Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Roberto Frenkel diz que real precisa da desvalorização

Para um dos mais respeitados economistas da América Latina, o crescimento do país depende da moeda ser desvalorizada

Aos 70 anos, o argentino Roberto Frenkel é um dos mais respeitados economistas da América Latina. Diretor da pós-graduação em Mercado de Capitais da Universidade de Buenos Aires e do Cedes (Centro de Estudos do Estado e da Sociedade), sempre teve uma postura independente e se dedicou mais à vida acadêmica. Mas, pelo notório saber, assessorou o Ministério da Economia de seu país e prestou consultoria a governos de Colômbia, Uruguai, Bolívia e Venezuela.

Na semana passada, Frenkel esteve no Rio para participar de um seminário sobre a governança financeira, um dos temas de sua especialidade, e recebeu o Brasil Econômico. Na entrevista advertiu: "Com a moeda apreciada, a indústria brasileira continuará a enfrentar dificuldades para exportar e a sofrer com a concorrência dos importados".

Como o sr. vê a situação dos emergentes? Falava-se maravilhas dos Brics, agora se olha para esses países com uma visão bastante crítica. O que mudou?

Houve um vento a favor na década passada para uma parte desses países. Mas alguns países da América Central para o Norte nada têm a ver com isso. A melhora dos termos de troca que, para uns, foi vento a favor, para eles foi negativo. A América Central e o México estão ligados à economia norte-americana e também têm que tirar fora os países bálticos e a Turquia, que têm a ver com o desenvolvimento na zona europeia. O restante se beneficiou com melhores termos de troca - os preços de exportação são basicamente a causa do rápido crescimento de China e Índia - e taxas de juros muito baixas.

Depois da crise, os bancos centrais do mundo desenvolvido deixaram os juros muito baixos, principalmente nos EUA. Isso está mudando e tem que mudar. Já teve uma queda dos preços de exportação, particularmente metais e minérios, e uma queda mais leve nos alimentos. Houve uma reação de curto prazo porque os mercados financeiros tinham a expectativa de que o Federal Reserve (Fed) iria começar a endurecer a política monetária, o que não aconteceu.

Mas os mercados acusaram o golpe, de qualquer forma...

É verdade. Houve um aumento da taxa de juros e saída de capitais dos países antes favorecidos, que seriam prejudicados. Houve impacto de curto prazo, que vai se reverter em parte. E fica claro que isso vai acontecer. A retirada dos estímulos não ocorreu agora, pode ser em 2014. O que tem aí é mais incerteza do que outra coisa, porque o que se espera é o crescimento mais lento dos investimentos e isso fará com que os preços dos metais, por exemplo, não recuperem os níveis de 2006, 2007 ou 2008. Mas esse movimento foi muito especulativo: os capitais saíam do mercado financeiro e passavam para o mercado futuro de commodities.

Também havia uma demanda muito forte da China por essas commodities, não?

Agora a situação é outra. Espera-se que o investimento da China cresça menos. Mas não é certo que os preços dos alimentos vão continuar a cair. Se é verdade que o consumo interno vai se expandir mais rápido na China, isso fará com que os preços dos alimentos continuem demandados. No geral, há um princípio de ajuste nos países emergentes. Refiro-me à América do Sul, especificamente, porque é exportadora de produtos minerais e agrícolas, como os países do Pacífico, o Brasil e a Argentina.

Já é possível prever qual será o tamanho desse ajuste?

Trabalhei muito tempo no estudo das crises e concluí que não vai ter crise. Os países têm dívida externa muito baixa. Como tiveram superávit em conta corrente durante cinco, seis anos, isso reduziu significativamente a dívida externa em relação às exportações e ao PIB. Agora, há déficit de conta corrente em quase todos os países da região. Até 2008, eram todos superavitários, exceto a Colômbia, que nunca teve superávit de conta corrente. Na Argentina, já não é um problema de mercado, pois há controle de importações. Não sabemos como seria se deixassem o mercado operar com o câmbio. Do lado positivo, a dívida é muito baixa. O efeito é muito menor do que no final dos anos 90, porque o déficit em conta corrente atual é diferente e os juros são muito inferiores. Os juros da dívida são pagos cash através dos bancos internacionais. A componente principal é em pagamento de serviços das empresas estrangeiras, consequência do investimento externo que a região teve nos anos 2000 e antes. Isso dá mais flexibilidade no curto prazo. Se há problemas de liquidez internacional, há mais margem de manobra. Esse déficit em conta corrente tem sido financiado não com dívida, mas com investimento estrangeiro direto, o que não vai mudar.

