Narrada em números, a China chega à primeira troca de sua cúpula do poder em dez anos acumulando façanhas impressionantes.
Desde 2002, o país quintuplicou seu PIB per capita, construiu milhares de quilômetros de trem-bala e organizou uma exuberante Olímpiada no mesmo ano em que resgatou o planeta da crise financeira com estímulos de US$ 685 bilhões.
As projeções também são otimistas. Nos próximos anos, já sob a quase certa liderança do vice-presidente Xi Jinping, 59, no lugar de Hu Jintao, a China continuará crescendo a taxas acima da média mundial, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), e deve ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo --cálculos preveem que isso possa ocorrer já daqui a oito anos, em 2020.
Mas tem sido sob um clima de nervosismo, e não de júbilo, que ocorrem os preparativos para a transição política --que começa com a abertura do 18º Congresso do Partido Comunista nesta quinta-feira, em Pequim, e só será concluída em março, quando Xi e o provável futuro primeiro-ministro, Li Keqiang, assumem o governo.
A tensão se explica, em parte, pelo aparecimento de problemas imprevistos.
No campo econômico, principal fonte de legitimidade do regime autoritário, a China precisou lançar mão de várias medidas de estímulo para fazer frente ao cenário externo ruim e assegurar um crescimento de cerca de 7,5%, menor índice desde 1990.
O Partido Comunista teve de lidar ainda com a grave crise política envolvendo Bo Xilai, dirigente cuja provável ascensão à cúpula foi interrompida por um escândalo de assassinato e corrupção.
Seu expurgo acabou contribuindo para acirrar a disputa entre facções por um lugar no Comitê Permanente, o órgão máximo da hierarquia chinesa, que provavelmente será reduzido de nove para sete cadeiras.
ARMADILHA
A esses problemas se somaram os desafios complexos para o médio prazo.
Com um PIB per capita ainda modesto e próximo aos de países como Equador e Timor Leste, a China quer evitar a todo custo a "armadilha da renda média".
Ela se configura quando um país não consegue mais competir com outros de mão de obra mais barata nem alcança o estágio de avanço tecnológico das nações mais ricas (o Brasil é sempre lembrado como mau exemplo).
Para isso, o governo estabeleceu diretrizes de difícil implantação para corrigir o padrão de crescimento.
As propostas, previstas no atual Plano Quinquenal (2011-5), incluem o salto tecnológico em áreas estratégicas, como aviação e energias alternativas, o aumento da participação do consumo interno no PIB --reduzindo o peso do investimento e das exportações-- e a criação de mecanismos para reduzir a explosiva desigualdade de renda, atualmente uma das maiores da Ásia.
A transição ocorre ainda num momento em que a opinião pública chinesa consegue uma força sem precedentes por meio das populares redes sociais locais (Facebook e Twitter estão bloqueados na China), que somam cerca de 300 milhões de usuários, a maioria de classe média.
Relatos de casos de corrupção, raivosos ou irônicos, disseminam-se rapidamente pelas redes, apesar dos esforços da censura oficial chinesa para controlar as críticas.
'HARDWARE SOVIÉTICO'
Autoritária, sem contrapesos, pouco transparente e propensa à corrupção, a atual estrutura administrativa, que se manteve praticamente intacta durante a abertura econômica, não está à altura dos problemas, segundo muitos analistas e mesmo vozes de dentro do governo.
"Os nomes dos organismos pelos quais o partido exerce o poder --Politburo, Comitê Central, Praesidium e outros do tipo-- traem um dos fatos mais negligenciados sobre o Estado moderno chinês: o de que ele ainda funciona dentro de um hardware soviético", afirma o australiano Richard McGregor, autor do elogiado livro "The Party" ("o partido", em português; obra não lançada no Brasil).
Um exemplo dessa ambivalência é o primeiro-ministro do país, Wen Jiabao. Crítico do atual rumo da economia chinesa, que tem classificado de "desequilibrado, descoordenado e insustentável", ele passou dez anos no gabinete defendendo uma reforma política, que não aconteceu.
Na semana passada, a imagem progressista de Wen foi seriamente manchada depois de o jornal "The New York Times" ter revelado que a sua família acumulou uma fortuna de US$ 2,7 bilhões, quase toda auferida em negócios envolvendo o governo a partir do período em que ele assumiu o gabinete, em 2003.
"A China está instável na base, abatida na classe média e fora de controle no topo", concluiu um congresso realizado em setembro pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, na sigla em inglês), segundo relato de um dos participantes.
Fonte: Folha de São Paulo
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