Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Entrevista - "A gestão do Banco Central é temerária"

Ex-diretor do BC e doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Alexandre Schwartsman diz que a prioridade do BC não é a inflação

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) e doutor em Economia pela Universidade da Califórnia Alexandre Schwartsman tem se destacado como um dos críticos mais ferozes da atual política econômica. E justificou essa fama em entrevista ao Brasil Econômico. Para ele, o governo erra ao insistir em soluções voltadas para o aumento da demanda, quando o problema está na limitação da oferta, prejudicada pela baixa produtividade. Schwartsman atribui os equívocos à presidenta Dilma Rousseff. "Vamos falar a verdade: a política econômica no Brasil emana diretamente da Presidência da República. É ali que a responsabilidade está".

Para ele, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, apenas seguem a orientação da presidenta, que não está disposta a pagar o preço de um ajuste fiscal, muito menos em ano eleitoral. O BC, acrescenta, é subserviente e submete-se às determinações do Planalto. "A prioridade do BC não é a inflação. É o crescimento, o câmbio. Dessa forma, perdeu o controle das expectativas. É só olhar para a gestão do BC para saber que é temerária", ataca.

Qual a tendência para este ano?

Muito parecida com o ano passado, as mesmas forças estão valendo hoje. O principal problema é a restrição no lado da oferta. Ela está com dificuldade de crescer. Ao contrário de anos anteriores, quando havia grandes contingentes de pessoas para trabalhar, hoje não há mais. A produtividade de trabalho no Brasil tem crescido em torno de 1,5% ao ano. Não escapa disso. Junte a isso a expansão da população economicamente ativa, e o limite para crescimento da economia é de 2% ou 2,5%. A estratégia de crescimento do governo, de botar mais demanda na economia, com crédito e desonerações, vai muito bem quando há capacidade ociosa na economia. Não é o que se tem hoje.

Estamos condenados a esse crescimento?

Para citar o Copom, "neste momento", sim. Não é um destino inexorável. É possível mudar com as políticas para fazer a produtividade crescer. Com muito atraso, depois de métodos equivocados, o processo de concessões parece estar avançando. E a infraestrutura é muito importante para a produtividade. Hoje, investimos 2% do PIB em infraestrutura. Quando aumentar essa participação, a produtividade subirá, mas não será da noite para o dia. Tem um conjunto de reformas, em particular nas áreas tributária e trabalhista, que poderiam destravar a produtividade, mas não vejo ninguém muito interessado em promover isso. Não estamos condenados, mas é preciso trabalhar. Demanda, é fácil crescer. O BC corta juros, o governo aumenta gasto. Um par de canetadas resolve. Mas quando a recessão está na oferta, é preciso trabalhar.

E a confiança do empresário?

Nosso nível de investimento, que traduz a confiança do empresariado, é baixo. Um pouco mais alto do que já foi, mas continua entre 18% e 19% do PIB. A confiança, entretanto, não é tudo. O empresário pode querer investir mais e não ter como. O consumo das famílias está em torno de 62% do PIB, o do governo fica na casa de 20%. Somados, chegam a quase 83%. O que sobra para investir, sem aumento de déficit externo, é cerca de 17%. Complicado. Para aumentar o investimento, é preciso pensar em um programa de ajuste fiscal de longo prazo. É aquele mesmo tipo de ajuste classificado de rudimentar por gente do governo. A chance de isso acontecer é baixa. Falta condição para o empresário investir, não basta ele querer.

Quais são as bases desse ajuste?

Principalmente controlar o gasto corrente do Brasil. O gasto do governo, que era de 14% em 1997, hoje é de 19%. O funcionalismo tem ficado mais ou menos estável. Foi montado um grande esquema de transferência...

Você fala dos programas sociais?

O Bolsa Família é troco, custa R$ 25 bilhões por ano, e não é ruim. É só 0,5% do PIB.

Seria mais grave sem esse nível de arrecadação?

Se não houvesse esse nível de arrecadação, a gente já teria quebrado, não teríamos como sustentar esse volume de gastos. A estimativa de carga tributária, de 36% do PIB, é alta e trabalhosa. O Banco Mundial estima que uma empresa média típica no Brasil gasta algo como 2.800 homens/hora/ano, é o mais alto custo do ranking, mais do que o dobro do segundo lugar. Nos países desenvolvidos, o índice fica entre 300 e 500. Cada empresa gasta em excesso mais de 2 mil homens/hora/ano para uma tarefa essencialmente improdutiva, que é preencher papel e pagar imposto. Imagina o potencial que a gente teria ao alocar essas pessoas em tarefas mais úteis. É um custo imposto pelo setor público brasileiro ao resto da economia que afeta a produtividade. Nada me parece mais óbvio do que tirar esse contingente de pessoas que está preenchendo papel e botar para fazer algo melhor. É o fruto que está baixinho na árvore. É só pegar.