Quando o Fed anunciou que em algum momento haverá a retirada dos estímulos à economia dos EUA, viu-se um impacto imediato no câmbio...

Quando os Estados Unidos adotaram o Quantitative Easing, o ministro Guido Mantega cunhou uma frase muito famosa ("Temos que evitar a guerra cambial"). Após dois anos falando em guerra cambial, não dá para se mostrar preocupado com saída de capital e desvalorização cambial. Ele deve se decidir: ou você se queixa da pressão vendedora no mercado cambial e diz que isso é um problema por causa da política monetária norte-americana; ou, quando essa política muda, afirma que há um problema. As duas coisas juntas são contraditórias.

O Brasil não deveria se preocupar tanto com o câmbio?

Nesse grupo dos países da América do Sul há uma grande apreciação cambial, o que foi reconhecido pela funcionária do Ministério do Planejamento nos debates do seminário. Ela disse que todos, e o Brasil também, temos muita apreciação cambial, somos muito caros em dólar, perdemos muito em competitividade. Em 2002 e 2003, os países da América do Sul tiveram o câmbio real mais alto desde os anos 90. Temos um câmbio sustentado no fluxo de capitais e no superávit de conta corrente, agora menor. É uma situação diferente, antes do anos 90 tínhamos regimes cambiais muito rígidos, o real tinha um câmbio quase fixado. A Argentina tinha a conversibilidade, a Colômbia tinha regras, o Peru estava com câmbio mais flexível desde 1992. Após a crise asiática de 1998, todos adotaram o câmbio flexível, com intervenção discricional dos bancos centrais. Todos os países fazem isso, as únicas exceções são os ingleses, a zona do euro e os EUA. O Japão intervém, a Suíça também. De alguma forma, os países fazem isso, mas têm um grau de liberdade que não existia e quase todos acumularam reservas.

O quadro mais confortável permite uma política mais flexível?

Sem dúvida, a situação externa é bastante robusta, não me lembro de outro período com essa robustez. Os países têm reservas suficientes para intervir. Particularmente, o Brasil conta com US$ 370 bilhões. É possível, porém, acomodar uma desvalorização. Na verdade, tem que fazer a desvalorização. Gera inflação, mas basta que o governo tome medidas para contê-la.

O BC do Brasil tem um calendário de leilões para manter esse câmbio. O senhor concorda com essa apreciação cambial?

Não concordo. Se Guido Mantega se queixava que, por causa da guerra cambial, o real estava se apreciando excessivamente, devia aproveitar que o mercado está jogando para o outro lado para desvalorizar a moeda. Era o que se estava pedindo.

Seria bom para as exportações?

Tem que fazer um ajuste do setor externo. Se vai ter menos entrada de capital, como vai financiar? Consumindo reservas? Vai continuar com baixa competitividade? Os países resistem e não é só o Brasil. Na Argentina, é caricatural, tem um mercado cambial reprimido, controlado. O paralelo tem uma diferença de 65% sobre o comercial. Claro que tem um problema, mas não faz sentido você se queixar da parte boa do problema anterior. Havia muito ingresso de capital e, agora, um choque externo negativo. Por enquanto, o Fed continua comprando US$ 85 bilhões ao mês. Mas os governos não querem desvalorizar porque o povo não gosta disso. Quem gosta de desvalorização? Desvalorizar é sempre má notícia. É boa para o crescimento, mas é má notícia no curto prazo.

A moeda forte sempre foi bem-vinda...

Todo mundo adora apreciação cambial. Os salários reais sobem, os preços dos comercializáveis caem em relação aos serviços e aos salários, os produtos industriais ficam mais baratos e há perda de competitividade. As pessoas têm mais poder aquisitivo para comprar bens industriais, a classe média viaja ao exterior, compra barato em Miami e em Paris e a inflação baixa. O principal mecanismo da queda de inflação no Brasil, no Chile e no Peru foi a apreciação cambial, isso está estudado econometricamente. O próprio Nelson Barbosa (ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda) fez um estudo que mostra que a principal explicação para a queda da inflação no Brasil foi a apreciação cambial.

Qual o benefício da desvalorização?

A economia vai crescer mais rápido e vai ter maior expansão do emprego e mais proteção às importações. No Brasil, isso é muito importante porque o país era um grande exportador de produtos industriais.

Qual é o efeito sobre o emprego?

Está comprovado em muitos países que o câmbio alto aumenta a relação emprego/PIB. O custo da mão de obra em dólar cai e a indústria tende a incorporar uma tecnologia mais intensiva em mão de obra.

