Em mais um capítulo da controversa questão dos royalties da exploração petrolífera, o Congresso vota nesta terça-feira o veto da presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei aprovado no ano passado pela Câmara e pelo Senado que visava uma distribuição igualitária dos dividendos entre todos os Estados brasileiros.
Cedendo a pressões de Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, a presidente eliminou da proposta de legislação o artigo 3º, mantendo assim uma vantagem a esses Estados - os principais produtores de petróleo do país.
O veto da presidente envolve 140 dispositivos da lei.
Os royalties são tributos pagos ao governo federal pelas empresas que exploram o petróleo, como uma forma de compensação por possíveis danos ambientais causados durante o processo.
A maioria dos congressistas defende que todos os Estados ganhem o mesmo percentual desses recursos e, embora Dilma tenha vetado este artigo, analistas dizem que deputados e senadores da base aliada devem derrubá-lo, sustentando que a questão é estadual e não partidária.
Os governadores capixaba, paulista e fluminense já adiantaram que devem procurar o Supremo Tribunal Federal (STF) caso o veto presidencial seja derrubado pelos parlamentares.
Os congressistas destes Estados se mobilizam para obstruir a pauta, tentando atrasar o horário da votação, marcada para ter início às 19h e cujo quorum mínimo é de 14 senadores e 86 deputados.
A cédula de votação terá os 140 dispositivos rejeitados pela presidente, e após um período de breve comunicações e leitura de outras rejeições presidenciais, será aberto espaço para discussão. Cada veto será analisado duas vezes, primeiro pelo Senado e depois pela Câmara.
O adiamento da votação, prevista para o ano passado, acabou postergando também a apreciação do Orçamento, que só deve ser analizado após o encerramento desta questão.
A BBC Brasil preparou um guia com as questões mais polêmicas sobre a distribuição dos royalties. Entenda o que está em jogo:
1. Por que a lei dos royalties é tão polêmica?
Da forma como saiu aprovada do Senado, a lei dos royalties irritou municípios e Estados produtores.
Isso porque a lei prevê redividir não só recursos de contratos futuros, ou seja, de blocos que ainda serão licitados, como altera também os de antigos.
O principal Estado afetado por isso seria o Rio de Janeiro, responsável por % da exploração nacional de petróleo.
O royalty é um valor pago por uma pessoa ou empresa que detém o direito exclusivo sobre determinado produto ou serviço.
No caso do setor de petróleo, trata-se de um valor cobrado da concessionária que explora os campos, baseado em sua produção. O montante é pago à União, que repassa parte dos recursos a Estados e municípios segundo proporções estabelecidas na legislação.
Até a aprovação da nova divisão dos royalties pelo Congresso, em novembro deste ano, os municípios e Estados produtores recebiam a maior parcela dos royalties e participações especiais (tributo pago pelas empresas pela exploração de grandes campos de petróleo).
A presidente Dilma, no entanto, decidiu vetar alguns artigos da nova lei, entre os quais, a redivisão dos royalties para contratos já vigentes. Ela também determinou aos beneficiários desses recursos que invistam 100% da renda obtida a partir deles em educação.
O Congresso revidou e decidiu votar, em caráter de urgência, os vetos da presidente.
2. O que prevê a nova lei dos royalties?
O texto-base do projeto, oriundo do Senado, redistribuiu os recursos provenientes da exploração do petróleo entre União, Estados e municípios de forma escalonada até 2020, diminuindo a parcela direcionada aos produtores e, em contrapartida, aumentando o repasse aos não-produtores.
Até a aprovação da nova lei, os royalties eram divididos na seguinte proporção: 30% para a União, 26,25% para Estados e municípios produtores, 8,75% para municípios afetados, 7% para Estados não produtores e 1,75% para municípios não produtores.
Em 2020, segundo o que foi aprovado pelo Congresso, os repasses serão: 20% para a União, 20% para Estados produtores, 4% para municípios produtores, 2% para municípios afetados, 27% para Estados produtores e 27% para municípios não produtores.
3. Quais são os principais vetos de Dilma à lei?
A presidente vetou o artigo 3º, que reduz a parcela dos recursos para os Estados produtores referentes a contratos já em vigor.
Dilma vetou ainda o trecho que trata das formas de repasse dos recursos do petróleo para estados e municípios não produtores por meio dos fundos de participação.
Também vetou o estabelecimento de um teto para o recebimento de recursos referentes aos royalties do petróleo pelos municípios e a transferência de recursos excedentes para um fundo especial.
Foi vetado ainda o trecho que considera instalações de embarque e desembarque, para fins de pagamento de royalties a municípios afetados, nos pontos de entrega de gás natural produzido no país.
4. Por que há tanto interesse na lei dos royalties?
O interesse está no montante arrecadado com os recursos provenientes da matéria-prima, que tendem a se multiplicar nos próximos anos, sobretudo com a exploração do pré-sal, considerado a nova fronteira energética do Brasil. No ano passado, por exemplo, os royalties somaram R$ 25,6 bilhões.
A maior parte desse montante é direcionado atualmente ao Rio de Janeiro, que responde por mais de 80% da exploração do petróleo nacional.
Com a nova lei, segundo cálculos do governo fluminense, o Estado pode perder até R$ 77 bilhões, o que colocaria em xeque, diz o governo estadual, a viabilidade de projetos esportivos, como a Copa do Mundo e a Olimpíada.
