colapso. Temos que evitar uma recaída e certamente não podemos nos dar ao luxo de relaxar. Creio que 2013 vai ser um ano crítico.

WSJ: Em que sentido?

Lagarde: Muitos líderes, pensadores e tomadores de decisão das economias avançadas estão cansados de administrar crises. Eles querem sair dela. De certa forma, isso é bom; mas ainda há muito trabalho a fazer. Cerca de 80% das decisões já foram tomadas, por exemplo, quanto ao fortalecimento da União Europeia: boa parte do setor financeiro hoje tem melhor governança, melhor capitalização, melhor supervisão. Mas se não fizermos 100% do que é necessário, estaremos novamente em risco.

WSJ: Parece haver uma tensão lamentável, mas compreensível, em especial na Europa. Quando as coisas começam a ficar um pouco melhores, a complacência volta e se instala. Parece até que precisamos de outra crise para fazer as coisas andarem novamente.

Lagarde: Não creio que seja um fenômeno específico da Europa. Creio que também se aplica a outras economias, inclusive os Estados Unidos. O país lidou com o abismo fiscal e ainda há mais a fazer. Assim que for controlada a crise de ontem, a vontade é esquecer os problemas de amanhã. Os bancos centrais têm sido muito úteis nesse aspecto. Eles conseguiram acomodar certo grau de reformas de ritmo lento e consolidação fiscal gradual.

WSJ: Será que já fizemos o bastante para reformar o sistema financeiro de modo a não termos outra crise ou ainda há mais trabalho a fazer? Será que já estamos protegidos das crises bancárias?

Lagarde: Não, ainda não. É a minha regra 80/20: creio que 80% do trabalho já foi feito — a proporção de liquidez [dos bancos], a identificação das instituições financeiras internacionais que são importantes sistemicamente — mas se pensarmos nos mercados de balcão de derivativos, por exemplo, esse trabalho ainda não foi feito. Tudo ainda é muito obscuro, nada transparente. Muito trabalho já foi realizado, mas a cooperação internacional será de importância crítica, pois do contrário haverá pessoas fazendo o que cada uma acha que deve fazer no seu canto, mas não será coerente com o que os outros fizerem. Os banqueiros, operadores e financistas são pessoas muito inteligentes e astutas; eles vão descobrir qual é o canal certo para otimizar o sistema — e isso é bom, desde que se cuide dos riscos e contanto que, ao fim e ao cabo, não seja o contribuinte que termine pagando a conta.

Há outra questão que tenho sempre em mente: o rápido crescimento e desenvolvimento das economias dos mercados emergentes. Por enquanto elas têm estado bem protegidas porque não são sofisticadas financeiramente. Parece um pouco paternalista dizer isso, mas quando se vê o desenvolvimento do setor financeiro dessas economias, o tamanho do setor financeiro delas em relação ao total [do PIB], vemos que não é tão maduro. Eles vão se desenvolver, vão aumentar, vão ficar mais interligados e, como resultado, surgirão crises.

WSJ: A senhora acha que a democracia está à altura dos desafios que enfrentamos?

Lagarde: No curto prazo, ela traz dificuldades. É preciso cumprir com as regras parlamentares, é preciso comunicar e é preciso ser transparente, o que são os atributos da democracia. Mas no longo prazo, é uma situação em que todos ganham, pois se as pessoas sentem que têm poder e direito de participação, há uma apreciação do trabalho que cada pessoa no sistema tem que fazer.

WSJ: A Ásia contém uns 60% da população mundial, que chegarão a cerca de dois terços até 2025. É, obviamente, uma parte crescente da economia mundial. Quais os desafios que a senhora vê aí?

Lagarde: Um dos principais desafios será o envelhecimento. Para onde quer que você olhe, com poucas exceções, verá populações que estão envelhecendo rapidamente, com consequências para os padrões de consumo, padrões de poupança, produtividade e desenvolvimento de modo geral — fatores que devem ser tratados com cautela por essas populações, governos e instituições internacionais, incluindo o FMI. Esse será o caso do Japão e da China. A Índia será outra história. Mas considerando o Japão e a China, aí temos a segunda e a terceira maiores economias mundiais.

WSJ: E isso ocorre ao mesmo tempo em que vemos tendências semelhantes nos EUA e na Europa. Então qual é o problema? Quais são as tensões?

Lagarde: Creio que precisamos ter a mente muito aberta quanto a isso, pois normalmente as pessoas mais velhas poupam menos. Mas não é o que estamos vendo no Japão. O que veremos na China será interessante — um país onde os sistemas de aposentadoria, saúde e serviços sociais certamente não são tão desenvolvidos como nas economias avançadas. Como as pessoas vão se comportar? Como vão poupar? Como vão consumir? Será que vão depender da próxima geração?

WSJ: Veja agora o outro lado da moeda: o aumento da população jovem no Oriente Médio e na África. O que dizer disso?

Lagarde: Grandes desafios. Esse aumento da população jovem se localiza em países com nível elevado de crescimento, muito maior que em muitos outros lugares do mundo. Partindo de uma base tão baixa, o crescimento per capita desses países provavelmente vai avançar e isso vai causar frustrações, reações contrárias, possivelmente agitações sociais e com certeza migrações populacionais. E, de novo, do ponto de vista da economia, as coisas têm que ser bem pensadas com antecedência. Essas grandes tendências não vão se materializar nos próximos dois ou três anos. Estamos falando em 10 a 50 anos. Mas elas devem ser antecipadas já.

WSJ: Como a senhora avalia o risco econômico das mudanças climáticas?

Lagarde: É um risco enorme e também uma enorme oportunidade, e no momento estamos ignorando tanto o risco como as oportunidades associadas a ele. No FMI, examinamos o assunto com um foco preciso — a reforma dos subsídios para energia, o preço do carbono, o mercado de carbono. Como se sabe, cerca de meio trilhão de dólares é gasto diretamente em subsídios para combustíveis, gás e eletricidade. Envolver os governos para mudar isso e garantir que eles possam incentivar melhores critérios para os gastos — e não incentivar o consumo maciço de energia fóssil — é muito difícil. No entanto, é um risco e uma oportunidade. O risco é o consumo excessivo. As oportunidades são enormes, com os gastos economizados sendo reorientados para infraestrutura, educação e saúde.

WSJ: Quais são os riscos de não enfrentar as mudanças do clima?

Lagarde: Nossos filhos serão grelhados, fritos, assados e torrados.

WSJ: Será que temos uma governança global adequada para a globalização dos mercados e das empresas e para questões como a mudança climática?

Lagarde: Não, creio que não. Mas creio que será difícil alcançar o que seria desejável. Veja a supervisão do mercado financeiro ou a definição de normas e padrões em todos os setores e áreas ou a organização de um mercado de emissões de carbono. Seria uma boa ocasião para se projetar um novo sistema — ou uma supervisão econômica e financeira global, de abrangência mundial — para poder antecipar uma possível crise. Todas essas funções serão ainda mais necessárias no futuro. Mas a governança global é algo que provoca ressentimento dos governos nacionais, que têm a sua própria soberania.

Fonte: The Wall Street Journal

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