Em sua opinião, então, para o Brasil ter uma taxa de crescimento maior, a desvalorização do real é necessária?

A taxa de crescimento baixa está muito ligada à questão cambial, à apreciação cambial. Se não existe demanda para a indústria é porque a demanda interna está canalizada para as importações, com produtos mais baratos e melhores. A indústria, nesse ambiente, não tem expectativa de crescimento do mercado e não vai investir.

Mas como fica a questão da inflação com a desvalorização?

Tem impacto na inflação, nos custos. Mas basta fazer política para enfrentar isso. Obviamente, não é uma boa notícia no curto prazo. O impacto do câmbio mais alto leva um tempo para acelerar o crescimento, enquanto o impacto inflacionário é imediato. Por isso os governos não gostam da desvalorização. Teria de fazer política fiscal, é mais complicado que a mera ortodoxia dos bancos centrais.

O Banco Central aumentou a taxa de juros para combater a inflação, mas os preços subiram por causa dos alimentos. Seria um erro do BC?

É importante saber de qual inflação se trata para fazer a política monetária. Tem que levar em conta os salários e a produtividade. Se o salário sobe mais do que a produtividade, temos inflação. E isso não está expresso aqui no Brasil. Nos países da Europa, sim. Lá, como o salário sobe acima da produtividade, provoca inflação do euro. É preciso adotar política fiscal, o que é complicado porque há muita alocação orçamentária fixa. O grau de liberdade federal é reduzido, mas isso não quer dizer que não se possa fazer. A mudança internacional vai acontecer e os países terão de se acomodar a ela. A Argentina tem 25% de inflação agora e terá de desvalorizar significativamente o peso. O Brasil parte de 6% de inflação, não é o Chile, que, com menos de 2%, tem um ponto de partida muito bom para desvalorização. Inflação de 6% é mais alta, mas também não são os 25% da inflação argentina. O Brasil pode usar suas reservas, pode se endividar no exterior, mas não é recomendável crescer pouco com endividamento externo.

O governo está apostando muito no projeto de concessões de infraestrutura. Esse investimento pode ser uma alavanca do crescimento além do câmbio? Aplica-se, no caso, a visão keynesiana?

Acontece que keynesianismo nos trópicos ou nos pampas não é keynesianismo num país com emissão de moeda própria. Nos EUA é uma coisa, aqui é diferente. Quando o pessoal fica desconfiado da situação do sistema financeiro, o que faz? Compra títulos do sistema financeiro, como nos EUA, ou compra dólar? Compra dólar. Isso é completamente diferente, esse tema faz com que as economias do ponto de vista macroeconômico sejam muito diferentes. Nos EUA, quando o setor público gasta, não piora a situação do endividamento do setor privado. Aqui, sim, porque tem que colocar a dívida no mercado doméstico. Mais dívida pública faz subir a taxa de juros e tem o efeito de reduzir o investimento privado.

Mas é oportuno um grande plano de investimentos agora?

Seria bom que fosse acompanhado da desvalorização, mas aí teremos um problema: o aumento do gasto público quando se precisa controlar o gasto para impedir a aceleração da inflação. São decisões que o governo tem que tomar. Investimento em infraestrutura é uma política de longo prazo, leva anos e tem que ter continuidade. Não se faz uma represa ou se explora o pré-sal porque é preciso aumentar os gastos este ano. Não tem muito a ver com política macroeconômica de curto prazo. Com isso, deve-se ter outras políticas mais contracionistas em outras áreas. Gastar é popular, seja em investimentos, seja em subsídios. Mas contrair o gasto para compensar o efeito inflacionário da desvalorização não é popular.

Os governos estão tentando adiar e não dar más notícias. Usa reservas, no caso brasileiro, e espera que Deus ajude, no caso argentino. Os países que mais cresceram são aqueles que adotaram câmbio competitivo, não conheço experiência de país que se desenvolveu com câmbio apreciado. A discussão poderia ser se o câmbio depreciado é suficiente, mas não se é necessário. Às vezes, o câmbio está apreciado e não tem como combater. Pode subsidiar com o BNDES, mas nada compensa um câmbio tão apreciado. Não se pode subsidiar a indústria o tempo todo, não há dinheiro.

Mesmo com a desvalorização, tudo indica que a China continuará uma ameaça à indústria nacional.