5. De onde que surgiu a vontade de mudar essa lei?
A partir de 2007, quando o Brasil anunciou a descoberta de grandes reservas do chamado "pré-sal", o governo Lula passou a defender novas regras para a exploração de petróleo no país.
Em agosto de 2009, o presidente Lula apresentou quatro projetos para mudanças no setor, sendo um deles a redistribuição dos royalties.
Na ocasião, o então presidente também propôs a mudança do modelo de exploração do pré-sal, de concessão (quando o governo faz um leilão e ganha o consórcio que der o maior lance) para o de partilha (por meio do qual a Petrobras é operadora única e possui uma fatia de 30% de todos os blocos).
Inicialmente, Lula era favorável à redistribuição igualitária dos recursos do petróleo, mas voltou atrás diante da pressão dos Estados produtores.
Só que os deputados dos Estados não produtores não aceitaram o recuo e aprovaram uma emenda que redividia os dividendos do pré-sal para todos os Estados da federação.
Posteriormente, o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) incluiu áreas já licitadas na redistribuição dos recursos do petróleo.
6. O que é o pré-sal?
Trata-se da camada de rocha que contém petróleo e que está localizada abaixo de uma espessa camada de sal, a até 7 mil metros de profundidade e distante de 300 km a 400 km do continente.
A Petrobras estima que no pré-sal brasileiro haja reservas em torno de 70 bilhões a 100 bilhões de barris de petróleo.
7. O pré-sal já começou a ser explorado?
A exploração do pré-sal só começou em blocos já licitados (27% do total) - onde também há exploração de pós-sal e sob o regime antigo, de concessão.
Segundo a Petrobras, o pré-sal já equivale à 10% da produção nacional, ou, aproximadamente, 200 mil barris diários. A companhia diz que entre janeiro de 2011 e novembro deste ano, a produção nesses dois locais cresceu 148%.
"No entanto, aquele pré-sal anunciado com pompa por Lula - que levaria o Brasil a um novo patamar energético e estruturado sob um novo modelo de produção, o da partilha - ainda não deslanchou. Isso se deve, entre outros fatores, aos atrasos nos leilões", disse à BBC Brasil Jean Paul Prates, diretor do Centro de Estrategias em Recursos Naturais e Energia (Cerne).
O governo espera fazer os leilões do pré-sal já sob o novo marco regulatório em novembro do ano que vem.
Antes, no entanto, prevê realizar, em maio de 2013, a 11ª rodada de leilões, relativa a áreas de exploração de petróleo fora do pré-sal, ainda pelo modelo antigo, o de concessão.
O objetivo da Petrobras é chegar em 2017 produzindo 1 milhão de barris de petróleo provenientes do pré-sal.
8. O que é preciso fazer para que a exploração do pré-sal deslanche?
Segundo especialistas, há inúmeros fatores que, atualmente, atravacam o crescimento do setor de petróleo no Brasil, especialmente a exploração do pré-sal. Aliado ao impasse na votação da lei dos royalties, o primeiro é o atraso nos leilões. Sem novos campos licitados, não há produção, o que coloca em xeque, por exemplo, a autossuficiência brasileira.
Recentemente, um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) apontou que a queda na produção aliada ao consumo de derivados de petróleo (incluindo a importação de gasolina pela Petrobras) pode levar a perda da autossuficiência já em 2013.
"Do jeito que está, dificilmente a Petrobras conseguirá cumprir a meta de que o pré-sal responda por 47% de sua produção em 2020", afirmou à BBC Brasil Adriano Pires, sócio-diretor do CBIE e responsável pela pesquisa.
Para David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), também são limitadores "a política de conteúdo local, a falta de mão de obra qualificada e a própria dificuldade logística da exploração".
Na avaliação de Prates, do Cerne, um outro erro está no próprio modelo de exploração escolhido para o pré-sal. "O novo modelo, de partilha, é arcaico e, em sua essência, não prevê royalties. Ou seja, o Brasil inventou um sistema 'frankenstein', muito mais complexo do o atual."
9. A Petrobras conseguirá explorar o pré-sal?
A Petrobras detém hoje tecnologia de última geração para exploração em águas profundas. Porém, na opinião de especialistas, seu grande dilema é de onde arranjará dinheiro para explorar o pré-sal, que demandará vultosos investimentos.
"No novo modelo de produção, a Petrobras é operadora única, estando presente em 30% dos poços. Isso representa um fardo muito grande, especialmente em um momento em que sua dívida está mais alta", disse à BBC Brasil Armando Guedes Coelho, ex-presidente da Petrobras.
"Para se ter uma ideia, um único poço do pré-sal custa em torno de US$ 1 bilhão (R$ 2,1 bilhão) para ser perfurado", acrescentou Coelho.
De 2012 a 2016, a Petrobras planeja investimentos da ordem de US$ 236,5 bilhões (R$ 416,5 bilhões).
Segundo Pires, do CBIE, como agravante, "a Petrobras tem subsidiado o preço dos combustíveis no mercado interno, comprando no exterior a preços de mercado e vendendo aqui mais barato".
Um cálculo feito por ele à pedido da BBC Brasil indica que de janeiro a outubro de 2012, a estatal teve uma perda estimada em R$ 3,9 bilhões, devido ao dispêndio da importação superior à receita obtida com a gasolina e com o óleo diesel.
No mesmo período, a Petrobras acumulou um "custo de oportunidade" pela venda de diesel e gasolina a preços defasados em relação ao internacional de R$ 16,7 bilhões.
Fonte: BBC Brasil
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