Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Análise: Lições de história sobre a dívida pública


O que acontece se uma economia grande e de renda elevada, sobrecarregada por nível alto de dívidas e uma taxa de câmbio fixa e supervalorizada, tenta reduzir suas dívidas e reconquistar a competitividade?

Essa é uma questão muito relevante no momento, porque é o desafio que Espanha e Itália precisam enfrentar. Mas, como demonstra um capítulo na mais recente "Perspectiva Econômica Mundial" do Fundo Monetário Internacional (FMI), há um paralelo histórico relevante: o do Reino Unido entre a primeira e a segunda guerras mundiais.

E ele prova que a interação entre tentativas de "desvalorização interna" e a dinâmica da dívida pode ser letal. Além disso, a situação da Itália e da Espanha é hoje muito pior do que a do Reino Unido naquele período, de diversas maneiras.

Afinal, os britânicos tinham liberdade para abandonar o padrão ouro; deixar a zona do euro é muito mais difícil. Além disso, o Reino Unido dispunha de um banco central disposto a reduzir taxas de juros e capaz de fazê-lo. O Banco Central Europeu (BCE) pode não ter disposição ou capacidade de agir da mesma maneira em benefício de Espanha e Itália.

O Reino Unido saiu da Primeira Guerra Mundial com uma dívida equivalente a 140% de seu Produto Interno Bruto (PIB), e preços mais de duas vezes superiores ao padrão do pré-guerra.

O governo decidiu que retornaria ao padrão ouro, à paridade vigente antes da guerra, o que fez em 1925, e que amortizaria a dívida pública, a fim de preservar sua posição de crédito. Ou seja, se tratava do país dos sonhos do movimento Tea Party.

Para atingir esses objetivos, o Reino Unido implementou políticas fiscais e monetárias firmes. O superávit fiscal primário (anterior aos pagamentos da dívida) foi mantido em quase 7% do PIB por boa parte da década de 20.

'MACHADO DE GEDDES'

Para que isso fosse possível, os britânicos recorreram ao "machado de Geddes", uma comissão presidida por Sir Eric Geddes que recomendou cortes de gastos públicos muito semelhantes aos defendidos hoje pelos proponentes da "austeridade expansiva".

Nesse meio tempo, o Banco da Inglaterra elevou as taxas de juros a 7%, em 1920. O objetivo disso era sustentar o retorno à paridade que o ouro tinha no pré-guerra. Acoplado à deflação resultante, o resultado desse processo foi taxas de juros reais extraordinariamente elevadas.

E foi assim que os tolos pomposos que governavam o Reino Unido naquele período receberam de volta os desajustados sobreviventes de uma guerra infernal.

E qual foi o resultado desse compromisso para com a fome fiscal e a necrofilia monetária? Péssimo. Em 1938, a produção real do país mal havia superado a de 1918, e o crescimento médio no período foi de 0,5% ao ano. E isso não se deveu apenas à Depressão. A produção real em 1928, antes da crise, era inferior à de 1918.

As exportações se mantiveram persistentemente fracas, e o desemprego se manteve persistentemente elevado. O desemprego alto era o mecanismo para forçar a baixa dos salários nominais e reais.

Mas os salários não são apenas mais um preço. O objetivo era destruir o poder do trabalhismo organizado. As políticas adotadas pelo governo resultaram na greve geral de 1926, e causaram uma amargura que continuava a existir décadas depois da Segunda Guerra Mundial.

Além de seus imensos custos econômicos e sociais, essas políticas também fracassaram se julgadas pelos critérios que elas mesmas propunham. O país abandonou o padrão ouro, de vez, em 1931. E o pior é que a dívida pública não caiu.

Em 1930, ela havia atingido os 170% do PIB, e dois anos mais tarde chegou aos 190% do PIB. (São números que ajudam a colocar em perspectiva o pânico quanto a proporções muito mais baixas de endividamento, hoje.) Na verdade, o Reino Unido não conseguiu retornar o nível de endividamento que detinha antes da Primeira Guerra Mundial até 1990.