Mas a China está fazendo uma mudança que é conveniente para nossos países, está se voltando mais para o mercado interno e vai elevar o salário real. Portanto, nossas condições de competitividade estão melhorando. Argentina e Brasil não têm problema só com a China, também têm com o México. Não conseguimos sequer manter as importações de carro do México, nem competir com outros países da região. E o México não está superdesvalorizado, mas o Brasil, sim. A Argentina conseguia manter a competitividade porque o Brasil e o Chile estavam com a moeda apreciada. Mas o câmbio nominal caiu, sob a responsabilidade do BC, num contexto de inflação acelerando. Tentar desvalorizar era complicado, então decidiram ancorar a inflação. Na Argentina, em 2010 e em 2011, os preços subiram 54% em dois anos, os salários mais de 60% e o câmbio, 12%. E depois desses dois anos, 54% votaram na Cristina Kirchner para presidente de novo. Todo mundo adora populismo cambial!

Agora, será mais difícil manter essa política por causa da tendência de os investimentos irem para EUA, Europa e o Japão?

Mas não estávamos pedindo isso? O ministro não dizia que o Quantitative Easing prejudicava o real? Seria bom para a gente se os EUA se recuperassem, porque vai incrementar a demanda externa de importações. Se você tem grande parte do mercado mundial, como os EUA e a Europa, estancado ou crescendo muito pouco, as possibilidades de exportação são muito limitadas. E a possibilidade de defender o mercado interno também, porque eles vão vender a preços de liquidação aqui. As empresas europeias vão tentar exportar o máximo possível, por não ter demanda doméstica. É isso que os alemães estão fazendo agora.

Mas o investimento direto nos emergentes pode cair?

Temos muitas empresas estrangeiras e, se a economia cresce, esses lucros são reinvestidos na própria expansão das empresas. Se a economia está crescendo, parte desses lucros é reinvestida localmente. Essa empresa que teve lucros decidiu fazer uma nova planta, mas não houve movimentos pelo mercado cambial, só o registro contábil. Boa parte da entrada de capitais é em reinvestimento de lucros. Isso é bom, é uma situação externa menos frágil que antes.

Muitos criticam a ênfase que o Brasil dá ao Mercosul... O Mercosul atrapalha o Cone Sul?

Eu sou argentino, tenho que defender a Argentina. O Mercosul nunca foi o eixo da política econômica nem no Brasil, nem na Argentina. Ninguém tomou seriamente o cuidado de fazer a política macroeconômica que pressupõe um acordo de integração. Por exemplo, no começo da década de 2000, os dois países tinham câmbio real alto, com crescimento em aceleração. Não seria o momento de coordenar a política cambial? Uma política de integração industrial, energética, econômica? Tudo que se fala, não se faz. Naquele momento, fiz a proposta de não comprometer câmbios nominais, mas pelo menos acordar que os dois países se comprometessem a manter o câmbio real. O que importa em termos de comércio entre os dois países é o câmbio real, não o nominal.

O sr. acha que o Brasil perdeu excelente oportunidade de fortalecer a economia, como disse a revista "The Economist"?

Não foi só o Brasil, foi a região toda. A coisa é mais discutível na área do Pacífico. A economia chillena, por exemplo, se concentrou na exportação de cobre. O preço caiu e acabou com a indústria. O Chile fez substituição de importações de manufaturados, com câmbio alto, nos anos 80, e acabou com tudo isso. Agora, vai ter que ajustar, mas não tem indústria para reagir. Pelo menos, eles têm inflação muito baixa e cresceram rápido. No Brasil e na Argentina, tivemos um boom com uma renda extraordinária. E distribuímos essa renda no consumo - não na produção, nem em infraestrutura.

Mas agora a prioridade é exatamente para a infraestrutura.

É. E temos uma vantagem. Pelo menos, não geramos dívida externa como no passado, é mais fácil de ajustar. Na verdade, Brasil e Argentina são parecidos, embora muito diferentes na forma. A situação da inflação no Brasil é mais favorável, mas, por outro lado, tem mais dívida pública interna que a Argentina. Pelo lado da fragilidade financeira, é um exagero falar de possibilidade de crise. O FMI errou profundamente na previsão da crise financeira dos EUA. O Fundo tinha economistas que alertavam, mas não fez nada. E agora está obsessivo com a crise financeira. Olha para nossa região e diz: "Cuidado, crise financeira!". Aqui, as crises sempre tiveram ligação com crises externas. E o boom de crédito tem a ver com financiamento de capitais e financiamento dos bancos. E os bancos centrais adotaram regulação prudencial e os sistemas financeiros aqui estão mais robustos. E o país tem US$ 370 bilhões de reservas. Não vejo risco de crise.

Fonte: Brasil Econômico

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