Os players estão preferindo nos últimos dias guindar o preço somente depois das 16 horas, um período de baixo volume de negócios.
Para não despertar a atenção do Banco Central, os agentes do mercado financeiro especializados na arte de arrastar o dólar para cima mesmo não havendo, como ontem, escadas auxiliares externas, mudaram sua forma de atuação.
Ao invés de desencadear logo cedo, favorecidos pelo giro ainda acanhado, arrancadas espetaculares da moeda americana, cuja inevitável resposta do BC era o anúncio de leilões de swaps cambiais, os players estão preferindo nos últimos dias guindar o preço somente depois das 16 horas, também um período de baixo volume de negócios.
O BC fica sem tempo hábil para anunciar e realizar a venda dos seus instrumentos de hedge. Com isso, o mercado avança mais um pouco e consolida uma cotação mais elevada no fechamento.
Durante a maior parte do dia, o dólar oscilou, com pouco fôlego, entre R$ 2,2655 e R$ 2,2780, ante R$ 2,27 no fechamento de segunda-feira.
Depois das 16 horas, a moeda conseguiu passar de R$ 2,28, deixando para trás a cotação, R$ 2,27, que tinha todo o jeito de delimitar um suposto teto cambial. Até a semana passada, de fato o BC se esforçou, por meio da repartição em lotes que não superavam US$ 1 bilhão dos leilões destinados a rolar os contratos que irão vencer a partir de quinta-feira, em impedir que o dólar superasse os R$ 2,27.
Sem alarde, os "comprados" no pregão de dólar futuro da BM&F lograram fincar uma bandeira nos R$ 2,28. A moeda, em valorização de 0,45%, fechou ontem a R$ 2,2810.
Depois do êxito em avançar no território inimigo, o mercado de câmbio amanhece hoje pronto para ir buscar os R$ 2,30, dependendo do resultado da reunião de julho do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve (FED). Ele será conhecido às 15 horas. O sonho dos "comprados" em dólar é que, contrariando os discursos recentes, o FED anuncie uma data no último trimestre do ano para o início da diminuição do socorro de liquidez.
Mais comedido, o mercado secundário de títulos do governo americano não ousou ontem fazer uma aposta sobre as sinalizações do FED. O yield do T-Note de 10 anos variou entre 2,57% e 2,61%, ante 2,60% na segunda-feira.
Os indicadores americanos do dia não foram muito inspiradores. Pesquisa da S&P/Case-Shiller efetuada nas 20 maiores cidades dos EUA constatou um aumento de 12,2% no preço das residências em maio, enquanto a expectativa do mercado era de uma elevação de 12,4%.
E o índice de confiança do consumidor americano, medido pelo Conference Board, caiu de 82,1 em junho para 80,3 em julho. Foi uma queda mais acentuada do que a esperada pelos analistas. A projeção era de um recuo para 81,4.
A trégua dos treasuries não intimidou os "comprados" nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. Na passagem de segunda para terça-feira, a cautela prevaleceu e eles não alteraram muito suas posições. Mas já estão de bom tamanho: até segunda-feira, os fundos de investimento nacionais carregam um saldo líquido comprado de US$ 17,95 bilhões, e os estrangeiros, de US$ 10,26 bilhões. Eles têm até hoje para influenciar, para cima, a formação da taxa oficial de câmbio que irá liquidar os contratos, amanhã. Mas já estão no lucro: no mês até ontem o dólar subiu 2,21%, o equivalente a 3,3 meses de rentabilidade pela Selic.
Mesmo confrontados com mais um indicador de inflação abaixo das projeções e com uma certa melhora na situação fiscal do governo, os juros persistiram em alta no mercado futuro da BM&F. A taxa para a virada do ano avançou a 8,85%, de 8,81% na véspera. O contrato para janeiro de 2015 subiu de 9,48% para 9,59%. Os juros subiram, segundo os operadores, porque o dólar subiu, e este subiu porque os especuladores puxaram o preço para cima. Nenhuma sensibilidade para a desinflação do IGP-M, que cedeu de 0,75% em junho para 0,26% em julho, para mediana de projeções de 0,28%.
Os dados referentes às contas do governo divulgados ontem mostraram um quadro sob controle. Mais do que confirmam a tese do ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, segundo a qual o país está longe de viver uma "tragédia fiscal". Em junho, primariamente o governo obteve um superávit de R$ 5,4 bilhões, acima da expectativa média dos analistas, de R$ 3,5 bilhões. No acumulado de 12 meses, o superávit primário avançou de R$ 88,8 bilhões em maio para R$ 91,5 bilhões em junho.
E, como proporção do PIB, avançou de 1,95% para 2%. Não falta muito para chegar aos 2,3% prometidos pela Fazenda. No primeiro semestre do ano, o saldo primário, de R$ 52,16 bilhões, equivaleu a 2,25% do PIB. Mas mesmo depois de o governo ter cortado R$ 38 bilhões de suas despesas - R$ 28 bilhões no início do ano e R$ 10 bilhões este mês -, o mercado não acredita que a meta será cumprida. Trabalha-se com um superávit este ano entre 1,4% e 1,7% do PIB.
Só conseguirá atingir os 2,3% se fizer alguma pirueta contábil. Isso o ministro Guido Mantega já garantiu que não fará. A descrença do mercado no cumprimento do alvo se deve ao fato de que, refletindo o baixo-astral econômico, a arrecadação tributária não irá fermentará o crescimento do bolo. O déficit nominal retrocedeu de US$ 14,52 bilhões para R$ 12,18 bilhões, apesar do aumento do dispêndio com o pagamento dos juros da dívida interna por força da política monetária contracionista. Só com juros, o governo gastou R$ 17,6 bilhões, acumulando quase R$ 221 bilhões, ou 4,82% do PIB.
Há desenvolvimentistas que defendem o pagamento dos juros por meio da emissão primária de moeda, liberando os recursos fiscais para o investimento em infraestrutura. Pelos dois ângulos possíveis de observação, a dívida caiu no mês passado. A bruta recuou de 59,6% do PIB para 59,3%. E a líquida, de 34,8% para 34,5%. "Em relação ao PIB e no acumulado em 12 meses, a alta no pagamento de juros não impediu que o superávit primário maior levasse a um déficit nominal em leve queda", observa o economista-chefe do Banco Fator, Luiz Francisco de Lima Gonçalves.
Não é nenhuma tragédia fiscal também porque o mercado parece estar conformado com a situação: a arrecadação não deverá reagir a ponto de permitir o cumprimento da meta de 2,3% do PIB; como o Banco Central não está perseguindo a meta central de inflação, de 4,5%, nem para este ano, nem para o próximo, não se exigirá adicionalmente esforços fiscais hercúleos; mas o importante é que, mesmo na inevitabilidade de um superávit de 1,5% no fim do ano, Mantega impeça a ação dos seus prestidigitadores contábeis.
Fonte: Brasil Econômico
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