O próximo presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, decidirá quando reverter as políticas de dinheiro fácil de Ben Bernanke, um julgamento que poderá sufocar a recuperação da economia se essa reversão for feita cedo demais, ou desencadear uma inflação desgovernada se for feita tarde demais.
A tarefa poderá ficar para a vice-presidente do Fed Janet Yellen, uma economista meticulosa e exigente, formada na Universidade Yale, que emitiu alertas antecipados e prescientes sobre o estouro da bolha imobiliária residencial. Após a crise financeira, ela ajudou o Fed a voltar suas atenções para os desempregados, com políticas destinadas a estimular a economia ao menos até a taxa de desemprego cair abaixo dos 6,5%.
Yellen é uma das principais candidatas ao cargo, presumindo-se que Bernanke sairá ao fim de seu mandato em janeiro. Mas sua escolha está longe de certa. Ela enfrenta um grande ponto de interrogação para os investidores: será que ela está ciente dos riscos do dinheiro fácil para fechar a torneira de crédito do Fed antes do surgimento de bolhas financeiras ou de uma alta grande dos preços ao consumidor? Como primeiro passo, autoridades do Fed mapearam uma estratégia flexível de encerrar gradualmente o programa de compra de US$ 85 bilhões em bônus por mês, cuja intenção é estimular a economia. Mas o momento certo para a desativação ainda está sendo discutido.
"Minha preocupação é que a abordagem preferida por ela e muitos outros permitirá, ao longo do tempo, a corrosão da credibilidade da política anti-inflação do Fed", diz Alfred Broaddus, ex-presidente do Fed de Richmond.
Nascida no Brooklin, de pais que viveram a Grande Depressão, Yellen, de 66 anos, vem defendendo uma resposta agressiva do Fed ao alto índice de desemprego. Ela afirmou após a crise financeira que a inflação não deveria subir com a economia tão debilitada — uma visão que até agora se mostrou correta. De lá para cá, a inflação ficou em média em 1,8% ao ano.
"Isso não é apenas estatística para mim", disse ela, em pronunciamento a membros da central sindical AFL-CIO em fevereiro. "Sabemos que, no longo prazo, o desemprego é devastador para os trabalhadores e suas famílias." Richard Trumka, o presidente do sindicato que a convidou para a palestra, disse que os EUA estariam "bem servidos" se Yellen sucedesse Bernanke. "Ela entende os problemas de Wall Street e dos trabalhadores, e não só os de Wall Street", disse ele.
Mas ela vem encontrando resistência dentro e fora do Fed. James Bullard, presidente do Fed de St. Louis, disse em entrevista que, se o banco central se empenhar demais em reduzir o desemprego, ele poderá acordar a inflação sem fazer muito pela criação de empregos.
"Muita gente fala em dar mais ênfase ao desemprego", disse ele, sem citar diretamente Yellen. "Não acho que isso seja uma boa ideia."
Seja quem for nomeado para o posto pelo presidente Barack Obama, sofrerá um escrutínio minucioso nas audiências de confirmação do Senado. O senador Richard C. Shelby, um republicano importante da Comissão Bancária do Senado, votou contra a indicação de Yellen como a vice-presidente do Fed em 2010, acusando-a de ter um "viés inflacionário".
De 38 economistas do setor privado consultados na semana passada pelo "The Wall Street Journal", 29 disseram torcer para que Yellen seja nomeada. Outros candidatos poderão incluir o ex-vice-presidente do Fed Roger Ferguson e os ex-secretários do Tesouro Timothy Geithner e Lawrence Summers.
"Se eu estivesse na Casa Branca, gostaria da ideia de nomear para presidir o Fed a primeira mulher, que tem um currículo possivelmente melhor que o do atual presidente do Fed", diz Vincent Reinhart, principal economista do Morgan Stanley MS +3.32% para os EUA e ex-diretor da divisão de Assuntos Monetários do Fed. Ainda assim, ele disse: "Acho que os mercados estão nervosos com ela", devido à possibilidade de ela dar mais ênfase ao emprego que à inflação. "É só lembrar de seu discurso no AFL-CIO."
Yellen impressionou Obama quanto ele buscou seu conselhos quando foi candidato à Presidência, mas eles não são próximos, segundo pessoas que conhecem os dois. Quando ela foi nomeada vice-presidente do Fed, por exemplo, não teve um encontro cara a cara com Obama, segundo fontes.
Por outro lado, Geithner e Summers possuem fortes laços com a Casa Branca. Geithner já disse que não quer o cargo. Summers está interessado, segundo pessoas que o conhecem; ele não quis fazer comentários para este artigo.
Bernanke parece não querer um terceiro mandato na presidência do Fed, mas Obama poderá pedir para ele ficar. Bernanke disse em março que havia discutido "um pouco" seus planos com Obama, mas não quis dar mais detalhes. A Casa Branca não revela como o presidente fará sua escolha.
