Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Por que Venezuela e Argentina têm tantos problemas com o dólar?

Casa de câmbio (Reuters)
Pressão do dólar tem um impacto maior no peso argentino e no bolívar
Nos últimos sete meses, a pressão cambial sobre as moedas na América Latina disparou. O fenômeno é regional, mas afetou dois países com mais intensidade: Argentina e Venezuela.
Na semana passada, o peso argentino (pela taxa oficial) caiu mais de 11% em relação ao dólar em um só dia e se transformou em um dos estopins de uma crise das moedas dos mercados emergentes, do Brasil até Turquia, passando por Índia, Indonésia e Rússia. A depreciação acumulada do peso argentino em 2013 foi de 24,23%.
Na mesma semana, o governo da Venezuela promoveu ajustes no sistema de controle de câmbio - mantido há mais de uma década - e anunciou um sistema de cotização que, na prática, implica em uma forte desvalorização do bolívar de quase 100% para muitos produtos e serviços.
Outras moedas latino-americanas também sofreram em 2013: o real se desvalorizou 12,96% em relação ao dólar; o peso chileno caiu 8,97% e o colombiano, 8,63%. O novo sol peruano caiu 9,21% - em uma tendência que se acentuou em janeiro. No entanto, os casos venezuelano e argentino são especiais.
Segundo o economista mexicano Oscar Ugarteche, autor do livro A arquitetura financeira internacional e coordenador do Observatório Latino-Americano, a maior pressão sobre Argentina e Venezuela se deve à inflação.
"A pressão sobre as moedas latino-americanas agora é global por conta das mudanças na política monetária dos Estados Unidos", disse o economista, em entrevista à BBC Mundo.
"Mas esse panorama internacional complicado se soma à alta inflação na Argentina e na Venezuela. Quando há inflação alta, os agentes econômicos têm de buscar refúgio onde podem. E em muitos países da região, o refúgio tradicional é o dólar."

A febre inflacionária
A inflação na Venezuela superou os 20 pontos percentuais nos últimos cinco anos: em 2011 alcançou 29%; em 2012, 20% e em 2013, 58%.
Já na Argentina há variações entre o desacreditado índice oficial – que registrou um aumento de 10,9% nos preços em 2013 – e nos cálculos incertos de diferentes consultorias, que registraram taxas variando em torno de 28%.
Supermercado venezuelano (Reuters)
Inflação e escassez de produtos são problemas agravados pelo dólar na Venezuela
Apesar do aumento da inflação nos últimos sete anos, o poder aquisitivo da maioria dos argentinos se manteve, via negociações salariais e aumentos financiados pelo Estado nos setores mais vulneráveis.
E isso parece não ter minado a economia, já que, segundo a Cepal, o crescimento do PIB foi de 4,5% no ano passado.
Na Venezuela, a situação foi agravada por um crescente desabastecimento de produtos básicos ou importados.
"A questão está nos agentes econômicos de peso como investidores, fundos de hedge, grandes bancos comerciais, empresas exportadoras, produtoras e distribuidoras e a própria população representando uma ação conjunta de seus cidadãos. O que fazem diante da inflação? O dólar não é o único refúgio. O leite, outros produtos básicos ou eletrodomésticos, por exemplo, podem servir para essa função de manter o valor", afirma Ugarteche.
"Por isso há grandes níveis de escassez na Venezuela. Os agentes passam do mercado monetário para o de bens. Estoques inteiros de objetos são comprados e guardados para esperar que o preço suba, com o objetivo de superar a inflação. E isso acaba distorcendo a economia."
E se na Venezuela isso se traduz em desabastecimento, na Argentina o fenômeno está vinculado à liquidez de dólares.
Segundo estimativas privadas, os poderosos exportadores de soja têm cerca de US$ 4 bilhões em soja não vendida (cerca de 8 milhões de toneladas), porque estão esperando um câmbio mais favorável.

Controle
A fuga de capital e o refúgio no dólar é algo regional. A diferença é que a Argentina e a Venezuela tentaram combatê-los com medidas de controle de divisas.
Em 2003, o então presidente Hugo Chávez criou uma comissão para deter a fuga de capitais, evitar a depreciação da moeda e limitar a redução de reservas.
E a Argentina seguiu um caminho similar no fim de 2011, pouco depois da reeleição de Cristina Kirchner, impondo crescentes restrições à compra de divisas estrangeiras, fosse por pessoas ou por empresas.
Em ambos os casos, o controle terminou com um mercado desdobrado, com um dólar oficial e um mercado paralelo. Na Argentina a diferença tem sido de até 100%, enquanto na Venezuela o valor da moeda no oficial é sete vezes maior.

Futuro
Os dois países têm ao seu favor o fato de sua dívida externa em dólar não ser alta. No caso venezuelano também tem de se levar em conta o ingresso de dólares por conta do petróleo.
"Creio que nesse aspecto a Venezuela seja diferente da Argentina porque tem uma forte entrada de dólares pelo petróleo e tem acesso a mercados de capitais", disse à BBC Mundo Marc Weibrost, co-diretor do Center for Economic Policy and Research, de Washington.
Não é essa a situação da Argentina, que tem virtualmente fechada a opção de financiamento no exterior, desde que declarou calote à divida externa em 2001.
O governo de Cristina adotou medidas, que vinha evitando há bastante tempo, para lidar com o vendaval desatado na semana passada, quando deixou de intervir no mercado de divisas para controlar o dólar.
Agora, há uma nova autorização – com limites – para comprar dólares.
Segundo o ex-ministro da Fazendo do Brasil, Luis Carlos Bresser-Pereira, o governo está no caminho certo.
"O problema no governo argentino é que tentou combater a inflação deixando que a moeda se valorizasse. Com uma moeda sobrevalorizada, o resultado acaba sendo esse tipo de situação", disse o ex-ministro, em entrevista à BBC Mundo.
"Acredito que com as medidas do novo ministro da Economia, o peso está recuperando seu valor competitivo. Se reconquistar a confiança das empresas, a Argentina irá recuperar o superavit da conta corrente, com o que pode sair da crise. Mas terá de resolver o problema da inflação."

Fonte: BBC Brasil

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