Plano de Demissão Incentivada (PDI) joga no mercado pessoal especializado e gera vácuo de conhecimento na empresa
Por quatro décadas o engenheiro Luciano Carneiro atuou e acumulou conhecimento em atividades no Grupo Eletrobras. No auge da carreira, assessorou a presidência, trabalhando diretamente no planejamento do setor elétrico brasileiro. Mas, há cerca de um mês, deixou a empresa na mesma leva em que sairão, até 13 de dezembro, 4,3 mil empregados, que aderiram ao Plano de Demissão Incentivada (PDI), uma solução orçamentária para a companhia, após a imposição de queda de receita pelo governo.
Carneiro irá abrir um instituto para repassar o conhecimento adquirido a novatos do setor, inclusive de concorrentes da estatal, e projeta atuar, até mesmo, em países da África, onde a Eletrobras ajudou a estruturar o sistema elétrico para, em seguida, retirar-se. Em trajetória semelhante, Alcimar Tomas, após 37 anos de dedicação, deixará a Eletrobras até o fim do ano para ser "taxista ou corretor de imóveis". E Adilson de Souza, com 38 anos de experiência, "vai para casa para ficar um tempo sem planejar nada".
"O problema do PDI é que não é a empresa que escolhe quem sai. É voluntário. E a tendência é que saiam os melhores, com mais possibilidade de recolocação no mercado. O impacto para a companhia depende da sua ambição. Se a intenção é alterar o papel estratégico que possui hoje, os danos são menores. Mas é claro que tem impacto", ressalta o professor do Grupos de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ Edmar de Almeida.
Todo o conhecimento adquirido em décadas de trabalho na empresa responsável pela montagem e condução da infraestrutura elétrica no país será transmitido aos que permanecerão em seus cargos no curto período de cinco meses - de julho, quando o primeiro grupo de demitidos deixou a companhia, a dezembro deste ano, data da última saída em massa. Nesse intervalo de tempo, os que aderiram ao PDI são obrigados a preencher um formulário, no qual descrevem o cotidiano dos seus trabalhos, uma tentativa da empresa de reter o conhecimento, conta Tomas. "Preenchi rapidamente o formulário de repasse de conhecimento, o que teria que ter feito até o dia 18, mas não consegui. Nos próximos meses, aproveito para continuar transmitindo minha experiência a quem fica, no meu dia a dia", afirma Tomas, responsável pela marcação de viagens de funcionários da controladora do grupo.
Souza diz que, a três meses de se desligar, ainda debate com a chefia do departamento financeiro um plano de transição, para tentar deslocar a experiência adquirida ao longo de décadas. "Entrei como contínuo e estou saindo como economista. Conheço todas as divvisões do meu departamento", ressalta. Já Carneiro é explícito na crítica ao processo de transição da experiência dos funcionários. "A Eletrobras não se preocupa com o know how que está perdendo. Não há treinamento de transição. Só existe a preocupação de redução do efetivo", contesta.
O que considera um vácuo de conhecimento especializado no setor de eletricidade como consequência do PDI, Carneiro irá utilizar como matéria-prima no instituto que está criando junto com quatro ex-funcionários da Eletrobras. Aos 70 anos, ele admite que não tem chance de se recolocar no mercado. Em compensação, os profissionais que ingressam nem de longe têm a sua experiência, diz ele. "O mais fácil foi partir para o meu próprio negócio, prestando consultoria em conservação de energia ou em treinando novatos no setor, que possui uma carência muito grande de recursos humanos", relata. A ideia é prestar serviço para qualquer empresa, inclusive para a Eletrobras e, possivelmente, a companhias do segmento de energia que não lidam somente com o negócio de eletricidade, como a Petrobras. "Tem muita gente operando o sistema sem saber o que está fazendo", argumenta.
A Eletrobras, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que as "empresas do grupo estruturaram planos para o repasse do conhecimento e eles estão em andamento". A estatal informa que, após o PDI, mantém a proporção de profissionais envolvidos à sua atividade principal, de 55%, em comparação aos empregados de apoio, de 45%. A ideia é que a relação de trabalhadores focados na operação do sistema elétrico alcance 80% com o passar do tempo, com a redução gradativa do pessoal de apoio.
Em obras para a construção de Angra 3, Eletronuclear posterga demissões
O risco de perda de conhecimento levou a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras responsável pela operação das usinas nucleares brasileiras, a adiar a implantação do Plano de Demissão Incentivada (PDI). A companhia, que toca hoje a construção da terceira usina do complexo nuclear de Angra dos Reis, está avaliando o melhor momento para o início do programa. Ainda não há detalhes sobre cronograma e metas para a redução do quadro de pessoal da empresa, a única geradora do grupo que ainda não teve demissões.
"Dos 220 engenheiros da área técnica da companhia, 180 cumprem os requisitos para aderir ao programa", diz uma fonte da empresa. "Não podemos ter uma perda dessa magnitude nesse momento", completa. A companhia está concluindo as obras civis de Angra 3 e trabalha para conseguir destravar o processo de contratação das obras de montagem eletromecânica, atrasado devido a questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e a pedidos de impugnação por parte de consórcios que disputam a encomenda.
Com investimento de R$ 13 bilhões e previsão de início das operações em 2018, a usina de Angra 3 é o projeto mais importante da Eletronuclear desde a conclusão das obras da segunda usina do complexo, no início dos anos 2000. A nova usina tem potência de 1,4 mil megawatts (MW) e capacidade de geração suficiente para atender, juntas, as cidades de Brasília e Belo Horizonte.
A empresa teme que não haja tempo para transferência de conhecimento entre os engenheiros mais antigos e a nova geração, que ficará após a implantação do PDI. Depois da conclusão de Angra 3, a atuação da Eletronuclear ficará limitada à operação das usinas de Angra dos Reis, até que o governo decida pela ampliação do parque nuclear brasileiro. Já existem estudos apontando locais para novas usinas às margens do rio São Francisco, mas o processo foi desacelerado após o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, que provocou vazamento radioativo.
Fonte: Brasil Econômico
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