Redução dos estímulos monetários nos EUA tem afetado mercados financeiros |
Por trás da turbulência estão tanto problemas internos desses emergentes como uma mudança na conjuntura internacional - sobretudo nos Estados Unidos.
Nesta quarta-feira, o Fed (banco central americano) anunciou mais uma redução em seus estímulos financeiros: vai cortar sua compra mensal de títulos do patamar atual, de US$ 75 bilhões, para US$ 65 bilhões. O motivo é o fortalecimento da economia americana, que tem precisado de menos estímulos para voltar a crescer.
Mas, na prática, isso tem impacto significativo nos países emergentes: de um lado, há menos dinheiro sendo injetado no mercado; de outro, o fortalecimento americano provoca fuga de capitais de economias menos desenvolvidas, já que o investidor ruma aos EUA em busca de mais segurança.
No Brasil, o dólar chegou nesta quarta a R$ 2,435, uma das maiores altas dos últimos anos; outras moedas estrangeiras também perderam valor perante o dólar.
Mas qual a origem dessa instabilidade? Ela pode levar a uma crise maior, como a que derrubou economias emergentes no final da década de 1990? Veja o que dizem especialistas consultados pela BBC Brasil:
Por que os mercados emergentes estão sofrendo?
Depois de terem atraído investidores no pós-crise de 2008, quando países desenvolvidos se tornaram pouco atraentes, os países emergentes já não são o destino favorito do dinheiro que circula no mercado financeiro.
De um lado, os EUA estão se recuperando, diminuindo seus estímulos financeiros e abrindo caminho para elevar suas taxas de juros - elementos que atraem os investidores, em busca de um porto seguro para seus investimentos.
"Isso leva a uma fuga de capitais, que por sua vez afeta o câmbio (desvalorizando as moedas perante o dólar) e gera um processo inflacionário (encarecendo produtos importados)", diz André Pereira Perfeito, economista-chefe do Gradual Investimentos.
A reação dos bancos centrais é aumentar as taxas de juros, para atrair investidores oferecendo uma rentabilidade mais alta. Mas é o efeito colateral o que esfria a economia - fica mais caro pegar dinheiro emprestado para abrir um negócio, por exemplo.
De outro lado, a China já não cresce na mesma velocidade, diminuindo suas compras de commodities de economias emergentes como Brasil e Argentina.
"Esse esfriamento desequilibra as balanças comerciais e o país perde a capacidade (de reter) moeda estrangeira", explica Otto Nogami, professor de economia do Insper.
Fora isso, persistem os problemas internos desses países, de infraestrutura à falta de confiança na habilidade de governos em administrar economia, que acabam perdendo a atratividade perante os olhos de investidores externos.
Os emergentes enfrentam problemas semelhantes?
O Brasil é apontado pelos especialistas como muito mais sólido do que outras economias emergentes, apesar de seus problemas conjunturais.
"Ao contrário da Argentina, que não tem conseguido gerar investimentos, o Brasil avançou no varejo, na construção civil, nos setores automotivo de de infraestrutura", opina André Perfeito, agregando que as reservas internacionais brasileiras são bem mais robustas - ou seja, o país tem mais capacidade de se manter solvente.
Segundo o economista, as reservas atuais brasileiras seriam suficientes para bancar, sozinhas, um ano e meio de importações (as da Argentina, por exemplo, durariam pouco mais de quatro meses).
Além disso, diz ele, a elevação de juros tem ocorrido de forma bem mais controlada - ao contrário da Turquia, que dobrou sua taxa de juros na última terça-feira, de 4,5% para 10%, um "ato de desespero" para evitar uma fuga maior de capitais, na visão do analista.
"O conjunto de emergentes é muito heterogêneo, e a situação dos países deve ser vista caso a caso", agrega Perfeito.
Na terça-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a instabilidade atual é parte de um momento de acomodação da economia mundial.
Existe o risco de uma crise maior?
As turbulências despertaram especulações quanto a um possível contágio financeiro semelhante ao que derrubou, em efeito dominó, as economias emergentes no final da década de 1990.
Para Nogami, do Insper, esse risco existe se os países não tomarem medidas para evitar um ciclo de recessão (em que a alta de juros freie a economia e a inflação tire o poder de compra das pessoas).
"Para reverter o ciclo, os governos precisam equilibrar seus gastos, controlar a inflação e resgatar sua credibilidade para atrair investimentos", diz. No entanto, para Samy Dana, professor da FGV-SP, o cenário mudou muito desde os anos 1990: "Nossas reservas internacionais estão muito maiores do que eram", explica. Ou seja, temos um "colchão" maior para conter uma eventual crise.
O mesmo vale para outros países emergentes, cujas dívidas em dólar também não são tão grandes.
Além disso, no caso do Brasil, a moeda local está muito mais consolidada (nos anos 1990, o real era uma moeda nova e recém-estabilizada), explica Perfeito.
"Não acho que o cenário seja tão ruim o quanto estão pintando", diz o economista. "Até porque não vale a pena para os EUA manterem sua moeda tão valorizada (perante moedas emergentes) num momento em que tenta se recuperar economicamente."
A Argentina, porém, vive situação muito mais frágil, com baixas reservas internacionais, uma economia bem menos diversificada que a do Brasil e sinais de esgotamento do modelo adotado pelo governo Kirchner.
O diretor do departamento Monetário e de Mercado de Capitais do FMI, José Viñals, declarou à imprensa nesta sexta-feira que "a situação não é de pânico" e que a turbulência nos emergentes ocorre porque os emergentes "ainda não se ajustaram a condições externas mais voláteis".
Fonte: BBC Brasil
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