A seleção envolve mais que drama político. O Fed pode estar entrando em um período perigoso. Ele derrubou as taxas de juros para perto de zero, lançou programas de compra de bônus que injetaram trilhões de dólares na economia e permitiu o inchaço de seu portfólio de US$ 3 trilhões em títulos com os papéis lastreados em hipotecas e os títulos do Tesouro.
Em algum momento, o próximo presidente do Fed terá de usar métodos não testados para reverter o processo, aumentando as taxas de juros e sugando volumes enormes de dinheiro dos bancos. "Eles vão aprender enquanto estiverem fazendo", diz Laurence Meyer, um ex-presidente regional do Fed.
Os apoiadores de Yallen afirmam que há poucas pessoas tão bem preparadas. Ela foi oradora de sua turma na Fort Hamilton High School, escola de uma área de classe média do Brooklin. Seu pai era médico e tinha um consultório no porão da casa da família. Sua mãe, que deixou o emprego de professora no ensino fundamental para criar os dois filhos, levava o marido a visitas a casas de pacientes e administrava as finanças da família – segundo o irmão de Janet Yellen, John, ela cuidava da poupança e seguia o preço das ações no jornal.
"Meus pais estabeleceram padrões acadêmicos elevados para nós", disse John Yellen, diretor do programa de arqueologia da National Science Foundation. Depois do jantar, lembra ele, eles ouviam programas de rádio que incluíam a série de aventuras "Sergeant Preston of the Yukon".
Janet Yellen começou a se interessar por economia na faculdade. Quando fazia licenciatura na Brown University, ficou impressionada com uma palestra do professor visitante de Yale James Tobin, que posteriormente ganharia o prêmio Nobel de Economia. Ela então decidiu fazer doutorado em economia em Yale, onde seu interesse pelo desemprego cresceu enquanto ela trabalhava com Tobin, seu mentor e orientador de tese.
Tobin, um "filho" da Depressão e assessor dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson, enfatizava o custo humano do desemprego elevado e a obrigação do governo de combatê-lo. Ele ficou tão impressionado com as anotações meticulosas que Yellen fazia de suas palestras, que pediu a ela que as transformasse num livro. Ela acabou indo embora, para lecionar em Harvard, e não concluiu o livro.
Willem Buiter, economista-chefe do Citigroup, C +2.17% diz que as anotações de Yellen eram como o Velho e o Novo Testamentos para os alunos que faziam doutorado em Yale quando ele estudou lá, na década de 1970. "Ela era uma lenda quando entrei na faculdade", diz Richard Levin, presidente de Yale, que usou as anotações para estudar na década de 1970.
Yellen começou a trabalhar no Fed no fim de 1977 e lá conheceu seu marido, o economista George Akerlof. Eles se casaram em junho de 1978. "Nossas personalidades não só se complementavam perfeitamente, como também sempre estivemos em perfeito acordo sobre macroeconomia", escreveu ele numa autobiografia, após vencer o Nobel de Economia em 2001. O filho do casal, Robert Akerlof, é economista e leciona na Universidade de Warwick, no Reino Unido.
O marido de Yellen é cético em relação aos mercados. Em palestra no ano passado em Warwick, disse que "o público e os economistas tomam facilmente como correto tudo o que os mercados fazem".
Yellen subiu na hierarquia do Fed sendo metódica, em vez de iconoclasta. Ela aparece nas reuniões de política monetária com opiniões cuidadosamente elaboradas. Aqueles que trabalham com ela afirmam que, quando precisa tomar um avião, ela chega no aeroporto com horas de antecedência.
Na metade dos anos 1990, o então presidente do Fed Alan Greenspan pediu a ela para que assumisse a liderança em uma discussão interna sobre a adoção de uma meta formal de inflação. Sua preparação impressionou os colegas. "Ela faz o dever de casa", disse Broaddus, seu principal adversário na discussão.
Durante a discussão, Yellen desafiou Greenspan, que raramente era confrontado, a definir seus pontos de vista sobre a estabilidade dos preços, segundo consta em transcrições do Fed e pessoas que participaram da reunião. Mais tarde, com a economia mais forte, ela ficou preocupada com o aquecimento do mercado de ações e também exortou Greenspan a aumentar as taxas de juros de curto prazo para conter a inflação – conselho que ele rejeitou, segundo Meyer, seu colega na época.
Em 1997, Yellen foi nomeada presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, um período de crescimento econômico vigoroso. Ela e o assessor de Clinton Gene Sperling comemoraram dançando em uma reunião da equipe da Casa Branca em 1999, quando a taxa de desemprego caiu para perto de 4%, segundo contam pessoas que participaram da reunião.
Mais tarde, como presidente do Fed de San Francisco, Yellen deu os primeiros alertas sobre o perigo de um estouro da bolha imobiliária residencial. "Ainda sinto a presença de um elefante na sala, que é setor [imobiliário] residencial", disse ela em reunião de política monetária em 2007, segundo transcrições do Fed. "O risco de mais deterioração significativa no mercado imobiliário residencial, com os preços das moradias em queda e o aumento da inadimplência das hipotecas, me deixa bastante angustiada."