Com essa despesa corrente alta, é preciso manter a arrecadação. Não há como pensar numa reforma tributária hoje que reduza a carga tributária?

Não tenho nenhuma ilusão de que seja possível essa redução. O que deveria ser um objetivo é manter a carga tributária, mas tentar uma estrutura menos caótica do que a atual.

Isso é um foco de inflação?

Acaba acontecendo em setores que não sofrem concorrência externa, como o de serviços. Como a gente caracteriza as grandes linhas econômicas brasileiras hoje? A demanda interna sobe mais rápido do que o PIB; a inflação de serviços é mais alta e puxa o índice geral; o setor industrial cresce pouco, mas a demanda maior, em última análise, vira aumento de importação. O desequilíbrio externo, portanto, também está ligado a isso. Se conseguirmos fazer a produtividade crescer bem mais rápida, essa restrição de oferta se afrouxa, mudando o ciclo.

Parece que o único antídoto que temos hoje em dia é o aumento da taxa de juros...

É o remédio para o problema inflacionário, mas para outros, não. A oferta cresce menos do que a demanda. Para controlar a segunda, é preciso aumentar os juros. A gente poderia fazer a mesma coisa com a política fiscal. Como não fazemos, sobra a política monetária, hoje atrasada e insuficiente. Não vai resolver o problema, vamos continuar com inflação alta.

Qual seria o nível de juros para trazer a inflação a 4,5%? 

Entre 12% e 13%. Não vamos conseguir com menos que isso.

Mas como ficaria o crescimento?

Certamente abaixo do que provavelmente teremos este ano. Até dá para controlar a inflação só com os juros. A questão é qual o preço que se quer pagar.

O preço seria menor com instrumentos fiscais?

Certamente. Mas, mesmo com instrumentos fiscais, recuar a inflação passa por diminuir a demanda. É o que fazemos países que passam por um momento de inflação muito baixa. Mas quando têm de fazer um programa de desinflação, passamos por alguma desaceleração do PIB por algum tempo. Desse jeito, o mercado de trabalho afrouxa, o salário diminui e a inflação é trazida para baixo. Não tem mágica. O juro não tem relação direta com a inflação. Ele bate na demanda interna e o ciclo começa.

Mas essa cadeia seria acionada em um ano eleitoral?

Acho altamente improvável. Por isso eu vejo um cenário inflacionário que dificilmente vai ser melhor do que o do ano passado. A verdade é a seguinte: a inflação ficou em 5,91% em 2013, mas à custa do controle extraordinário de preços - redução na tarifa de energia, defasagem nos preços dos combustíveis, tarifas de transportes urbanos congeladas. Controlar a inflação segurando preços públicos é facílimo. O problema é que não funciona em lugar nenhum por mais que uns poucos meses.

Acha possível manter esse represamento ainda este ano?

Muito difícil. Os preços administrados subiram, em média, 1,5% ano passado. Para 2014, o BC prevê subida de 4,5% nos preços administrados. Acho exagerado. Supondo que o reajuste seja de 3,5%, é um aumento de 2 pontos percentuais nessa linha. De acordo com o peso dela, vai acabar adicionando algo como 0,6 ponto na inflação, pondo a taxa muito próxima de 6,5% no fim do ano, juntando com os preços livres. Nossa situação inflacionária não é tranquila; o próprio BC diz que não vê a inflação voltando ao centro da meta nem em 2015. Essa administração perdeu 2011, 2012, 2013, já admitiu que vai perder em 2014 e, muito provavelmente, 2015.

Como o sr. vê a postura do governo com a inflação?

Há um completo descompromisso. Uma meta, perdida por tantos anos, é muito descuido. Ou incompetência. Tentar por cinco anos e não conseguir é muito errado. Subserviência, descuido, incompetência - pode escolher. Isso foi cometido pelo BC ou por quem manda nele.

Mas de quem seria essa culpa?

