A agenda da relação Brasil-Estados Unidos no segundo mandato de Barack Obama deve ser menos política e mais pragmática, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, para quem o foco dessa agenda seriam temas econômicos, como comércio e investimentos.
Isso não quer dizer que haveria uma grande estratégia bilateral nessa área. Mas há, por um lado, alguns contenciosos que devem ser enfrentados. Por outro, negociações que podem ajudar a promover investimentos ou facilitar o fluxo de turistas e empresários entre os dois países - para mencionar alguns exemplos.
"Há alguns anos, a maior aspiração do Brasil era conseguir o apoio dos Estados Unidos para sua entrada no Conselho de Segurança da ONU e o país era assertivo nessa busca. Os Estados Unidos, por sua vez, também pareciam preocupados em tentar evitar que o Brasil usasse os BRICs para minar sua influência em fóruns internacionais", diz Diego Bonomo, diretor para políticas públicas da seção americana do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos, ligado à Câmara de Comércio americana.
"Com Dilma e Obama no poder, essa pauta política parece ter perdido importância relativa e há cada vez mais esforços para se avançar em temas como comércio e investimentos. Até porque, com a crise global, a economia se tornou-se um tema essencial para os dois governos."
É claro que também há tensões na área econômica, como as mútuas acusações sobre a adoção de práticas protecionistas ilegais.
"Mas nos últimos anos houve uma normalização das relações dos Estados Unidos com o Brasil e também o resto da América Latina. Grandes temas políticos perderam espaço para uma ação mais pragmática – tendência que deve se consolidar no segundo mandato de Obama", diz Luis Fernando Ayerbe, Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp.
Relações comerciais
Apesar de os americanos terem perdido para os chineses o posto de principal parceiro comercial do Brasil, o comércio bilateral cresceu 120% na última década, chegando a US$ 60 bilhões em 2012. Os Estados Unidos também lideram a lista dos estoques de investimentos no Brasil, com US$ 104,7 bilhões, segundo o Banco Central. E recentemente teria havido uma diversificação dos investimentos da indústria para serviços e agricultura de acordo com Bonomo.
"É possível que temas políticos voltem a ganhar relevância. Por exemplo, no caso de uma crise grave na Venezuela levar o Brasil e os Estados Unidos a adotarem posturas opostas, ou de Brasília tomar uma posição que incomode muito Washington em temas envolvendo a Síria ou o Irã", opina Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue.
Já Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil da King's College London, acredita que, ao menos no que diz respeito a América Latina, a postura mais pragmática e "multilateral" de Obama pode ter ajudado a esvaziar com rapidez contenciosos políticos no primeiro mandato – e nada leva a crer que isso mudará nos próximos anos.
"Pode-se dizer que Obama teve um primeiro mandato bem razoável pelo que não fez na América Latina: ao não adotar uma postura intervencionista, ele evitou a escalada de temas que geram dissidência na região e opõem os Estados Unidos ao Brasil", diz Pereira.
Com a ajuda desses quatro especialistas, a BBC Brasil elaborou uma lista de cinco temas que devem marcar a agenda bilateral Estados Unidos-Brasil – seja porque há perspectivas de avanços na cooperação, seja pela presença de desafios a serem enfrentados.
Confira a lista abaixo:
1) Contencioso do algodão:
Trata-se de uma disputa pendente entre o Brasil e os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio. O Brasil ganhou o direito de retaliar os americanos em quase US$ 830 milhões por subsídios fornecidos por seu governo a produtores de algodão.
Em 2010, foi feito um acordo temporário que incluiu o pagamento pelos Estados Unidos de US$ 147 milhões a um fundo de apoio a produtores brasileiros. A expectativa era que a nova Lei Agrícola americana fosse aprovada no Congresso em 2012, corrigindo os subsídios.
Como isso ainda não ocorreu, esse é um dos temas que o Brasil deve acompanhar de perto nesse início do segundo mandato de Obama.
O governo brasileiro tem discutido a possibilidade de retaliação. Poderia, por exemplo, sobretaxar mais de cem produtos americanos ou suspender patentes farmacêuticas e direitos autorais. Mas as relações ficariam desgastadas.
