A nova obsessão de alguns analistas financeiros são os famosos “três pilares” da política econômica adotada quando um modelo mágico de três equações quase nos levou ao “default”, em 1998. Introduzida em 1999, depois da desvalorização cambial, a política de responsabilidade fiscal, metas de inflação e liberdade cambial não nos poupou da ameaça de outro default em 2002. Dos dois só nos livramos graças à assistência do FMI.
No período de 1999 a 2001, onde alguns analistas supõem que aplicamos o regime “puro”, os números mostram resultados não muito interessantes: taxa de crescimento médio de 2,1% do PIB; taxa média de inflação anual de 8,8%; déficit público médio de 4,4%. A dívida líquida/PIB, que era de 39% no fim de 1998, elevou-se a 51% no fim de 2002. No período acumulamos um déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões. Houve, sim, grande progresso institucional, o maior dos quais, seguramente, foi a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, que transformou o Brasil numa área monetária ótima.
Não creio que alguém ainda acredite na proposição que com um único instrumento (a taxa de juros nominal de curto prazo), o Banco Central só pode atingir um objetivo (a taxa de inflação). E a razão é simples: o teorema no qual ela se sustenta é logicamente verdadeiro. O que é falso são suas hipóteses!
Não dá para dizer que as metas de inflação foram abandonadas
Isso hoje é reconhecido por excelentes acadêmicos convertidos pela vivência da política econômica a uma pequena “heterodoxia”. Dentre eles, dois tiveram grande importância na formação de nossos economistas: Stanley Fischer e Olivier Blanchard. Afirmar que a política monetária tem que considerar a taxa de crescimento do PIB é pecado apenas no mundo “virtual” em que ainda vivem alguns de nossos analistas.
É preciso reconhecer que todos os modelos, desde o mais simples, o de três equações, aos mais complexos como o Samba do nosso Banco Central, supõem que a economia converge para um “equilíbrio”, o que está longe de ser verdade. Eles exigem, ademais, o conhecimento de parâmetros não diretamente observáveis, de forma que a sua utilização na formulação da política econômica tem que ser cercada de muito cuidado. O próprio Blanchard (e Jordi Gali) mostraram, um pouco antes do início da crise em que nos encontramos, produzida pelo sistema financeiro, que quando os salários são inflexíveis para baixo, estabilizar a taxa de inflação está longe de ser a mesma coisa que estabilizar a taxa de crescimento. Consequentemente, existe um “trade-off” entre taxa de inflação e taxa de crescimento do PIB que exige uma política monetária que precisa do “conhecimento do desconhecido”. Como dizem os autores, trata-se da “divina coincidência”!
A recente publicação das “revisões” das estimativas das taxas de crescimento do PIB americano de 2008 a 2010 mostra o enorme nível de erro relativo a que ele é sujeito. Por exemplo, a estimativa contemporânea do crescimento anual do PIB no primeiro trimestre de 2011 foi de 1,9%. A revisão em julho de 2012 mostrou que ele, de fato, foi de 0,1%! Isso introduz graves erros no cálculo do “output gap” usado na formulação da política monetária. Trata-se de “medir a distância” entre uma variável estimada (a primeira estimativa trimestral do PIB) e de outra inobservável, o famoso PIB “potencial” cujo valor depende do método aritmético ou econométrico escolhido para “estimá-lo”.
No Brasil vamos aprender a lidar com o mesmo fenômeno, à medida em que o IBGE aperfeiçoa suas estatísticas. Espera-se para alguns meses uma revisão importante de seus números, o que é muito saudável para relativizar as “certezas” de alguns economistas. Curiosamente, esses aperfeiçoamentos são sempre recebidos com desconfiança por analistas engajados. Quando o IBGE anunciou a mudança dos pesos do IPCA, não faltou quem imaginasse que era para “mistificar” o IPCA de 2012. Pois bem. A verdade é exatamente outra: o uso dos “pesos” anteriores provavelmente superestimou o IPCA de 2011. Se havia erro era em 2011, não em 2012!
É preciso estimular o desenvolvimento de métodos que permitam estimar com maior precisão a variação do PIB em tempo real (como está tentando o Banco Central), separando os fatos dos “ruídos” e, assim, considerar melhor o inevitável “trade-off” no curto prazo entre o controle da taxa de inflação e nível do crescimento do PIB.
Nada autoriza a afirmação que o “pilar” da meta de inflação foi abandonado pela autoridade monetária. Diante de tanta incerteza interna e principalmente externa, é natural que ela aumente, na busca do seu objetivo, a ponderação do nível de atividade e de emprego em detrimento da rapidez de fazer convergir a taxa de inflação à meta. Não há nenhuma razão, teórica ou empírica, que condene tal alongamento se a política fiscal e a monetária são mantidas sob controle. Isso está muito longe da ideia que “um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento”. O mesmo podemos dizer das críticas à política cambial utilizada em legítima defesa para proteger nosso setor industrial. É o que, aliás, estão fazendo todos os países. Chega de mundo virtual! O mundo real nos impõe algumas mudanças estruturais importantes. Ajudemos o governo a realizá-las.
Fonte: CORECON-PR / Valor Econômico
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