Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Poupança, inovação e crescimento

Por Claudio Adilson Gonçalez*

As causas do desempenho pífio da economia brasileira têm sido objeto de muito debate, tanto no meio político quanto no acadêmico. Neste artigo, abordarei o papel da taxa de poupança no processo de crescimento econômico, à luz das mais recentes contribuições da teoria econômica.

A relação entre a taxa de poupança de um país e o crescimento econômico tem sido tema central nos modelos teóricos tradicionais - que enfatizam o papel da formação de capital fixo (máquinas, equipamentos e construções) decorrente do processo de investimento. Por essa linha de raciocínio, quanto mais alta a taxa de poupança, maior será o investimento e, consequentemente, maior o crescimento econômico.

O problema é que tais modelos foram desenvolvidos para economias fechadas e não funcionam bem no mundo globalizado e com ampla abertura ao fluxo internacional de capitais, onde o papel da poupança doméstica perde importância como financiador do investimento. Paralelamente, começou-se a compreender melhor que é a inovação, ou seja, o avanço tecnológico, o principal motor do crescimento econômico.

Em 2006, os economistas Philippe Aghion, Diego Comin e Peter Howitt publicaram interessante trabalho no National Bureau of Economic Research (NBER), denominado When does domestic saving matter for economic growth? (Quando a poupança doméstica é importante para o crescimento econômico?, em tradução livre).

Para esses autores, a poupança doméstica, especialmente a privada, ao fornecer contrapartida local para o financiamento de projetos de longo prazo, tem o papel de atrair, na forma de cofinanciamento, o Investimento Estrangeiro Direto (IED), ou seja, recursos destinados ao setor produtivo. E o IED é um eficaz meio para transferir ao empreendedor local as inovações que o aproximam da fronteira tecnológica de produção, dado que o investidor externo tem interesse no sucesso do negócio.

Com poupança doméstica baixa, faltará funding local para essa associação, e isso desencorajará o investidor externo a aplicar seus recursos, dado que, sem essa parceria, terá maior dificuldade para monitorar a gestão do empreendimento. Além disso - e este ponto eu acrescento à análise dos autores citados -, poupança baixa está geralmente associada a déficit na conta corrente com o exterior, e isso também pode aumentar o risco percebido pelo investidor externo em receber, em sua moeda, os lucros do projeto.

Para testar sua teoria, os autores utilizaram dados de 118 países, de diferentes níveis de desenvolvimento. A análise mostrou que aumentos na taxa de poupança induzem, alguns anos à frente, à elevação do IED e da produtividade e, consequentemente, do crescimento. O interessante é que isso ocorre apenas nos países menos desenvolvidos, que estão distantes da fronteira tecnológica, como é o caso brasileiro. A conclusão é que a poupança é importante para o crescimento menos pelo seu impacto na acumulação de capital fixo, e mais porque, ao atrair o IED, favorece a inovação.

Os testes estatísticos também demonstraram que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por horas trabalhadas é explicado muito mais pelo aumento da produtividade total dos fatores de produção (PTF, no jargão econômico) do que pelo incremento do volume de bens de capital por trabalhador. Isso também corrobora a ideia de que é a inovação, não a acumulação de capital, o principal motor do crescimento.

Mas não é somente o IED que promove a transferência de tecnologia. Esse processo também se dá por meio do licenciamento tecnológico, da produção terceirizada em escala global, da importação de máquinas e equipamentos de alta tecnologia, da contratação de serviços de assistência técnica e consultoria externa, etc. Também há ampla evidência empírica de que, quanto maior o coeficiente de importação (importação/PIB), maior é o crescimento da produtividade. Ou seja, a inovação está fortemente associada ao grau de abertura da economia.

Os dados mostram que, pelos dois critérios estudados por Aghion e seus colegas (IED e grau de abertura), a economia brasileira não oferece condições favoráveis à inovação. Em números absolutos, temos recebido volume expressivo de IED, mas como proporção do PIB o Brasil ainda não alcançou posição de destaque no ranking internacional.

Se tomarmos a média da relação IED/PIB, no período 2003-2012, verificamos que estamos atrás de Chile, Vietnã, Romênia, Peru, Eslováquia, Polônia, Nigéria, Tailândia, Malásia e Rússia. Da mesma forma, ainda somos uma economia fechada. Segundo o Banco Mundial, em amostra de 30 países emergentes, o Brasil registrou na média dos últimos dez anos a menor relação importação de bens e serviços/PIB, qual seja, 11,9%.

Além disso, para absorver tecnologia, é necessário que a mão de obra local tenha nível de qualificação adequado, o que depende mais de ensino básico e técnico de alta qualidade do que da pesquisa científica avançada. No entanto, o Brasil tem priorizado o ensino superior gratuito, acessível aos jovens de alta renda e cujas grades curriculares estão longe de preparar profissionais aptos para o mercado de trabalho.

Elevar a taxa de crescimento potencial do Brasil, portanto, não depende apenas da modernização da infraestrutura, embora isso seja essencial. A análise aqui apresentada nos ensina que é preciso também aumentar a poupança privada doméstica, principalmente por sua relação com a inovação. Para tanto, entre outras condições, precisamos de estabilidade macroeconômica; do fim dos subsídios ao consumo e dos estímulos ao excessivo endividamento das famílias; e de ampla revisão do nosso benevolente sistema de aposentadoria e pensões. Além disso, precisamos redefinir o modelo e as prioridades de nosso sistema educacional. E, não menos importante, devemos abandonar políticas protecionistas ultrapassadas e aumentar o grau de abertura da economia.

*Claudio Adilson Gonçalez é economista, diretor da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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