Bernanke confessou que não sabe se a retomada da economia americana acontecerá da maneira desejada.
O presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, retirou ontem dos ombros da autoridade monetária o fardo da definição de quando as condições monetárias americanas começarão a ser normalizadas.
E transferiu a carga para os braços dos mercados ao enfatizar, durante o seu discurso aos deputados do Congresso, a importância de se acompanhar atentamente os indicadores sobre a economia do país e de interpretar corretamente as direções apontadas por eles.
O mercado não pode ficar dependente das frequentemente antagônicas opiniões dos dirigentes do Fed. Se tudo der certo, se a economia reagir com a velocidade esperada, a instituição estará preparada para diminuir a sua oferta de liquidez bem para o fim do ano.
Mas Bernanke confessou que não sabe se a retomada acontecerá da maneira desejada. As dúvidas de Bernanke abalaram as certezas do mercado. O seu pronunciamento, o mais claro, simples e incontroverso desde que em maio começou a falar em redução do programa de "quantitative easing" (QE3), desmontou as operações armadas mundo a fora na certeza de que a diminuição ocorreria a partir de setembro.
Tais operações implicavam assumir posição de venda de moedas de países emergentes, compra de dólares e aplicações em títulos do Tesouro americano. Desde ontem, o mundo começou a demolir tais transações.
O dólar, que chegou a subir antes do depoimento de Bernanke para R$ 2,2634 (valorização de 0,44% sobre o fechamento anterior) e descer a R$ 2,2260 (baixa de 1,24%) depois dele, encerrou o dia cotado a R$ 2,2270, em retrocesso de 1,2%.
Operadores relataram que os investidores estrangeiros que haviam, na terça-feira, aumentado suas posições compradas em dólar futuro em US$ 540 milhões, para um total de US$ 9,29 bilhões, trataram de reduzir sua aposta contra o real. Não há como sustentá-la, pois se o alvo preferencial dos alertas do presidente do Fed era o mercado secundário de títulos do Tesouro americano, ele acertou na mosca.
Os yields dos T-Notes de 10 anos, que fecharam a terça-feira a 2,54%, cederam até 2,46%, terminando a sessão em 2,49%. Resta saber se, sozinho, o discurso será suficiente para trazer de volta o US$ 1,52 bilhão que saiu em julho (até o dia 12) pela conta financeira da balança cambial brasileira. Para tanto, talvez fosse interessante agregar a ele uma política econômica interna capaz de impulsionar o crescimento econômico sem gerar inflação.
Os juros futuros longos, onde estão assentados os investidores de fora, foram os que mais caíram no mercado de DI da BM&F, acompanhando a desforra pós-Bernanke dos ativos de risco. O contrato para a virada de 2015 para 2016 recuou de 9,45% para 9,36%. A taxa para janeiro de 2017 fechou a 10,44%, ante 10,54% na véspera. Diante da perspectiva de menores pressões cambiais, o Copom, cuja ata da última reunião será editada hoje, não precisaria subir tanto a Selic.
Ficou nítida a preocupação de Bernanke em melhorar a comunicação do Fed com os mercados. Como ele não pode evitar que falcões e pombas membros votantes do comitê de política monetária exprimam, toda a semana, suas opiniões divergentes sobre o que a autoridade deveria ou não fazer, tratou de evitar o habitual tom evasivo dos seus discursos, propício a suscitar exegeses disparatadas e ações efetivas idem. Despiu-se de qualquer prerrogativa divinatória ao deixar bem claro que o Fed não tem uma bola de cristal infalível. Há várias indagações e incertezas no ar que ninguém sabe resolver de antemão.
Ainda há o perigo de deflação e a questão do emprego não pode ser vista exclusivamente do ângulo frio do payroll (mesmo que a taxa de desemprego caia para 6,5%, o Fed ainda olhará para a "qualidade" do mercado de trabalho, o subemprego existente e a massa de trabalhadores que desistiu de procurar trabalho). "Ele deixou claro que a evolução da economia precisa ser qualitativa e não apenas quantitativa. A inflação e o desemprego não são gatilhos", comenta o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
Bernanke não se contentou em reiterar, pela enésima vez (será que foi compreendido agora?), que a política monetária persistirá acomodatícia por "um longo tempo" antes e depois de encerrado o "quantitative easing". Para reforçar o recado, frisou que não há um plano predefinido de retirada dos estímulos. Significa que, se num determinado mês, o Fed, ao invés de comprar US$ 85 bilhões, baixar suas aquisições para US$ 75 bilhões e sentir que a economia piorou, pode, no mês seguinte, recomprar US$ 95 bilhões. Tudo depende de como a economia reagirá ao fato concreto. Não tem como fazer diferente. Desde o colapso de 2008, o Fed já injetou US$ 3,4 trilhões na economia.
Nunca na história se fez nada parecido. E Bernanke confessou que ninguém sabe como sair disso. É melhor portanto ir muito devagar, o método será o de tentativa e erro, e posterior ajuste de rota. Sobretudo, no atual ambiente de rigor fiscal imposto pelos congressistas. Lá - política monetária frouxa e fiscal apertada -, o dilema é o oposto do daqui. A política monetária precisa ser mais frouxa do que o necessário para compensar os cortes feitos pelos congressistas.
Depois desse discurso de ontem, o mercado terá de confiar mais em suas próprias análises dos indicadores e menos nos sinais múltiplos e contraditórios enviados pelos vários diretores e presidentes regionais do Fed. E o que mostram os indicadores? Como há uma alternância desconsoladora entre dados bons, mais ou menos, ruins e francamente péssimos, não há nenhuma confiança na recuperação dos EUA.
Enquanto economistas do calibre do Prêmio Nobel Paul Krugman ainda veem os EUA imersos na recessão - enquanto o ex-economista-chefe do FMI, Kenneth Rogoff, considera a meta de inflação do Fed, de 2%, muito baixa e propõe elevá-la para acima de 3% - falcões do Fed como Esther George vislumbram a volta do fantasma da inflação e culpam a lassidão monetária. E Bernanke diz agora que é o mercado quem deve escolher e arcar com as responsabilidades implícitas na decisão.
E o seu recado veio num dia de indicador horrendo. Enquanto a mediana das expectativas dos analistas indicava um crescimento de 5% no início de novas construções residenciais em junho, houve uma queda estrondosa de 9%. A média móvel de três meses ampliou a queda de -2,3% em maio para -8,9% em junho. E as permissões para novas edificações tombaram 7,5% em junho, ante previsão de alta de 1,5%. Evidentemente, não se trata de uma economia pujante.
Fonte: Brasil Econômico
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