Vamos falar a verdade: a política econômica no Brasil emana diretamente da Presidência da República. É ali que a responsabilidade está. Tem os intermediários: o Tombini, o Guido, mas obviamente eles não são os formuladores da política econômica.

A presidenta Dilma em Davos pode conseguir evitar o rebaixamento da nossa dívida?

Se discurso resolvesse problema, ninguém teria dificuldade econômica. O que interessa nesses momentos é o que você faz - o que você fala, é outra coisa. Recuperei uma entrevista da Dilma logo no começo do mandato dizendo que a inflação era a prioridade total e em nenhum ano chegou perto do centro da meta. É quase como aquela história de criança: todo mundo quer comer, mas ninguém quer fazer o bolo. Todos querem inflação baixa, mas ninguém está disposto a pagar o custo. Há cerca de um ano, a própria presidenta da República disse que essa ideia de baixar o crescimento para controlar a inflação era totalmente equivocada. Por isso que a gente não baixa a inflação.

Mas quem defende isso é acusado de pregar o desemprego, e são vistos como "do mal"...

Neste caso, sou eu. Mas não apenas eu. O sujeito acha que vai diminuir a inflação sem passar por um aumento de desemprego? Desculpe, ele está enganado. Veja o que o Alan Greenspan (ex-presidente do Fed) fazia quando precisava desinflacionar a economia - elevava a taxa de desemprego. Não porque ele era mau, mas porque tinha um objetivo. Nada é de graça. Mas a partir do momento que o BC consegue consolidar as expectativas de inflação em torno da meta, como fizemos no período até 2008, é possível manter a economia perto do pleno emprego sem grandes tensões inflacionárias. O problema é quando se perde o controle sobre as expectativas. Aí a economia cresce mais devagar, com inflação mais alta. A troca de longo prazo, "vou crescer mais com inflação mais alta", já foi provada como errada, não só pela teoria econômica, como empiricamente. Existe, sim, uma troca de curto prazo: se precisa baixar a inflação, o custo temporário é desemprego. E o benefício é duradouro. Ignorar essa lição, politicamente é muito cômodo, mas não resolve nosso problema.

Qual foi o efeito do aumento da Selic? A dosagem foi ideal?

Só sabemos o que o BC fez. "Como seria a trajetória da inflação semos aumentos recentes?" - é uma pergunta a ser respondida. Sobre a dosagem, cabe uma referência a Santo Agostinho: "Por favor, dai-me continência e castidade, mas não agora". O BC começou tarde e devagar, a contragosto. E rapidamente deixou de dar qualquer indicação de que está disposto a buscar o centro da meta. É difícil inferir qual o objetivo do BC. A parte fácil é perceber que não é 4,5%. Numa época pensou-se em 5,5%. Me parece mais provável alguma coisa abaixo de 6,5%. O BC parou inclusive de falar em "convergência tempestiva". É por isso que dizem que o BC perdeu a credibilidade, que foi construída lá atrás com um custo não desprezível.

Quando isso aconteceu?

Em 2011, o BC falou que a expectativa da inflação estava para cima, mas que iria cortar o juro porque o mundo iria desinflacionar o Brasil para a gente. Mesmo com sinais cada vez mais claro sem contrário, ele apenas assistiu ao movimento de agosto de 2011 a dezembro de 2012, com a crise já rolando. Ficou muito claro que a prioridade do BC não era a inflação. A prioridade do BC é crescimento, é o câmbio, não é inflação. Ele perdeu o controle das expectativas, o que explica o que estamos vivendo. É só olhar para a gestão do BC para saber que ela é temerária.

É um problema de equipe?

Não gosto de "fulanizar". Não é deficiência técnica. O que falta ali é autonomia. Não tenho certeza se o que está na cabeça do Tombini é uma inflação um pouco menor do que 6,5%, ou se é essa a orientação que ele recebe do governo como um todo. Sem tirar a responsabilidade do Tombini, me inclino para a segunda hipótese. Está mais do que evidente que Tombini não tem autonomia para fazer o necessário.

Era diferente no período em que você trabalhou no BC?

