Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Cidade da China vai restringir carros novos


É tão surpreendente como se Detroit ou Los Angeles decidissem restringir a propriedade de carros.

O governo municipal de Guangzhou, uma grande metrópole que é um dos centros da produção automobilística chinesa, introduziu mecanismos de leilão e sorteio de placas de licença na semana passada, com o objetivo de reduzir à metade o número de carros novos nas ruas.

As medidas restritivas da terceira maior cidade chinesa são as mais severas entre as ações tomadas pelas grandes cidades da China que vêm priorizando as questões de qualidade de vida ante o crescimento econômico em curto prazo, algo que o governo central enfrenta dificuldades para realizar em escala nacional.

As medidas têm o potencial de ajudar a limpar a água e ar notoriamente sujos da China, reduzir os custos de saúde e melhorar a qualidade do crescimento chinês em longo prazo.

Mas também impõem custos de curto prazo, dizem os economistas, em um momento no qual as autoridades de Pequim e de todo o mundo já estão preocupadas com a acentuada desaceleração econômica da China.

"É claro que, do ponto de vista do governo, estamos abrindo mão de certo crescimento, mas conseguir saúde melhor para todos os cidadãos certamente vale o preço", disse Chen Haotian, vice-diretor da principal agência de planejamento de Guangzhou.

Nanjing e Hangzhou, no centro-leste da China, estão adotando medidas para exigir gasolina e diesel menos poluentes. Cidades próximas da costa, como Dongguan e Shenzhen, no sudeste, Wuxi e Suzhou, no centro, e Pequim, no norte da China, estão forçando fábricas poluentes a fechar as portas. E Xi'an e Urumqi, no noroeste, estão proibindo a circulação e recolhendo compulsoriamente os carros construídos antes de 2005, quando as regras quanto a emissões de poluentes automobilísticos eram menos severas.

"Existe um reconhecimento de que o crescimento a qualquer custo por fim se tornou insustentável", diz Bem Simpfendorfer, diretor executivo da Silk Road Associates, uma consultoria de Hong Kong.

Diante da pressão do público pelo combate à poluição e congestionamentos de trânsito, governos municipais de toda a China têm enviado delegações a Guangzhou. Mas o governo nacional em Pequim pressiona contra novas restrições a automóveis, porque se preocupa com a saúde do grande setor automobilístico, disse An Feng, assessor sênior das autoridades centrais de transporte, em Pequim.

"Isso realmente se tornou uma batalha", disse An.

O governo municipal de Pequim começou a limitar a concessão de novas placas de licença no final do ano passado, quando a economia corria risco de superaquecimento, mas Guangzhou foi a primeira cidade a agir em meio à atual desaceleração. Por conta da insatisfação do público com relação ao tráfego, Guangzhou também criou um extenso sistema de metrô nos últimos anos, além de diversos parques e um renomado teatro de ópera.

As iniciativas do governo local não são a principal causa das dificuldades econômicas da China. O governo restringiu o crédito um ano atrás, como parte de um esforço bem sucedido de contenção da inflação, mas isso privou muitas das pequenas e médias empresas do país de crédito.

Outros problemas econômicos, mais amplos, vêm se acumulando há anos. Entre eles estão o excesso de capacidade da indústria e os monopólios exercidos por muitas empresas estatais, além da alocação ineficiente de empréstimos.

Mas, por enquanto, o peso crescente da regulamentação dos negócios vem servindo para reforçar a tendência a um crescimento mais lento, dizem os economistas.

"É por isso que acho que a desaceleração deve ser uma tendência, em lugar de apenas um ciclo de curto prazo", diz Xiao Geng, diretor de pesquisa do Fung Global Institute, em Hong Kong.

As fábricas poluidoras forçadas a fechar as portas nas cidades cada vez mais afluentes do sudeste da China não têm conseguido licença para transferir suas atividades a cidades mais pobres no oeste e norte do país a menos que instalem dispendiosos equipamentos de controle de emissões, disse Stanley Lau, vice-presidente da Federação das Indústrias de Hong Kong, organização setorial que representa industriais responsáveis por 10 milhões de empregos na China continental.

"Não existe sinal de que esses custos se reduzirão com a desaceleração no mercado", disse.

Alguns executivos na China se queixam dos crescentes custos de regulamentação, especialmente porque as novas regras locais coincidem com um momento de alta de salários. Os críticos das medidas nos círculos empresarias afirmam que um ciclo de desaceleração pode não ser o momento certo para que a China abandone a corrida desenfreada pela prosperidade em que se engajou nas três últimas décadas.

Mas embora as medidas locais possam limitar o crescimento em curto prazo, são parte de uma transição mais ampla. A China não é mais apenas uma economia em desenvolvimento que pratica uma forma especialmente crua de capitalismo, embora se mantendo comunista em aparência. O país está se tornando uma moderna economia industrializada cujos líderes cada vez mais ouvem a opinião pública e buscam balancear o meio ambiente, o bem-estar social e muitas outras questões, em sua busca de crescimento econômico.

A questão é determinar que grau de sofrimento será imposto à China em curto prazo, na forma de crescimento mais lento e custos mais altos, a fim de criar uma economia mais balanceada e sustentável.

Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais, um grupo ambiental em Pequim, disse que as autoridades locais desenvolveram mais interesse pelas questões ambientais a partir do ano passado, depois de grandes manifestações de rua contra fábricas poluentes em cidades como Dalian, Shifang e Qidong. Em cada um dos casos, as autoridades locais concordaram em suspender a construção de fábricas ou fechá-las, depois de se tornarem objeto de ridículo local e nacional.

Bernadette Brennan, advogada sênior no escritório do Conselho de Defesa dos Direitos Naturais em Pequim, disse que depois de três décadas de experiência na China, no ano passado começou a ver verdadeira mudança. Em lugar de resistir à pressão por medidas de combate à poluição, afirma, as autoridades municipais começaram a solicitar conselhos de sua organização sobre como melhorar.

Medir os benefícios ambientais das políticas alteradas é difícil.

Uma série de tufões dificulta as comparações sobre a qualidade do ar na China este ano ante anos anteriores, disse Alexis Lau, diretor do centro de pesquisa atmosférica da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Em Guangzhou, as emissões de ampla gama de poluentes chegaram a um pico em 2007 e 2008 e recuaram em 2009 e 2010 devido a uma queda no crescimento econômico. As emissões começaram a subir de novo em 2011, com o retorno do crescimento, mas não retornaram aos níveis de 2008.

A poluição por unidade de PIB (Produto Interno Bruto) claramente caiu, disse Lau. As emissões de dióxido de enxofre, prioridade nas questões de poluição chinesa nos últimos anos devido à sua influência sobre a chuva ácida, se reduziram em todo o país, mas especialmente em Guangzhou, uma cidade de 15 milhões de pessoas, se computados os migrantes.

A dependência do governo local quanto à venda de terrenos para incorporação, como fonte de receita, pode limitar a disposição de alguns governos municipais para confrontar empresas. Mas os governos municipais também são donos de muitas das empresas que operam nessas cidades, o que faz com que as companhias pensem duas vezes antes de contestar medidas quanto à restrição na concessão de novas placas para automóveis.

"As montadoras de automóveis são propriedade do governo", diz Chen, que dirige um Toyota Camry montado em Guangzhou. "As companhias automobilísticas têm de obedecer ao governo".

Ele acrescentou que "para que precisamos de PIB se não tivermos saúde?"

Fonte: Folha de São Paulo

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