Engana-se quem pensa que o maior vilão da inflação é o tomate. Entre especialistas, reina o consenso de que o aumento dos gastos públicos é a principal causa da alta nos preços - que, nos 12 meses terminados em março, atingiu 6,59%, superando o teto da meta estipulado pelo próprio governo.
O gasto público elevado gera um ciclo vicioso, já que, para manter as despesas e cumprir o esforço feito para pagar juros da rolagem da dívida (superávit primário), o governo aumenta impostos e corta investimentos públicos, o que acaba desestimulando investimentos privados. A maior carga tributária reduz o lucro dos investidores.
A decisão de elevar a taxa básica de juros, a Selic, tomada nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), traz à tona uma realidade incômoda para o governo, na visão do presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Junior: a incapacidade de frear os gastos públicos.
"Para que não corramos o risco de ver a inflação subir, tem que segurar o gasto público. Esse é o grande ponto: o governo precisa puxar a rédea. A inflação é uma preocupação diuturna de qualquer economia. A questão é que tipo de remédio tem que ser administrado para que se tenha o menor efeito colateral possível. Neste momento, a nossa visão é que a redução do gasto público, a puxada na rédea da despesa seria um fator significativo para evitar a alta da inflação", alertou o Pellizzaro. O presidente da entidade dos lojistas disse, ainda, que o preço dos alimentos - considerados os causadores da inflação - tende a cair no curto prazo.
O professor do departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Roberto Kramer concorda com o argumento e alerta para o risco que representa a combinação aumento dos gastos públicos e desonerações de setores da economia, que geram renúncia de receitas. Em 2013, o cálculo é que R$ 70 bilhões deixarão de entrar nos cofres públicos por causa desses benefícios.
"O problema (do gasto público) é central: a presidente Dilma baixou o custo da rolagem da dívida quando baixou os juros, mas continuou gastando e aprofundando os incentivos fiscais e as desonerações. Em algum momento vai faltar dinheiro. Para cada uma dessas desonerações tinha que cortar uma despesa, e isto não está acontecendo", afirmou o professor.
Kramer alertou, ainda, que a atitude do governo causa descrédito dos investidores estrangeiros, o que reduz ainda mais a entrada de recursos externos em obras brasileiras. "Isso se repete em vários setores da infraestrutura. No caso da energia, por exemplo, temo que por falta de investimentos, que por sua vez é produzida pela falta de confiança no governo, que a gente caminhe para uma situação parecida com a Argentina, onde a energia é barata, mas o serviço não funciona. Não tem energia", disse.
O BC decidiu aumentar a taxa básica de juros de 7,25% para 7,5% ao ano, interrompendo um ciclo de queda que começou em julho de 2011. A medida foi tomada apesar de a presidente Dilma ter dito, em discursos em solenidades públicas, que a Selic não subiria. Para Kramer, a medida é saudável e pode resgatar parte da confiança do mercado na economia brasileira - e, consequentemente, aumentar os investimentos estrangeiros.
"O presidente do BC, Alexandre Tombini, é uma pessoa de fortes credenciais acadêmicas e respeitada pelos analistas, mas a impressão que o mercado tem é que ele é uma pessoa sujeita a intimidações da presidente. A Dilma cometeu o seguinte pecado: achar-se mais esperta que o mercado. Ela e toda uma escola econômica ajudaram a jogar o País no atoleiro inflacionário dos anos 1980. Talvez o presidente Tombini possa reconquistar, na percepção do mercado, um pouco mais de autonomia a partir do momento que a inflação se deteriore e aí o remédio amargo tem que ser administrado (aumento dos juros básicos)", analisou o professor.
O gasto público é também uma questão política, além de econômica. "A presidente Dilma (Rousseff) está certa no seu discurso de combate à inflação. Mas é preciso saber qual é a disposição do governo para fazer sacrifício político no sentido de manter juros e inflação em baixa. O gasto público é uma questão intimamente ligada a isso: fazendo obras, inaugurando obras, o governo ganha popularidade no curto prazo", alertou Pellizzaro. Para Kramer, somente a inflação tem o poder de atrapalhar os planos de reeleição da presidente.
"A única coisa que poderá tirar a vitória da Dilma nas eleições do ano que vem seria um descontrole inflacionário. Acho que ela e a equipe econômica não deixarão que isso aconteça. Ainda que a presidente teime, se a inflação insistir, vão ter que elevar os juros. Fica desmoralizante fazer o juro subir, mas não vai ter jeito. A alternativa é pior, que é a volta da inflação", finalizou.
Fonte: Terra
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