Os países africanos estão tentando se livrar do dólar, ainda que para isso tenham que ameaçar prender as pessoas que usam as verdinhas.
A partir do ano que vem, Angola vai exigir que as petrolíferas paguem contratos locais e impostos em kwanza, a moeda do país, em vez de em dólar. Moçambique quer que as empresas convertam metade de sua receita com exportações para meticais, na esperança de colocar na economia doméstica uma fatia maior da riqueza proveniente de seus vastos depósitos de carvão e gás natural. E Gana está procurando maneiras semelhantes de garantir "a primazia da moeda doméstica", depois que o cedi despencou mais de 17% em relação ao dólar nos primeiros seis meses do ano.
Mas as medidas mais radicais vieram de Zâmbia, um país do sul da África rico em cobre, onde o banco central baniu transações em dólar. Os infratores que "cotarem, pagarem ou exigirem pagamento, ou receberem moeda estrangeira" podem pegar até dez anos de cadeia, afirmou em maio o banco central, numa diretriz de duas páginas.
Isso põe uma pressão incômoda sobre as mineradoras estrangeiras e operadoras de turismo que levam milhares de pessoas por ano até as Cataratas Vitória, na Zâmbia. "Ninguém foi processado ou preso por desrespeitar a lei até agora, mas o processo de monitoramento já começou", disse Kanguya Mayondi, o porta-voz do Banco da Zâmbia. O banco pode muito bem punir quem não usar a kwacha, acrescentou ele.
As iniciativas têm o objetivo de fortalecer o pequeno comércio em moeda local e direcionar mais capital para mercados financeiros isolados. Mas as novas regras são uma mudança abrupta para as companhias estrangeiras e locais acostumadas a fazer negócios em dólar.
"Haverá um período de ajuste", disse Mike Keenan, um analista de moedas africanas da Alba Capital, subsidiária sul-africana do banco Barclays PLC. "Mas a história com a África e as commodities vem sendo que as receitas não ficam no país. As autoridades estão tentando acabar com isso."
O banco central da Zâmbia vê um lado positivo em ter uma kwacha líquida e forte.
A medida para promover o uso da moeda dá às autoridades um poder de fogo sobre a política monetária que elas não tinham antes de controlar o mercado de câmbio dominante. A intervenção também poderia trazer novos negócios aos bancos locais na forma de instrumentos de hedge e transações cambiais.
Alguns dos hotéis de luxo e empresas de turismo de primeira classe da Zâmbia ainda publicam seus preços em dólar, irritando os locais. Eles reclamam: a kwacha não pode ser usada nos Estados Unidos, então por que o dólar é usado na Zâmbia?
"A kwacha é a moeda corrente", disse Caeser Siwale, diretor-executivo na Zâmbia do banco de investimento Renaissance Capital. "Há uma tendência a nos tratar de modo diferente", pois as grandes empresas esperam que pequenas economias como a Zâmbia vivam dependentes de moedas estrangeiras, algo que jamais aconteceria na Europa ou na China, acrescentou ele.
Na Zâmbia, as medidas parecem estar funcionando. A demanda maior pela kwacha empurrou a moeda em julho para o seu nível mais alto em mais de um ano. A cotação atingiu 4.640 por dólar no mês passado e caiu um pouco desde então.
As mineradoras e fabricantes estrangeiros estão alimentando a demanda na sua corrida para comprar kwacha, ainda que também estejam pedindo ao governo para reconsiderar as medidas. As empresas protestam que elas tornam as operações mais caras e complicadas.
"Pode ser difícil encontrar kwacha quando você precisa", disse Frederick Bantubonse, gerente geral da Câmara de Minas da Zâmbia. As mineradoras também estão preocupadas com o custo do hedge para proteger sua produção de cobre contra a volatilidade. O grupo solicitou ao governo que limite os tipos de transação incluídos nas medidas.
As autoridades em outros países da África estão de olho na Zâmbia. Gana, outra economia africana em rápido crescimento, com seus ricos depósitos minerais e uma emergente classe consumidora, também está querendo impulsionar sua moeda.
Desde maio, os bancos de Gana vêm sendo obrigados a manter todos os seus depósitos no banco central em cedis, em vez de uma mistura de cedis e dólares. A mudança encoraja os bancos a procurar depósitos em cedis em vez de em moedas estrangeiras, segundo Millison Narh, um diretor do Banco de Gana.
As políticas pró-cedi do banco central têm a meta de tornar mais fácil a vida de pessoas como Sterre Mkatini, que recentemente carregou para um banco das proximidades uma mochila com o equivalente a US$ 8.000 em moeda local para um adiantamento de aluguel. Muitos proprietários exigem tais pagamentos para se proteger da inflação alta.
No banco, Mkatini, uma produtora de televisão, converteu o dinheiro em dólares, depositou-o numa conta denominada em dólares e os fundos foram, então, transferidos para o banco do proprietário em Londres.
O proprietário é ganense, mas conserva sua renda com aluguel em libras esterlinas como proteção contra a inflação de quase dois dígitos de Gana.
"Acho que paguei em libras, então", disse Mkatini.
Fonte: The Wall Street Journal
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