O comitê de política monetária do Fed (Federal Reserve Bank, o Banco Central americano) inicia nesta terça-feira uma reunião de dois dias em que deve indicar o fim da atual política de estímulos monetários adotada pelo país em resposta à crise financeira iniciada em 2008.
A expectativa do mercado é que, na quarta-feira, o Fed finalmente anuncie quando começará a cortar tais incentivos monetários e deixe claro o ritmo e intensidade desses cortes.
Nos últimos meses, a simples sinalização de que os EUA poderiam seguir esse caminho provocou um turbilhão financeiro em economias por todo o globo.
Uma desvalorização de 20% do real brasileiro foi em grande parte atribuída a tal sinalização. Os capitais financeiros que até agora inundavam mercados emergentes começaram a voltar para os EUA, provocando uma queda no valor das moedas desses emergentes, no que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, definiu como uma “minicrise”.
Brasileiros com passagem marcada para o exterior tiveram de refazer suas contas para ajustá-las ao novo câmbio, alguns produtos importados começaram a encarecer, e as apostas em uma alta de juros no Brasil cresceram.
Se a ata da reunião do Fed trouxer alguma surpresa, analistas não descartam novas turbulências, com repercussões de curto prazo sobre as moedas de mercados emergentes. Mas muitos também veem com otimismo o que essa decisão representa.
A BBC preparou uma série de perguntas e respostas para elucidar o que, afinal, está em jogo na reunião do Fed desta semana e o que ela pode significar para o Brasil.
Como funciona o programa de estímulos monetários do Fed e por que ele foi implementado?
No geral, os Bancos Centrais costumam estimular investimentos e consumo cortando as taxas básicas de juros da economia.
Depois da falência do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, os juros americanos de fato caíram de 2% para 0,25%. A partir daí, porém, havia pouca margem de manobra para cortar mais, e a expectativa era que novas reduções tivessem pouco efeito.
O Fed, então, decidiu impulsionar a economia ampliando diretamente a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos, investimentos e consumo (o que pode ser feito tanto pela impressão de cédulas, quanto pela ampliação da base monetária por via eletrônica).
A estratégia, conhecida como afrouxamento quantitativo (em inglês, Quantitative Easing), incluiu, no caso dos EUA, a injeção de novos recursos na economia por meio da compra de títulos do tesouro e de papéis lastreados em hipotecas, até então nas mãos de instituições financeiras.
Estratégias para reativar economias cambaleantes com a expansão de sua base monetária foram usadas em outros países no passado, nem sempre com sucesso. No pós-Primeira Guerra, por exemplo, o governo alemão lançou mão de um farto programa de impressão de moeda para custear seus gastos e dívidas e acabou mergulhando o país numa hiperinflação. Algo semelhante, ainda que em menor escala, ocorreu no Brasil nos anos 80 e 90.
De acordo com os defensores da prática nos EUA, porém, o afrouxamento quantitativo "moderno" teria mais sucesso porque os recursos seriam usados para comprar títulos já em circulação no mercado, a expansão da base monetária seria feita com mais parcimônia e o principal risco era o de deflação, não inflação.
De fato, desde 2008, o Fed já realizou três rodadas de afrouxamento quantitativo e, embora haja divergências sobre até que ponto se pode falar em uma recuperação sustentável, ao menos as previsões de um grande fracasso não parecem ter se confirmado.
A expectativa é que, quando o programa termine, tenha injetado mais de US$ 1 trilhão na economia americana. Atualmente, os aportes são de US$ 85 bilhões por mês por meio da compra de US$ 45 bilhões em títulos do tesouro e US$ 40 bilhões em títulos do mercado imobiliário.
Quais foram seus efeitos sobre os países emergentes, como o Brasil?
Com o aumento da quantidade de dólares em circulação e os títulos americanos pagando tão pouco, parte dos recursos injetados na economia americana acabaram sendo investidos em países emergentes, em papéis de maior risco e rentabilidade.
Tal movimento, definido pela presidente Dilma Rousseff como um "tsunami monetário", provocou uma valorização das moedas de países como Brasil, Índia, Indonésia e México, bem como um aumento do fluxo de capitais para tais países.
Com a apreciação cambial, as importações se tornaram mais baratas, mas em compensação seus exportadores também perderam competitividade.
No Brasil, o que alguns classificaram como uma "sobrevalorização do real" se tornou uma das principais reclamações da indústria, por exemplo.
Por que existe a expectativa de que o Fed comece agora a reduzir o afrouxamento quantitativo?
