Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

terça-feira, 23 de abril de 2013

A tributação regressiva


É desejável que o governo implante programas sociais para melhorar a condição dos mais pobres, mas é lamentável esses programas terem de existir para amenizar justamente o mal gerado pelo próprio governo

No último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, um estudo do Ministério da Fazenda já alertava para a estranha situação do sistema tributário brasileiro, que carregava as camadas mais pobres da população com tributos superiores aos serviços públicos a elas prestados. Na época, o estudo, publicado na internet, dizia que a tributação brasileira atuava no sentido inverso de uma de suas principais finalidades: combater a desigualdade social e a má distribuição da renda.

Passados mais de dez anos, essa distorção continua, conforme mostra um relatório publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Embora o Ipea informe que a contribuição do governo para a desigualdade de renda tenha várias fontes – como a remuneração de seus funcionários mais alta que o setor privado e a aposentadoria generosa oferecida pelo serviço público –, chama a atenção o papel regressivo exercido pelo conjunto de tributos do país. Como proporção da renda, os pobres pagam mais tributos que os ricos, sendo essa apenas mais uma das muitas distorções do sistema tributário brasileiro.

Uma das razões da concentração de renda é o excesso de tributos indiretos. Quando o governo cobra contribuições sobre o faturamento das empresas, como o PIS e a Cofins, não importa o tipo de produto fabricado, todos os consumidores pagam igualmente. Tanto faz se um pobre compra um pão ou se um rico compra um anel de ouro, as contribuições incidem igualmente. Porém, dois dos maiores impostos indiretos são o ICMS e o IPI, cobrados sobre a produção e a circulação de bens e serviços. O ICMS, por exemplo, é um tributo sobre valor adicionado de produtos tão diferentes quanto um par de chinelos e uma conta de energia, uma joia de luxo e uma conta de celular.

O tributo indireto não escolhe pagador: ele pega a todos igualmente, pobres e ricos. Como a fração da renda gasta por um rico com sua conta de energia é muito menor que a fração gasta por uma família pobre com o mesmo produto, também o porcentual da renda gasto com o ICMS é maior para o pobre. O mesmo fenômeno ocorre com o IPI, que é o Imposto sobre Produtos Industrializados, sejam eles consumidos pelos ricos ou pelos pobres. Não é preciso fazer muita conta para concluir que uma das formas de diminuir os efeitos ruins dos tributos indiretos na distribuição de renda é justamente reduzir o tamanho desse tipo de imposto na carga tributária total.

Os países desenvolvidos não carregam a população com tantos tributos indiretos quanto o Brasil e, quando o fazem, usam alíquotas menores. Os impostos diretos sobre as rendas – salários, aluguéis, juros e lucros – são os preferidos, pois eles são melhores para promover a equidade social, ou seja, tributar mais quem ganha mais. Os indiretos se tornam ainda mais defeituosos quando a prioridade do governo – com o apoio da sociedade – é trabalhar para melhorar a distribuição da renda e reduzir a desigualdade social. O resultado é que a desigualdade agravada pela ação do governo e pela tributação regressiva força a ampliação dos programas de assistência social (educação, saúde e previdência) e de transferência de renda (como o Bolsa Família, o seguro-desemprego, o vale-cultura e os subsídios à habitação popular).

É desejável que o governo implante programas sociais capazes de melhorar a condição social das faixas mais pobres da população. O problema está no alto custo burocrático e de gestão, e é lamentável eles terem de existir para amenizar justamente o mal gerado por obra e ação do governo. Se o Estado não contribuísse para concentrar renda – conforme mostra o estudo do Ipea –, a necessidade de programas sociais seria menor. Esse é o centro da questão: é estranho que o governo – cuja função é também reduzir a desigualdade social – seja responsável por parte da concentração de renda e da desigualdade que dela deriva.

Por tudo isso, o combate à desigualdade social depende de reforma tributária capaz de eliminar as distorções do sistema e melhorar os níveis educacionais e os programas de qualificação profissional. Essas medidas, mais o crescimento econômico, são o melhor caminho para a melhoria constante e duradoura da distribuição de renda.

Fonte: Gazeta do Povo

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