O mercado não pode se fiar exclusivamente nas informações sobre a inflação corrente para estabelecer suas projeções de juros.
O Ministério da Fazenda frustrou ontem a expectativa de anúncio das medidas efetivas destinadas a cortar cerca de R$ 13 bilhões do orçamento federal deste ano e permitir o cumprimento do esforço fiscal necessário para que o superávit primário feche 2013, dispensando o uso de procedimentos contábeis criativos, equivalendo a 2,3% do PIB.
Conhecidas um dia antes da reunião de hoje do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central que irá definir a nova taxa Selic, as providências fiscais seriam capazes de conferir um peso maior à decisão monetária.
A razão é que, finalmente, as duas políticas - a fiscal e a monetária - caminhariam no mesmo sentido, o da contenção da demanda agregada.
Sem a ajuda da área fiscal, a calibragem do juro básico mais adequado a promover a desinflação teria de ser mais onerosa aos cofres públicos e mais danosa à atividade econômica.
Na presença de um superávit primário robusto e executado com regras transparentes, sem sustos contábeis, a política de juros ganha eficiência maior. Tal eficácia ampliada pelo ‘booster' fiscal pode permitir a redução da magnitude total do aperto monetário, ou seja, sua extensão e contundência.
Os analistas não acreditam que se a Fazenda anunciasse as deliberações orçamentárias ontem, o Copom se sentiria constrangido a não ratificar o consenso absoluto do mercado, tanto do Boletim Focus quanto da estrutura a termo da taxa de juros, induzido por ele mesmo a partir da publicação do Relatório Trimestral de Inflação no final de junho, de uma elevação da Selic hoje de 0,50 ponto percentual.
Não seria por causa das medidas que o BC poderia, subitamente, diminuir o ritmo de avanço para 0,25 ponto, um compasso mais adequado a um encerramento de ciclo de aperto do que em seu meio. Mas já poderia, na nota pela qual comunica suas decisões à sociedade, sinalizar a intenção de atuar "tempestivamente", ou seja, em cima dos fatos do momento, e não de forma "vigilante".
As duas palavras, muito utilizadas nas comunicações recentes do Copom, denotam, no primeiro caso, uma cautela maior da autoridade, sinônimo de altas menos expressivas dos juros básicos, e, no segundo, a propensão a efetuar ajustes mais severos.
Mas a Fazenda adiou a divulgação das medidas por causa de imperativos de natureza política. A avaliação foi de que, no momento em que a área política do governo negocia a participação do PT nas manifestações marcadas pelas centrais sindicais para amanhã, não seria prudente capitalizar politicamente a veiculação de decisões que, em sua natureza, vão contra a pauta dos sindicatos.
A avaliação foi de que qualquer chance de controle do movimento se esvaneceria diante das medidas.Na indefinição de quanto do orçamento da União será cortado, e como, o Copom tende hoje a não abandonar o seu ‘script'. Vale dizer: elevar a Selic de 8% para 8,50% e não alterar o teor do seu comunicado, de forma a deixar claro ao mercado que o aperto prosseguirá no compasso e na intensidade atual. Sinalizaria, provisoriamente, pelo menos outra alta adicional de 0,50 ponto, na reunião de agosto, movimento a ser ratificado ou não na ata desta reunião de julho, a ser publicada no dia 18.
E o mercado, sem conhecer a extensão das medidas fiscais, não irá bancar alterações nas expectativas atuais. O pregão de juros futuros da BM&F embute nos contratos de curto e médio prazos a projeção de que a Selic avançará até 9,75%.
O mercado não pode se fiar exclusivamente nas informações sobre a inflação corrente para estabelecer suas projeções de juros. Os índices sobre a inflação corrente têm ficado em patamares inferiores às expectativas. Foi o caso do IPCA fechado de junho, que subiu 0,26%, quando as instituições esperavam, na média, 0,33% e, ontem, da primeira prévia do IGP-M. O índice acusou alta de 0,26%, vindo de 0,43% do encerramento do mês passado.
Para Salomão Quadros, superintendente-adjunto de inflação do IBRE/FGV, trata-se somente de uma "trégua inflacionária", sem repercussões mais profundas para o futuro. Não há certeza nos departamentos econômicos das instituições sobre o real impacto da desaceleração da economia sobre a inflação. Informalmente, os economistas relatam a sua sensação de que a economia, depois do turbulento mês de junho, "está parando".
Mas ainda não há dados concretos que confirmem essa impressão. Mas ninguém acha que o governo resolveu justamente agora fazer apertos fiscais e monetários num momento em que deveria estar estudando o oposto. O que os analistas têm certeza é de que a taxa de câmbio é uma variável suficientemente capaz de pressionar, mesmo que sozinha, a inflação.
Moeda que mais se desvalorizou no ano em uma amostra de mais de 140 moedas, o real sofre os efeitos não só daquilo que os analistas classificam como um desarranjo de política econômica (excesso de gastos públicos, ingerência em setores econômicos e baixos estímulos aos investimentos) como também da própria dinâmica dos mercados derivativos de câmbio da BM&F. Um dos mais sofisticados do mundo, capazes de influenciar decisivamente a rota do dólar nos negócios à vista, pois o seu grau de alavancagem chega a quatro vezes o volume de operações no mercado ‘spot', tais pregões sofrem hoje as pressões exercidas por grandes investidores "comprados", os que apostam na valorização da moeda americana.
A redução para zero, feita no mês passado, do IOF de 1% cobrado sobre a ampliação de posições em derivativos de câmbio não só não cumpriu o objetivo de atrair capitais especulativos externos para a ponta de venda como acabou estimulando a formação de posições compradas.
A posição de estrangeiros em cupom cambial e dólar futuro subiu de US$ 3,48 bilhões no primeiro pregão de julho para US$ 8,32 bilhões no dia 5, último saldo oficialmente conhecido. Até o final de maio, os estrangeiros estavam "vendidos". Encerraram o mês com aposta em queda do dólar no valor de US$ 6,57 bilhões. Ao longo de junho foram mudando gradualmente de posição, encerrando o mês levemente "comprados".
E agora a aliança com os fundos de investimentos nacionais - os maiores "comprados" desde maio - é completa. Ambos possuem hoje uma posição total a favor da queda do real de US$ 26,46 bilhões. Mesmo num dia de liquidez marginal no câmbio o dólar ainda conseguiu fechar em alta. Valorizou-se 0,12%, cotado a R$ 2,2620.
Fonte: Brasil Econômico
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