O aumento no preço dos alimentos e a já esperada alta dos combustíveis voltaram a espalhar temores de uma crise de segurança alimentar em vários países em desenvolvimento. A consequente volatilidade nos preços das commodities agrícolas também poderá ter impactos nocivos em várias economias.
Após três meses de queda consecutiva, o Índice de Preços dos Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) voltou a registrar alta.
Ainda que o preço dos alimentos tenha atingido seu pico em fevereiro, o custo final ao consumidor continua a subir, o que tem ocasionado um aumento da inflação ao redor do mundo. A culpa, quase sempre, tem sido creditada aos especuladores.
Para piorar o quadro, a seca que atinge as plantações de grãos no meio-oeste americano e o cinturão do milho na região próxima à Califórnia deu guarida às preocupações de que haja desabastecimento na produção de trigo e, como resultado, um aumento no preço internacional dessas commodities agrícolas.
Embora o preço dos combustíveis, outro elemento que pesa na conta da inflação, tenha recuado aos valores do início deste ano, a provável queda na oferta de petróleo o e crescimento da demanda dão indicações de que o preço voltará a subir.
Embora produtores brasileiros tenham inicialmente visto com bons olhos a seca americana, segundo dados do IBGE, a inflação oficial em julho, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), interrompeu a trajetória de queda e subiu 0,48%, acumulando alta de 5,2% nos últimos 12 meses, em grande parte pelo aumento no preço dos alimentos e das bebidas.
Em meio à tamanha instabilidade de preços, a BBC preparou um questionário para explicar o que está por trás desse cenário. Confira.
Quais são, atualmente, as principais pressões sobre o preço dos alimentos?
Até o último alerta da FAO, os temores sobre uma eventual escassez de alimentos têm diminuído desde 2008, quando a alta dos preços causaram protestos e manifestações ao redor do mundo.
A FAO informou em julho que "o fornecimento total e a situação da demanda em 2012 e 2013 permanece estável"
A entidade também apontou para um estoque "abundante" de arroz, alimento que faz parte da mesa de muitos países asiáticos e também indicou que há trigo e outros grãos disponíveis para exportação.
Além disso, estima-se que a produção mundial de cereais quebre outro recorde neste ano, com 2,4 bilhões de toneladas produzidas, um aumento de 2% em relação à marca histórica alcançada em 2011.
No entanto, com algumas áreas dos Estados Unidos tradicionalmente produtoras de grãos afetadas pela pior seca em 25 anos, os preços do trigo, do milho e da soja têm aumentado rapidamente nas últimas semanas.
Somente o preço do trigo, por exemplo, subiu 35% nos últimos meses.
E em relação ao preço de outros alimentos?
A FAO informou que os preços de todas as commodities agrícolas caíram em junho, principalmente impulsionados pela queda registrada por oleoginosas e gorduras.
Isso porque, apesar do desespero dos agricultores americanos em relação à colheira dos seus campos de cereais, seus pares canadenses estão prevendo uma safra recorde de colza, uma das principais fontes de óleo vegetal.
O Brasil, entretanto, vem sofrendo atrasos na colheita do açúcar, do qual é o maior produtor mundial, por causa do excesso de umidade, reduzindo os estoques e elevando os preços.
Já na Índia, o segundo maior produtor mundial de arroz e açúcar, há temores de que as chuvas deste ano abaixo da média possam reduzir a produção após dois anos de boas colheitas.
"É um desafio imenso para os agricultores alcançar a mesma performance dos últimos dois anos", disse o ministro da Fazenda da Índia, Sharad Pawar, no mês passado. "Neste ano, a chuva está brincando de esconde-esconde conosco", brincou.
Qual é o peso dos especuladores?
O diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, apontou o dedo para a especulação dos mercados financeiros, dizendo que "mais compreensão é necessária" para avaliar seu impacto na volatilidade dos preços dos alimentos.
"Não estamos falando de especulação relacionada ao preço real dos alimentos e do normal funcionamento dos mercados de futuros", disse.
"Estamos falando de especulação excessiva nos mercados de derivativos, o que pode aumentar a oscilações de preços e sua velocidade”, acrescentou.
"A volatilidade excessiva dos preços de alimentos, especialmente na velocidade em que vem ocorrendo desde 2007, tem impactos negativos sobre os consumidores e produtores pobres em todo o mundo", afirmou Graziano.
A Economist Intelligence Unit (EIU), unidade de inteligência da revista britânica The Economist, também observou casos em que os especuladores que aproveitam da escassez das matérias-primas como uma oportunidade de investimento têm "ajudado a exagerar" na inflação dos preços.
O Movimento de Desenvolvimento Mundial (WDM) está empenhado em frear tal aposta.
A entidade quer uma maior regulação da compra e venda dos contratos futuros, quando a safra de uma mercadoria é vendida a um determinado preço em um horário definido.
Tal sistema foi criado para reduzir a incerteza, garantindo tanto o preço de venda ao produtor quanto os bens de que necessita o comprador. Na prática, trata-se de um mecanismo que reduz o risco dos negócios.
Mas o WDM e outros organismos internacionais afirmam que a negociação desses contratos, com ativos e ações, está pressionando o preço dos alimentos para cima, impactando negativamente em especial os mais pobres.
O que está acontecendo com o preço do petróleo?
O preço do barril de petróleo tipo Brent recuou desde abril, quando foi negociado a US$ 125 (R$ 250) o barril. Os preços já não estão muito acima da marca de US$ 110.
No entanto, as tensões políticas continuam a afetar alguns países produtores de petróleo no Oriente Médio.
O Irã ainda ameaça bloquear o transporte do óleo através do Estreito de Ormuz, por meio do qual cerca de um quinto do petróleo do mundo atualmente passa, caso as sanções contra o país não sejam interrompidas.
Aliado a esta incerteza, está o aumento da demanda por petróleo.
Analistas apontam, em particular, para a sede da China por energia para alimentar suas fábricas e os milhares de novos veículos.
No Brasil, a alta da cotação do petróleo teve um impacto forte nas contas da Petrobras, que registrou prejuízo de R$ 1,346 bilhão no segundo trimestre deste ano, especialmente porque a estatal não tem repassado o reajuste do preço internacional da commodity aos consumidores.
Apesar de o temor de que o repasse gere um ônus político, no âmbito eleitoral, e econômico, contribuindo para a inflação, o governo parece ter cedido a um novo reajuste no preço dos combustíveis até o final do ano.
Como os alimentos, é difícil escapar do impacto dos crescentes preços do petróleo.
A alta não só afeta diretamente o custo do combustível e energia, mas também impacta o preço de outros bens, uma vez que aumenta o custo de produção e transporte.
Como muitas economias ao redor do mundo ainda lutam para lidar com uma dolorosa recessão global, os salários não estão subindo para manter o ritmo. Assim, muitos estão realmente sentindo o aperto.
Fonte: BBC Brasil
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