Não se tem certeza ainda se o feriado do Dia da Independência americana, na quinta-feira, fará bem ou mal aos mercados globais.
Os festejos do 4 de Julho irão interromper a maratona de pronunciamentos de presidentes regionais do Federal Reserve (Fed), a maioria dos quais direcionados a acalmar os investidores. Mas, por cacoete de origem, os mercados costumam dar mais ouvidos às advertências dos falcões do que aos apelos ao comedimento dos pombas.
Se o feriado impedirá a atuação dos bombeiros, pelo menos tem o mérito de emudecer o principal incendiário das expectativas.
Notório falcão, Jeffrey Lacker, da regional de Richmond, embora este ano não integre o quórum de votantes do Comitê Federal de Mercado Aberto , é um crítico contumaz da política monetária acomodatícia ora vigente.
Na semana passada, fez dois discursos. O primeiro, de aparente alinhamento à fala dos moderados, surpreendeu e acelerou a queda dos juros dos títulos de 10 anos do Tesouro para perto de 2,40%, ante patamares anteriores que roçavam os 2,60%.
O mercado raciocinou que se até Lacker estava conformado com o prolongamento dos estímulos à liquidez era mesmo porque o Fomc vai demorar para reduzi-los. Isso foi na quarta-feira.
Na sexta, talvez arrependido da derrubada de juro que havia ocasionado, Lacker vestiu de novo a máscara de predador. E pode ter-se exorbitado de novo, no sentido oposto. Os yields dos T-Notes de 10 anos, que estavam então sossegados em 2,38%, saltaram a 2,54%.
Entre outras coisas, Lacker disse na sexta-feira: a política monetária continua acomodatícia e a diminuição no ritmo de compras de ativos apenas reduz a taxa de crescimento do balanço do Fed; a relação custo-benefício de estímulos adicionais não parece ser promissora; além de cultivar sérias dúvidas sobre os efeitos positivos dos incentivos ao crescimento, considera que os afrouxamentos aumentam o tamanho do balanço do Fed e, consequentemente, amplificam os riscos associados para o processo de normalização da política monetária. "E esta seria a razão para ele não apoiar o atual programa de compras de ativos", observa o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
O falcão de Richmond garantiu ainda não estar surpreso com a recente volatilidade do mercado. E colocou mais lenha na fogueira: à medida que os players forem incorporando novas informações e leituras sobre os próximos passos do Fed "mais volatilidade é esperada". Não está preocupado com isso porque tal volatilidade não deve afetar o crescimento moderado experimentado hoje pela economia dos EUA. Faltou dizer: o resto do mundo que se vire.
O discurso não foi chocante em si. A perplexidade nasceu do fragrante contraste com o pronunciamento feito dois dias antes. Neste, até usou a linguagem mais compreensível ao mercado para sossegar as expectativas. Disse que a política monetária está condicionada a uma "redução no ritmo de crescimento do balanço do Fed e não a uma redução no tamanho do balanço do Fed". E o Fed não está nem próximo de reduzir o seu balanço. O que isso quer dizer?
O balanço patrimonial do Fed é quem define o nível de liquidez que está disposto a prover. Antes da crise de 2008, o ativo e o passivo se igualavam em US$ 800 bilhões. Para evitar o colapso do sistema bancário, ele começou a comprar papéis podres presentes nas carteiras dos bancos, aumentando seus ativos em troca da emissão de dinheiro.
Em cinco anos, o seu balanço cresceu de US$ 800 bilhões para US$ 3,5 trilhões, dos quais US$ 3,2 trilhões em títulos comprados junto ao mercado. "Existe uma diferença entre reduzir o ritmo em que as compras são feitas (nesse caso, o balanço continua crescendo) e reduzir o tamanho do balanço por meio das vendas de títulos. Vender títulos significa derrubar seus preços e elevar as taxas de juros", explica Gonçalves.
A disparada das taxas dos treasuries ocorreu por medo de mudanças no programa, quaisquer que fossem. Em qualquer hipótese - seja pela desaceleração do ritmo de compras (o balanço cresce, porém mais devagar), seja pelo encerramento das compras (o balanço para de crescer), seja pela venda de títulos (o balanço encolhe) - o Fed irá afetar a taxa de juros, mesmo sem mexer na taxa básica, a fed funds.
Até parecia que Lacker estava "comprado" nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. Involuntariamente, seu ato de contrição dos pecados monetários cometidos na quarta-feira ajudou a aumentar os lucros de fundos de investimentos nacionais e investidores estrangeiros, os maiores "comprados", justamente no dia do vencimento dos contratos futuros de dólar.
Eles nem precisariam da mãozinha do presidente do Fed de Richmond. Mesmo antes da sua fala, o dólar já amanheceu com forte alta. E depois que o mercado de treasuries virou por causa de Lacker, a moeda esbarrou em R$ 2,23, vinda de R$ 2,1970 no fechamento anterior. O salto deu trabalho ao Banco Central. Mesmo sendo dia de vencimento de contrato futuro, atuou duas vezes para corrigir distorções.Fez dois leilões de venda de contratos de swaps tradicionais. Colocou 80 mil títulos no valor de US$ 4 bilhões.
Essa oferta de hedge fez o dólar recuar da máxima, mas apenas temporariamente. Fechou em alta de 1,64%, a R$ 2,2320. Em junho acumulou valorização de 4,15% e, no ano, de 9,25%.
A Lacker se juntou na sexta-feira a um membro do Fomc com direito a voto. Jeremy Stein, integrante do board, sugeriu até um mês para o início da remoção dos estímulos: setembro. Com os membros do Fed silenciados pelo feriadão de 4 de Julho, os mercados terão de confiar na sua própria interpretação dos indicadores que serão divulgados ao longo da semana.
O mais relevante sai só na sexta-feira. Trata-se do relatório sobre o mercado de trabalho. A taxa de desemprego dos EUA, em maio de 7,6%, é o principal gatilho que acionará o mecanismo de redução das compras de títulos pelo Fed. Quando a taxa cair a 7%, o Fed agirá, já prometeu Ben Bernanke.
No Brasil, o indicador mais importante também será divulgado na sexta-feira. O IBGE divulga o IPCA de junho. Qualquer variação acima da alta de 0,08% verificada em junho de 2012 irá fazer com que no acumulado de 12 meses o IPCA estoure de novo o teto de 6,5% da banda de inflação. E o mercado prevê no Focus índice de 0,32%.
Se o Focus acertar, a inflação em doze meses sobe de 6,5% em maio para 6,76% em junho. O fato é velho, mesmo assim crescerá o coro por mais providências contra a inflação, sobretudo da área fiscal, já que o BC traçou uma rota ao aperto monetário (mais três altas de 0,50 ponto na taxa Selic) que só mudará se o dólar entrar de novo em uma histeria de alta.
E o superávit fiscal do ano já está dado: dificilmente a Fazenda conseguirá cumprir, sem ilusionismo contábil, a meta de 2,3% do PIB. Deve encerrar o ano entre 1,8% e 1,9% do PIB. Não será o IPCA de junho que fornecerá ao mercado futuro de juros justificativa para novas esticadas.
Os treasuries e as aves de rapina do Fed já são manancial suficiente. Na sexta-feira, o juro para a virada do ano subiu de 8,87% para 8,93%. A taxa para janeiro de 2017 avançou de 10,77% para 11,02%.
Fonte: Brasil Econômico
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