No último trimestre, o PIB americano cresceu 2,5% - taxa considerada alta para os países desenvolvidos afetados pela crise.
Além disso, no mês passado o índice de desemprego no país ficou em 7,3%, uma queda considerável em relação aos 8,1% do mesmo período de 2012.
Há algum debate sobre a solidez desses avanços, principalmente no mercado de trabalho (há quem acredite que a taxa possa ter caído porque muitas pessoas simplesmente desistiram de procurar emprego). E em função desses debates, surpresas não estão descartadas para a reunião do Fed.
Mas os analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que os indicadores já mostram que a economia americana está superando o período de turbulência dos últimos anos e, por isso, pode contemplar o fim do afrouxamento quantitativo.
“Trata-se do início do fim da crise financeira global que começou em 2008", diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, sócio da gestora Quest Investimentos, que já foi presidente do BNDES e diretor do Banco Central do Brasil.
"Se o Fed sinalizou com uma freada na injeção de recursos na economia é porque vê sinais de uma recuperação da economia americana - o que no médio e longo prazo deve beneficiar a todos, inclusive os emergentes e o Brasil.”
"Esse programa de estímulos monetários foi um tratamento usado para recuperar a economia dos EUA, e agora que o paciente parece estar se recuperando, a medicação pode ser interrompida", concorda Antônio Madeira, economista da LCA consultores.
O que exatamente o Fed pode decidir na reunião desta quarta?
O presidente do Fed, Ben Bernanke, disse em junho que o banco poderia começar a reduzir sua compra de títulos.
A expectativa é que a compra seja reduzida dos atuais US$ 85 bilhões mensais para algo entre US$ 75 bilhões e US$ 65 bilhões.
Segundo Bernanke, o programa de estímulos pode ser interrompido definitivamente em meados de 2014, desde que haja uma retomada firme do crescimento dos EUA e a taxa de desocupação no país chegue a 7%.
Quanto à taxa básica de juros, um esperado aumento para acima dos atuais 0,25% ao ano ainda pode ficar para uma reunião futura do Fed.
Em dezembro, o Banco Central americano informou que espera manter a taxa no atual patamar pelo menos até que o desemprego caia a 6,5% - desde que a inflação permaneça moderada.
Nos últimos 12 meses, a inflação no país permaneceu em 1,5%, abaixo da meta de 2% do Fed.
Qual pode ser a reação do mercado?
Para Celina Ramalho, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), o mercado já antecipou sua reação aos cortes no afrouxamento quantitativo americano.
“Como o Brasil importa trigo, em última instância até o pãozinho da padaria da esquina ficou mais caro em função dessa movimentação provocada pela decisão do BC americano ", diz.
Mendonça de Barros concorda. "Já faz mais de um mês que o mercado vem especulando em cima dessa sinalização do Fed".
Madeira, porém, faz a ressalva de que novas turbulências podem ocorrer no caso de uma surpresa.
"Se o início dos cortes for adiado por um bom tempo, por exemplo, pode ser que tenhamos uma ligeira revalorização do real e de moedas de outros emergentes, enquanto que se o ritmo dos cortes for mais intenso que o esperado, poderíamos ter novas desvalorizações e mais pressão sobre a taxa de juros de longo prazo desses países", afirma.
Que outros efeitos a redução do afrouxamento quantitativo pode ter?
Para analistas como Madeira novos impactos no câmbio e na taxa de juros não podem ser descartados, embora fortes turbulências sejam improváveis.
No médio prazo, há certo consenso de que os mercados emergentes terão de lidar com uma realidade de maior aperto financeiro e juros mais elevados.
Também espera-se que o câmbio permaneça em patamares mais altos - o que deve continuar a pressionar os preços de produtos importados, por um lado, e a favorecer as exportações, por outro.
"O período em que havia grande liquidez no mercado e investidores corriam para países emergentes em busca de rendimentos mais robustos de fato parece ter chegado ao fim, mas isso deve representar uma dificuldade maior para países emergentes com problemas graves de conta corrente deficitária, o que não parece ser o caso do Brasil", afirma Mendonça de Barros.
"Além disso, não podemos perder de vista o fator positivo refletido nessa mudança na política do Fed: a economia americana está se recuperando - o que deve ajudar a impulsionar a economia e o comércio global", opina ele, acrescentando que o Brasil certamente sairá beneficiado desse processo.
Já Ramalho é mais cética: "Para mim ainda é cedo se falar em uma retomada do crescimento dos EUA e contar com seus efeitos positivos", diz ela.
Fonte: BBC Brasil
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