Três meses depois ela previu um perigoso efeito-cascata econômico. "Uma grande preocupação é que uma queda significativa nos preços das moradias pode ocorrer num contexto de perda de empregos, e isso poderá levar a um círculo vicioso de execuções de hipotecas, mais fraqueza nos mercados imobiliários residenciais e mais redução no gasto do consumidor", disse ela em setembro de 2007. "Os efeitos potenciais do aperto de crédito que está se desenvolvendo poderão ser enormes."
Em dezembro, ela pediu ao Fed que reduzisse agressivamente as taxas de juros, segundo transcrições do banco central. Bernanke optou por uma estratégia mais cautelosa, até que um mês depois as condições se agravaram.
Pouco depois de o Fed socorrer o banco Bear Stearns, em março de 2008, Obama – na época senador e candidato à Presidência – ligou para Yellen. Ele queria explicações sobre a crise financeira que estava se anunciando, e ela foi uma das poucas pessoas a quem ele recorreu, diz Austan Goolsbee, assessor de Obama que cuidou da ligação.
Yellen, simpatizante do Partido Democrata, impressionou Obama durante a conversa de 30 minutos em que explicou o risco de uma corrida aos bancos que poderia se espalhar como fogo pelos mercados, segundo Goolsbee.
Ela exaltou os ânimos no Fed com suas posições firmes. Nos últimos três anos o BC vem avançando em direção à sua receita de medidas agressivas sustentadas.
Em abril, quando as autoridades do Fed deliberavam sobre quanto tempo manteriam as taxas de juros baixas, Yellen fez um discurso de 20 páginas, com 18 notas de pé de página e 15 gráficos, defendendo que as taxas de juros deveriam permanecer baixas até 2015 ou mais. O discurso, posteriormente elogiado por Bernanke, pressagiou uma mudança do Fed no sentido de deixar mais claras as suas intenções de manter os juros baixos por um período maior do que o anteriormente planejado.
"Ela é convicta em suas afirmações", disse Charles Evans, presidente do Fed de Chicago, em entrevista. "Pede constantemente que você pense na sua argumentação, especialmente quando ela é incompatível com outros fatos. As pessoas olham para ela e prestam atenção ao que ela está dizendo."
Tradicionalmente, o segundo no comando do Fed fica à sombra do presidente, mas Yellen vem se expressão de forma aberta. Segundo fontes, Bernanke era mais próximo do antecessor de Yellen, Donald Kohn, outro potencial sucessor, que criou laços com o presidente durante a crise.
Mesmo assim, Bernanke e Yellen em boa parte concordam em suas posições. "Não consigo ver uma diferença material entre os dois", diz outro funcionário do Fed que os vê frequentemente em reuniões internacionais na Basileia, na Suíça.
No ano passado, Yellen presidiu uma comissão do Fed que elaborou um documento detalhando como o banco central americano via seu chamado mandato duplo, seu foco na inflação e no desemprego, conforme estabelecido pelo Congresso.
Pela primeira vez, o documento definiu uma meta formal de inflação de 2%, um objetivo tanto de Bernanke como dos "falções" da inflação – aqueles que se preocupam mais em manter a estabilidade dos preços. Ele também estabeleceu indicadores para as taxas de desemprego, às quais os falcões resistiram.
Funcionários do Fed discutiram o documento de 531 palavras durante meses, segundo pessoas envolvidas nas discussões. O Fed controla diretamente a inflação por meio do gerenciamento da oferta de dinheiro, mas muitos fatores influenciam o desemprego. As autoridades não queriam prometer a criação de muitos empregos e lutaram para definir como eles iriam equilibrar as metas de criação de empregos com a inflação.
O documento representou uma bela ilustração dos pontos de vista de Yellen sobre as operações do Fed. Ela diz nele que enquanto a inflação estivesse abaixo de 2%, o Fed poderia continua mantendo o fluxo de dinheiro, ajudando a reduzir o desemprego.
Yellen também pressionou por mais de um ano, nos bastidores, por mais uma medida que sinalizasse o compromisso do Fed com os juros baixos, afirmam pessoas envolvidas nas discussões. Em dezembro, seguindo seu conselho e de Evans, o banco central prometeu manter as taxas de juros próximas de zero enquanto a taxa de desemprego não cair para 6,5%, contanto que a inflação não fique mais de meio ponto porcentual acima da meta de 2%.
As iniciativas criaram um modelo para um plano de saída: à medida que o mercado de trabalho for melhorando, o banco central gradualmente irá desacelerar seu programa de compra de bônus. Mais tarde, quando a taxa de desemprego recuar para 6,5%, ou menos, o Fed começará a aumentar as taxas de juros de curto prazo.
Se a inflação aumentar, ele poderá se mexer mais cedo. Em algum momento, o Fed poderá vender parte de seus bônus e começar a absorver todo esse dinheiro.
Caberá ao próximo presidente do Fed provar que esse plano vai funcionar.
Fonte: The Wall Street Journal
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