"Vale ressaltar, porém, que esse é o único contencioso ainda aberto com o Brasil. Com a China, por exemplo, desde 2008, os Estados Unidos abriram 16 disputas comerciais.", diz Bonomo.
2) Cooperação educacional:
Com um problema crescente de falta de mão de obra especializada e níveis de investimento em pesquisa e desenvolvimento decepcionantes, o Brasil tem interesse em fazer da cooperação nas áreas de educação e pesquisa uma das prioridades nas relações com os Estados Unidos.
Hoje, 800 brasileiros estudam nos Estados Unidos como parte do programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal, que concede bolsa a esses alunos. E promover o programa foi um dos objetivos da presidente Dilma Rousseff em sua visita aos Estados Unidos no ano passado.
A ideia é que nos próximos anos 20 mil brasileiros passem pelas universidades do país financiados pelo Ciências sem Fronteira. E esquemas de cooperação devem permitir que alguns estudantes trabalhem em empresas e laboratórios de pesquisa americanos.
Além disso em maio de 2011, Obama anunciou um programa similar no qual pretende enviar 100 mil alunos americanos para estudar nos países latino-americanos.
3) Vistos para turismo e negócios:
Animados com o aumento dos gastos de turistas brasileiros em cidades americanas, os Estados Unidos concordaram com a criação de um grupo de trabalho que deve analisar o fim da necessidade de visto para brasileiros que vão ao país a turismo ou negócios. Seguindo o princípio da reciprocidade, o Brasil faria o mesmo, eliminando os vistos para americanos.
As exigências americanas são muitas – o Brasil tem, por exemplo, de criar um sistema para reportar de forma eficiente o extravio de passaportes e reforçar a segurança nas fronteiras.
Mas nos últimos dois anos, já foram feitas reformas para ao menos facilitar a concessão do visto, reduzindo o tamanho das filas e o tempo necessário para completar o processo.
Os Estados Unidos também anunciaram a criação de dois consulados, em Belo Horizonte e em Porto Alegre – e mais melhorias podem ser anunciadas nessa área.
Para os americanos, seria de grande interesse uma simplificação do processo de visto de trabalho para estrangeiros – uma necessidade das empresas dos Estados Unidos que atuam no Brasil.
4) Mercado de etanol
O projeto para o desenvolvimento de um mercado global de etanol, lançado ainda no governo George W. Bush, perdeu algum lustre diante da descoberta do pré-sal brasileiro e dos planos para a exploração das reservas de gás de xisto nos Estados Unidos, como explicam Pereira e Ayerbe.
Mas essa ainda é uma área de grande potencial para a cooperação bilateral no segundo mandato de Obama. Até porque o mercado dos Estados Unidos também caminha para a mistura de etanol à gasolina.
Os Estados Unidos derrubaram as barreiras para a entrada de etanol estrangeiro no país em 2011 – uma antiga demanda do Brasil. Nos últimos dois anos, porém, foi o Brasil quem teve de importar etanol americano em função da queda da produção no país (nos últimos anos, fatores como os baixos preços da gasolina funcionaram como um desestímulo a produtores).
Além das trocas comerciais, há projetos de cooperação na área de pesquisa sobre biocombustíveis, para o desenvolvimento de centros de produção em outros países e para a normatização dos padrões técnicos do etanol dos Estados Unidos e do Brasil.
5) Acordo para evitar a dupla tributação:
Empresas que operam nos Estados Unidos e no Brasil têm de pagar imposto nos dois países e empresários pedem um acordo para evitar essa bitributação, facilitando a remessa de lucros e royalties.
Os Estados Unidos condicionaram a negociação a aprovação de um acordo sobre troca de informações tributárias. Esse acordo foi assinado em 2007, mas ainda não foi aprovado pelo Congresso brasileiro, onde alguns parlamentares argumentam que ele feriria o dispositivo que garante o sigilo bancário no Brasil.
Neste ano, porém, entra em vigor nos Estados Unidos uma lei exigindo que todo o banco que atua no país deve enviar para a Receita informações sobre investimentos e recursos mantidos por cidadãos americanos no exterior.
Na prática, os Estados Unidos vão impor a troca de informações tributárias – ainda que em uma única via - o que poderia ajudar a destravar as negociações do acordo sobre bitributação, segundo Bonomo.
Fonte: BBC Brasil
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