Se o principal foco de preocupação das últimas cúpulas do G20 foi a crise na Europa e Estados Unidos, no encontro que começa nesta quinta-feira em São Petersburgo as incertezas sobre os países emergentes também devem estar sob os holofotes. Daí a importância atribuída por analistas à reunião paralela que líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — grupo conhecido como Brics — devem realizar durante esta cúpula.
"O desaquecimento dos emergentes abriu um questionamento sobre se faz sentido a cooperação entre países tão diferentes que só passaram a ser considerados um grupo por terem grandes economias que cresciam em ritmo acelerado", diz Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas.
"Para combater tal ceticismo, seria importante que os líderes desses países mostrassem capacidade de coordenação e reafirmassem seu empenho em avançar em projetos como a criação de um banco de desenvolvimento dos Brics e de um fundo de reservas emergenciais."
A presidente brasileira, Dilma Rousseff, será acompanhada do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na reunião com chefes de Estado e governo dos Brics, que ocorre nesta quinta-feira.
O objetivo é, justamente, alinhar posições para o diálogo com os outros países do G20 e acelerar as negociações sobre o banco dos Brics e o fundo de reservas.
O primeiro financiaria projetos conjuntos na área de desenvolvimento, infraestrutura e trocas comerciais. No encontro do grupo em Durban, em março, os cinco países concordaram em garantir US$ 50 bilhões para seu capital inicial, mas ainda falta definir como será a estrutura do banco, de que forma ele irá atuar e como esse capital será aportado.
O fundo emergencial, por sua vez, funcionaria como um FMI dos emergentes, socorrendo países com problemas de liquidez financeira e teria US$ 100 bilhões de capital inicial.
Para o governo brasileiro, o ideal seria que essas duas instituições multilaterais saíssem do papel na próxima Conferência dos Brics, a ser realizada no ano que vem, em Fortaleza.
"Esses são os temas da agenda do encontro desta quinta-feira. Mas é claro que qualquer um dos presidentes pode levar para debate uma proposta ou tema que não esteja na pauta", ressaltou uma fonte ligada a delegação brasileira.
Na semana passada, por exemplo, Ashim Dasgupta, principal assessor econômico do Banco Central indiano, disse em entrevista à agência de notícias Reuters que a Índia estaria discutindo com outros emergentes um plano para realizar intervenções coordenadas em mercados cambiais offshore.
Ao ser questionado sobre o tema durante uma entrevista com a imprensa internacional, porém, Mantega desconversou. A assessoria do Banco Central do Brasil também negou que a instituição tenha sido incluída em qualquer diálogo nesse sentido.
"Parece difícil que haja uma coordenação real porque cada país tem suas próprias variáveis financeiras para levar em consideração na hora de uma intervenção", acredita o uruguaio Ernesto Talvi, especialista em macroeconomia de mercados emergentes da Brookings Institution.
"Mas na prática essas intervenções já são feitas com algum grau de simultaneidade. Nos últimas semanas, por exemplo, os Bancos Centrais de diversos países em desenvolvimento anunciaram projetos para reduzir a volatilidade de suas moedas."
Desafios comuns
A reunião de cúpula do G20 ocorre em um momento em que as economias emergentes enfrentam uma série de desafios comuns em função de fatores externos.
De um lado, a desaceleração da China tem pressionado o preço das commodities no mercado internacional e contribuído para frear o crescimento de outros países em desenvolvimento que dependem desse mercado.
Do outro, desde que o Banco Central americano indicou que iria reduzir seu programa de estímulos monetários, em junho, os recursos financeiros que inundaram as economias emergentes durante o auge da crise nos países ricos começaram a voltar para os EUA.
Tal refluxo provocou uma forte desvalorização de moedas como a rupia indiana, o real brasileiro, a rupia indonésia, o peso mexicano e a lira turca.
"Até pouco tempo, vivíamos em um mundo em que as commodities estavam se valorizando e havia dinheiro fácil para os países emergentes. Esse mundo acabou e para continuar a prosperar tais países terão de fazer ajustes", diz Talvi.
Entre analistas, existe certo consenso de que hoje os países emergentes estão em melhor posição para enfrentar crises financeiras do que no passado, como ressaltou em entrevista à BBC Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-secretário-geral da agência de comércio e desenvolvimento da ONU (Unctad).
No geral, eles têm reservas mais robustas, uma situação fiscal mais sólida e níveis mais baixos de endividamento em moeda estrangeira — embora haja variações importantes entre esses países.
"A Índia, por exemplo, tem problemas mais graves de deficit de conta corrente enquanto no Brasil espera-se que o ajuste do real seja suficiente para aliviar as preocupações nessa área", compara Ricupero.
'Muito papo, pouca ação'
Há muitas dúvidas, porém, sobre até que ponto qualquer ação de cooperação entre adotada pelos Brics pode fazer a diferença na hora de enfrentar tais desafios comuns.
Jim O'Neill, economista que cunhou o acrônimo Bric (o termo original não tinha o "s" que faz referência à África do Sul), parece ser um dos céticos sobre as possibilidades de coordenação.
"Os Brics até agora falaram muito, mas não fizeram nada politicamente", disse O'Neill durante uma palestra promovida na semana passada pela Bovespa em Campos de Jordão.
"Se querem reduzir sua volatilidade (ao dólar), têm de aumentar o uso de suas moedas, desenvolvendo seus mercados e aumentando seu comércio. Senão, sofrerão as consequências da predominância do dólar."
Para Stuenkel, a criação do fundo de reserva pode contribuir para amenizar crises graves em países em desenvolvimento no futuro.
Já Talvi acredita que os emergentes ganhariam mais se, em vez de criar instituições novas, se empenhassem em ampliar seu poder de influência em organismos já existentes como o FMI e o Banco Mundial.
"Em meio às dificuldades que os Brics estão começando a enfrentar no campo econômico, será mais complicado para eles fazer com que essas instituições novas funcionem no curto prazo", acredita.
Fonte: BBC Brasil
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