BRITÂNICOS

Por que os britânicos foram tão mal sucedidos em seus esforços para reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB? Em resumo, porque tinham crescimento de menos e juros altos de mais. Como resultado, nem mesmo os superávits fiscais primários elevados bastavam para impedir que a dívida crescesse em proporção ao PIB.

A história é relevante para a moderna zona do euro. Para reconquistar rapidamente a competitividade, em lugar de conduzir ajustes graduais ao longo de uma década ou mais, é preciso promover uma queda de salários.

Para que isso aconteça, é necessário desemprego muito elevado. No caso da Espanha, ele já existe. Mas mesmo com um desemprego de 25% da força de trabalho, os salários nominais do país subiram apenas um pouco menos que os da Alemanha, desde que a crise começou.

Enquanto isso, o PIB real da Espanha está encolhendo. Os esforços de aperto da política fiscal certamente resultarão em queda ainda maior. E as taxas de juros elevadas terão efeito semelhante, porque provocarão fuga de capitais internos e externos.

Tudo isso acarreta o risco de aprisionar a Espanha em uma armadilha de dívida, e em seu caso uma armadilha que ameaça tanto o setor privado quanto o público. A Itália, um país com deficit fiscal menor mas dívida pública mais alta, corre o risco de cair em armadilha semelhante se as taxas de juros continuarem altas e o PIB não crescer.

É por isso que o plano do BCE para reduzir as taxas de juros sobre os títulos de dívida desses países é uma condição necessária, mas não suficiente, para que escapem ao desastre de colapsos fiscais e bancários simultâneos. Mas além disso eles também precisam melhorar suas perspectivas de crescimento.

O FMI avaliou diversos outros casos interessantes. A redução na dívida pública dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial é um deles. Outro é a experiência japonesa nas duas últimas décadas, que apresenta paralelos para com a britânica nos anos 20 e 30, especialmente no que tange à deflação. Outros casos são o da Bélgica nos anos 80 e os do Canadá e Itália nos anos 90.

CONCLUSÃO

A conclusão mais importante é a de que consolidação fiscal é impossível sem um ambiente monetário favorável, com taxas reais de juros muito baixas e economias vibrantes. O Japão fracassou quanto a isso nas décadas de 90 e 2000, como o Reino Unido nos anos 20 e 30.

A ineficácia da política monetária em países cujos setores privados estão endividados, como o Reino Unido e os Estados Unidos hoje, cria restrições semelhantes, algo que o governo britânico está aprendendo. A inflação também acelerou a redução da carga da dívida pública, no passado. Seria surpresa caso não causasse o mesmo efeito agora.

Minha crítica ao estudo é que ele não coloca os esforços de redução da dívida fiscal no contexto daquilo que acontece ao mesmo tempo quanto ao endividamento privado. É muito mais difícil controlar deficit fiscais se o setor privado deseja reduzir seu endividamento excessivo ao mesmo tempo: gastos menores de um lado significam renda menor do outro.

Na ausência de forte demanda externa, o resultado provável é redução no endividamento por calote e depressão. E esse é o pior resultado imaginável.

Mesmo assim, o estudo é extremamente útil, não menos por apontar a relevância da experiência britânica entre as guerras para a situação atual da zona do euro.

Há um risco elevado de que a combinação de políticas fiscais duras e condições monetárias severas lance Espanha e Itália a armadilhas de dívida devido à interação entre taxas elevadas de juros e baixo crescimento.

O Reino Unido conseguiu pelo menos manter controle sobre as condições monetárias; ao final do processo, abandonou o padrão ouro e reduziu as taxas de juros. Os membros da zona do euro não contam com essas opções indolores.

Mas a austeridade fiscal e os esforços para reduzir salários em países que sofrem estrangulamento monetário podem causar a fratura de sociedades, governos e até Estados. Sem uma solidariedade maior, é improvável que essa história termine bem.

Fonte: Folha de São Paulo / Financial Times

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