Em setembro de 2004, começamos um processo de aperto monetário. Logo depois, veio um colunista de jornal (supostamente bem conectado) e escreveu que não tínhamos autonomia para fazer o que era necessário. Foi um "senta que o leão é manso". A curva de juros, que havia subido, caiu depois do artigo. Em outubro, subimos de novo, e veio novamente a matéria derrubando a curva futura. Novembro, a mesma coisa. Quando foi dezembro, a ordem se inverteu. O colunista escreveu antes da reunião que a taxa não subiria. Quando nós elevamos a Selic novamente, o mercado falou "Opa!", e o jogo mudou. A curva de juros futura, depois de três tentativas sabotadas por algo que não tinha a ver com nossa comunicação e estratégia, subiu. Isso aconteceu porque o mercado caiu em si, enxergou a autonomia no BC. Pagamos mais caro por isso do que se tivéssemos feito sem a interferência. Hoje, é o contrário.

Havia mais autonomia no tempo em que o sr. trabalhou no BC?

Sem dúvida. Não eram pessoas que tinham simpatia política pelo partido - nem digo que a atual tenha. Sem autonomia, o Henrique Meirelles não poderia ter escolhido aquela equipe, e não digo só por mim. Hoje, o Tombini não escolhe o time que quer; escolhe dentro das possibilidades que lhe são permitidas. Chega ao ponto de, antes de subir os juros, ele ter que ouvir primeiro o que pensam o Yoshiaki Nakano, o Delfim Netto e o ex-presidente do Palmeiras... Da próxima vez pergunta para o Juvenal Juvêncio (presidente do clube São Paulo).

No ano passado, Delfim falou em tempestade perfeita...

Tempestade perfeita para quem? Os sinais são de que a economia norte-americana pode crescer talvez mais de 3% esse ano. Com isso, a curva futura de juros lá está subindo. Mas o motivo é bom. A maior economia do planeta, um quarto do PIB do mundo, cresce mais rápidodo que o imaginado. Tempestade para quem? Obviamente, o Brasil é fechado, não fez os ajustes, e não vai aproveitar os efeitos positivos. Mas havia quem reclamava da taxa de câmbio e que agora não pode mais reclamar. E ainda bem que o câmbio flutua. Vamos sofrer mais com a situação porque os nossos fundamentos não estão bons. Alguns vizinhos, como Colômbia, Chile e México, vão aproveitar o momento melhor do que a gente. Para eles, a tempestade vai ser oportunidade.

Dos pré-candidatos a presidente, há algum mais consciente dessa situação?

Sou cético. Conheço economistas extraordinários que são próximos aos candidatos, como o Eduardo Giannetti com a Marina Silva, e o Armínio Fraga com o Aécio Neves. Mas não sei o quanto eles vão influenciar na formulação de políticas. Quem imaginaria que o Palocci seria o ministro da Fazenda do Lula? Se o Aécio for eleito, uma possibilidade muito remota, quem garante que o Armínio dará as cartas? Gostaria muito que fosse ele, principalmente por ser competente e um cara legal. A impressão que eu tenho é que o discurso que eu faço não tem a menor ressonância na sociedade brasileira. As pessoas querem o que estamos vendo, de preferência com inflação mais baixa.

Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, diz que o eleitor médio não sabe o que é PIB, Selic, Copom, ele quer saber do bolso dele, do preço no supermercado. Para esse cidadão, a inflação assusta?

A questão toda é quem vai colocar o guiso no gato. Isso é Churchill, amigo: "Sangue, suor e lágrimas". O discurso do ajuste não elege ninguém. Quem aceita uma enxugada no setor público não quer que isso afete a sua parte. Aí fica difícil.

Se a Dilma for eleita, será que em 2015 haverá um freio de arrumação?

Esse é "o" debate, a pergunta que todos estão fazendo. Minha inclinação é de que o freio de arrumação poderá vir de outro fator, mas não da reeleição. Em 2011, tinham a mesma oportunidade de pôr a casa em ordem, mas em seis meses já estavam como pé no acelerador.

Seria resultado da visão que Dilma tem da economia?

Estou convicto disso. Olhe as afirmações dela durante a eleição e compare como que foi adotado. "Eu quero inflação baixa." Ah, eu também quero ser rico, bonito e saudável. Mas, estou disposto a trabalhar para ser rico, malhar para ser saudável e fazer um implante de cabelo para ser bonito? O gasto público não tem controle, só cresce, e não significou mais investimento. Não há nenhum esforço para controlar a carga tributária. A desoneração é pontual e vista como um incentivo para setores ganhadores. O BNDES está maior do que nunca.

Dilma é desenvolvimentista, keynesiana?

Sim.

E o sr., como se vê?

No meu blog, me defino como paleoliberal, mas é um exagero. Sou menos liberal que meus leitores e amigos.

Fonte: Brasil Econômico

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