O crescimento nulo do setor de serviços no terceiro trimestre foi o dado que mais chamou a atenção dos técnicos na divulgação do PIB trimestral pelo IBGE. Afinal, tal segmento representa algo como 67% do PIB brasileiro. Na realidade, o comportamento do referido setor estava obscurecido pelo fato de tanto governo como analistas estarem focados nos sérios problemas enfrentados pela indústria. O simples exame das taxas de crescimento acumuladas em quatro trimestres mostra a desaceleração dos serviços. A taxa média do crescimento acumulado em quatro trimestres foi de 4,5% entre o terceiro trimestre de 2004 e o mesmo período de 2010. Já entre o terceiro trimestre de 2010 e igual período de 2012, o ritmo de expansão recuou para 2,4%.
Como a perda de dinamismo do setor de serviços ocorreu de maneira concomitante à desaceleração do PIB, é legítimo supor que estejamos diante de um fenômeno cíclico. Uma possibilidade seria a de que os serviços teriam sido “contaminados” pelo mau desempenho da indústria, que também experimentou desaceleração a partir do segundo semestre de 2011.
Embora, aparentemente, haja coincidência temporal entre o desempenho da indústria e dos serviços, testes econométricos sugerem não haver relação de causalidade entre as duas séries. Em outras palavras, não parece possível estabelecer alguma precedência entre a performance do setor manufatureiro e o de prestação de serviços, excetuando-se os casos de alguns subsegmentos, nos quais se nota uma certa precessão entre o varejo e a indústria.
Quando se analisa em mais detalhe a desaceleração dos serviços entre os períodos 2004/2010 e 2010/2012, percebe-se que, em ordem de importância, as maiores contribuições para a queda dos 2,1 pontos percentuais seriam: intermediação financeira e seguro (responsável por 36% do recuo), outros serviços (28%), comércio (19%) e serviços imobiliários e aluguel (14%). Fica claro também que a perda de ritmo não está ligada aos serviços providos pelo Estado: o segmento administração, educação e saúde públicas contribuiu, na verdade, para reduzir em apenas 0,04 ponto percentual a diferença entre o crescimento de 2004/2010 e o de 2010/2012.
Para melhor compreender as causas da perda de dinamismo do setor de serviços, é útil procurar constatar quanto do crescimento desde 2004 deveu-se à incorporação de mão de obra, e quanto pode ser debitado a comportamento da produtividade. Para tanto, é possível calcular uma série da população ocupada (PO) para os serviços como um todo e alguns dos seus subsetores, cruzando a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A partir desse passo, caberia fazer a decomposição da taxa de crescimento acumulada em quatro trimestres em dois componentes: crescimento da PO e aumento da produtividade do trabalho (PT).
O resultado indica que, no período 2004/2010 (quatro trimestres acumulados até o terceiro trimestre de cada ano), 73% do crescimento médio de 4,5% veio do aumento da população ocupada. A elevação da produtividade respondeu pelos restantes 27%. Já no período de referência 2010/2012, 68% do crescimento médio de 2,4% podem ser atribuídos à incorporação de mão de obra, cabendo à produtividade explicar os demais 32%. É importante notar, porém, que, em termos absolutos, a contribuição da produtividade para o crescimento sofre redução de um terço entre os dois períodos: de 1,2 ponto percentual em 2004/2010 para 0,8 em 2010/2012.
Quando se analisam os principais segmentos do setor de serviços, verifica-se que os aumentos da população ocupada e da produtividade foram aproximadamente equilibrados no comércio em ambos os períodos. No caso da intermediação financeira, a população ocupada cresce fortemente tanto em 2004/2010 quanto em 2010/2012 (respectivamente, 4,1% e 8,6% ao ano), mas a produtividade, depois de aumentar 2% ao ano no primeiro período, retrai-se a uma taxa anual de 6,2% no segundo.
O segmento administração, saúde e educação públicas tem um crescimento anual da população ocupada de 2,7% em 2004/2010, e de 2,5% em 2010/2012. A produtividade fica praticamente estagnada nos dois períodos. O item outros serviços, finalmente, experimenta crescimento expressivo da população ocupada e modesto ganho de produtividade no primeiro período, resultado que se inverte em 2010/2012.
Mas, possivelmente, o detalhe mais significativo da decomposição do crescimento do setor de serviços é a queda quase pela metade da contribuição do aumento da população ocupada: de 3,3 pontos percentuais no primeiro período para 1,7 no segundo. Tal constatação nos remete à questão dos limites do crescimento potencial brasileiro, determinados pelo mercado de trabalho.
É verdade que, em alguma medida, a desaceleração da economia desde o quarto trimestre de 2010 teve a ver com redução de demanda. Essa perda de dinamismo pode ser percebida na contínua queda da demanda externa, na forte retração dos investimentos (que recuam por cinco trimestres consecutivos e, provavelmente, cairão novamente no quarto trimestre de 2012) e em alguma desaceleração na demanda por consumo — embora, neste último caso, já se note certa recuperação.
A contração da demanda, entretanto, não parece explicar toda a desaceleração da economia e dos serviços, o seu maior setor. Ainda que se tenha observado certa moderação do comportamento da inflação de serviços, esta ainda se encontra em patamar elevado, e deverá terminar o ano em 8,2%. Por ora, o processo de desinflação dos preços de serviços parece encerrado.
Adicionalmente, todos os sinais do mercado de trabalho indicam situação de grande aperto. A taxa de desemprego está muito baixa, atingindo níveis mínimos históricos, e a taxa de participação (proporção da população economicamente ativa empregada ou procurando ocupação) está consideravelmente elevada. Além disso, a renda real ainda cresce a taxas bastante expressivas.
Há sinais, portanto, de que a desaceleração do setor de serviços pode não ser apenas um problema conjuntural, mas ter também um caráter estrutural, associado com a oferta de trabalho. É bom lembrar que os serviços têm como característica serem altamente intensivos em mão de obra, particularmente no Brasil, onde a produtividade é baixa em parte significativa do setor.
Como é notório, a taxa de desemprego no Brasil tem caído nos últimos anos, situando-se hoje ligeiramente abaixo de 5,5%. Ao longo dessa trajetória de queda, o crescimento da população ocupada contribuiu para incrementar a oferta de mão de obra e, portanto, o crescimento do PIB do setor de serviços.
Esse processo, porém, tem prazo para expirar. A contribuição do crescimento da taxa de emprego para o setor de serviços vai se extinguir em breve. Em média, o ritmo de crescimento da oferta da mão de obra tenderá a corresponder à taxa de crescimento da população em idade ativa. Esta já está em 1,3%, e com tendência de queda. Isso significa que a oferta de trabalho, que já chegou a crescer perto de 4% ao ano em meados da década passada, tenderá a ter uma expansão muito menor, de pouco mais de 1%.
Por certo, tal constatação constitui má notícia para o PIB potencial do Brasil. O fenômeno será especialmente sentido no setor de serviços, pois é o mais intensivo em mão de obra e responsável por 67% da economia. Assim, o crescimento potencial do PIB dependerá inexoravelmente do aumento da produtividade, especialmente no segmento aqui destacado. Por conseguinte, uma agenda de pesquisa premente não pode deixar de incluir cuidadoso exame do processo de perda de produtividade observado entre os períodos 2004/2010 e 2010/2012. Entendidas as razões, caberia buscar caminhos para aumentá-la.
Fonte: IBRE/FGV
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