"Um programa econômico estritamente desenvolvimentista", "intervencionista e heterodoxo", oposto às teses equivocadas dos "ortodoxos-conservadores de plantão, que recomendavam austeridade e caldo de galinha."
As palavras poderiam ser, mas não são de Guido Mantega, ministro da Fazenda, em defesa da política econômica de Dilma Rousseff.
São, isso sim, de Guido Mantega, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, em defesa da política econômica de Ernesto Geisel (1974-79).
Em um trabalho de 63 páginas apresentado há 15 anos, o então pesquisador convidava os leitores a examinar sem maniqueísmo as escolhas daquele período da ditadura militar. Hoje, o texto ajuda a entender medidas e argumentos do governo de que participa o ministro.
Guardadas generosas proporções, há similaridades cada vez mais visíveis entre estratégias empregadas agora para reanimar a economia e o plano de desenvolvimento lançado por Geisel, em seu primeiro ano de mandato, também para enfrentar uma crise internacional.
Não é por acaso: em pleno regime instaurado para combater o socialismo, o ex-presidente pôs em prática --sem os obstáculos naturais do regime democrático-- teses do pensamento desenvolvimentista cultivado pela esquerda latino-americana.
"Foi, provavelmente, o mais amplo programa de intervenção estatal de que se tem notícia no país", como escreveu Mantega.
Um cardápio ambicioso de obras públicas de infraestrutura; uma política industrial que escolhe setores para a concessão de subsídios e incentivos tributários; fortalecimento das estatais, em especial do BNDES, banco de fomento por meio do qual o Estado se associa a empreendimentos privados.
Esse receituário, que teve seu auge na era Geisel, é replicado por Dilma em escala menor --ainda que o plano da presidente se chame "Brasil Maior", enquanto os militares se contentavam com o slogan "Brasil Grande".
Há coincidências ainda em opções pragmáticas pelo capital privado diante da ineficácia da estratégia estatista. A petista anunciou concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos e prepara a dos portos; o general abriu a exploração do petróleo ao capital estrangeiro, pressionado pelo choque dos preços internacionais do produto.
De perfil tecnocrático e estilo centralizador, Geisel e Dilma sucederam a presidentes cuja popularidade se amparava em um período de vigorosa redução da pobreza e alta do consumo.
"As famílias um pouco mais abastadas ostentavam o segundo carro na garagem, e mesmo os estratos de baixa renda haviam conseguido participar da festa do consumo", segundo o relato de Mantega sobre o "milagre econômico" dos anos 1970.
Antes, como agora, enfrentava-se a desaceleração da economia, provocada pelo cenário global desfavorável.
Depois dos 14% de 1973, no final do governo Médici, o Produto Interno Bruto cresceu 8,2% e 5,2% nos dois anos seguintes. Depois dos 7,5% de 2010, no final do governo Lula, o PIB cresceu 2,7% no ano passado e não deve ir muito além de 1,5% neste ano.
Os militares conseguiram manter o crescimento em taxas aceitáveis à custa de uma escalada do endividamento externo, que levou à crise da década seguinte e à ascensão do neoliberalismo.
Dilma ainda não viu a prometida aceleração econômica, mas, para a maioria dos especialistas, é remoto o risco de uma crise de endividamento nas dimensões do passado: o país ainda depende de capital externo, mas dispõe de um volume recorde de reservas em dólar.
Fonte: Folha de S. Paulo
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