Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Irlanda versus Islândia - quem se saiu melhor após a crise financeira de 2008

Ao longo dos últimos cinco anos, é difícil encontrar outros dois países cujas políticas adotadas em resposta à crise financeira de 2008 tenham sido tão divergentes e, por isso mesmo, tenham polarizado tanto os comentaristas econômicos.  Estes dois países são a Irlanda e a Islândia.
Ambos foram talvez os dois países mais afetados pelo congelamento da liquidez ocorrido em 2008. 

Uma conclusão bastante recorrente nos meios econômicos afirma que um destes países fez tudo certo e que o outro fez tudo errado.  Qual país fez tudo certo e qual fez tudo errado vai depender inteiramente da ideologia do economista.  Sendo assim, meu objetivo aqui é fazer uma abordagem mais pragmática.  Há aspectos positivos em ambos os casos, assim como também há aspectos negativos.

Sempre correndo o risco de estar simplificando em demasia a situação de ambos, eis as principais diferenças nas políticas econômicas adotadas:

1. O governo da Islândia permitiu que fatias substanciais do seu setor financeiro fossem à bancarrota (majoritariamente sucursais de bancos domiciliados no estrangeiro), sem dar nenhum socorro.  Já a Irlanda utilizou dinheiro de impostos para socorrer seus bancos e, com isso, manter seu setor financeiro solvente.

2. O governo da Islândia inflacionou substancialmente sua moeda, a coroa, em uma tentativa de desvalorizar sua taxa de câmbio e, com isso, dar alguma competitividade ao seu setor exportador.  Já a Irlanda, por estar presa ao euro, não pôde trilhar um caminho semelhante.  Em vez de recorrer à desvalorização da moeda, a Irlanda tentou se tornar mais atraente aos investidores estrangeiros por meio de uma redução em seus preços domésticos.  (Nesta monografia, há explicações mais detalhadas sobre como a baixa sindicalização dos irlandeses e um setor estatal mais enxuto permitiram que preços pudessem ter caído em até mais de 6% sem grandes resistências).

3. A Islândia adotou controle de capitais para impedir que houvesse uma fuga de capitais e para impedir que o capital estrangeiro saísse do país, desta forma mantendo os investimentos presos dentro de suas fronteiras.  Já a Irlanda, por fazer parte da União Europeia, teve de manter seu compromisso com uma livre mobilidade de capitais, e os investidores puderam continuar entrando e saindo do país a seu bel-prazer.

No que diz respeito a qual conjunto de soluções foi mais eficaz, as evidências são mistas.  À primeira vista, a Islândia parece ter conseguido suavizar melhor o impacto imediato de sua recessão, mas o atual crescimento da Irlanda é mais sólido, como vermos mais abaixo.  De maneira similar, o desemprego na Islândia foi menor e ainda permanece mais baixo atualmente.

Para os propósitos deste artigo, irei me concentrar apenas nos efeitos das respectivas políticas monetárias de ambos os países, e em como os ganhos de curto prazo gerados pela reação inflacionária da Islândia são hoje pequenos em comparação à reação mais branda da Irlanda.

O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB nominal de ambos os países, isto é, o PIB que desconsidera a inflação de preços.  A Irlanda está de verde e a Islândia, de azul.
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Gráfico 1: PIB Nominal (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
O gráfico 1 mostra aquilo que o senso comum prevê.  A política inflacionista da Islândia estimulou as exportações, ocultou o alto endividamento da população e das empresas, e permitiu que o país saísse da tempestade de forma aparentemente ilesa.  Já a Irlanda, por outro lado, segue presa a um baixo crescimento e, cinco anos depois do início da crise, a renda nominal do país ainda é 10% menor do que o pico alcançado antes da crise.

Mas esta análise, no entanto, ignora completamente os efeitos da inflação sobre a economia da Islândia.  A política inflacionista da Islândia aumentou a oferta monetária em quase 20% apenas em 2008, e levou a um imediato e acentuado aumento nos preços.

O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB real, isto é, o PIB que leva em conta a inflação de preços.  A Irlanda está de verde e a Islândia, de azul.
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Gráfico 2: PIB Real GDP (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
O gráfico 2 mostra uma realidade mais acurada da situação vivenciada pelo islandês e pelo irlandês comum.  Quando o Banco Central da Islândia inflacionou a oferta monetária do país e depreciou o câmbio, a inflação de preços disparou para quase 20%.  À medida que o poder de compra dos cidadãos da Islândia diminuía, eles sentiam que sua segurança financeira estava piorando.  Mas isso não era aparente para o resto do mundo, cujos observadores estavam fixados nos indicadores nominais da economia da Islândia.  Em seu ponto mais baixo, alcançado no quarto trimestre de 2010, a renda da Islândia ajustada pela inflação de preços havia caído 35%.

Já na Irlanda, este declínio foi sensivelmente mitigado pela deflação de preços de 6% ocorrida.  À medida que os preços domésticos caíam, foi se tornando mais fácil para os cidadãos da Irlanda continuar sobrevivendo com uma renda nominal declinante.  Em seu pior momento, a economia da Irlanda caiu 10% em termos reais.

Isso parece sugerir que a Irlanda recorreu a uma solução melhor ao não implantar uma política monetária inflacionista.  Já outros irão notar, no entanto, que a recuperação da Islândia desde 2010 tem sido bastante robusta.

Com efeito, se analisarmos a queda na taxa de emprego (atenção: taxa de emprego e não de desemprego) em ambos os países, é natural que sintamos mais comiseração pelas massas de desempregados irlandeses.
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Gráfico 3: Taxa de Emprego (2008 = 1) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Porém, se analisarmos mais profundamente, as coisas não são exatamente como o gráfico acima sugere.  Por causa da inflação de preços maior, vários cidadãos da Islândia têm de trabalhar em dois empregos para chegar até o fim do mês.  Este efeito foi se tornando cada vez mais pronunciado ao longo da recessão à medida que a inflação de preços ia tornando mais difícil a sobrevivência com apenas um salário.  Como consequência, vários islandeses que perderam um de seus dois empregos durante a recessão não aparecem nas estatísticas de desemprego, pois eles mantiveram o outro emprego. 

Já na Irlanda, a situação é outra.  E mais confortável.  Além do fato de um emprego por pessoa continuar sendo a norma, a deflação de preços tornou mais fácil para uma pessoa empregada manter seu padrão de vida à medida que a recessão continuava.

Uma maneira mais acurada de mensurar a situação do emprego em ambos os países é analisar a evolução das horas trabalhadas em um ano.
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Gráfico 4: Horas anuais trabalhadas (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
Este gráfico permite ver como a situação se inverte.  No auge da recessão, em 2010, o número de horas trabalhadas pelo cidadão da Islândia havia caído 6%, ao passo que, na Irlanda, a queda foi de apenas 3,5% — quase a metade.

Conclusão

Ambos os países ainda têm problemas.  Os controles de capital adotados pela Islândia notavelmente estão afetando os investimentos, que são extremamente necessários.  Já a Irlanda está sufocada por uma enorme dívida pública gerada pelo socorro dado pelo governo aos bancos.  O fardo da dívida está impedindo sua recuperação.  Uma coisa, no entanto, é clara: os efeitos da política monetária são nítidos e os supostos benefícios da política inflacionária adotada pela Islândia foram contrabalançados pela inflação de preços que ela causou.

Jamais deixe que uma crise passe em branco; aprenda algo com ela.  Como a história destes dois países demonstra, inflacionar uma moeda pode dar a aparência de recuperação, mas a realidade é bem menos rósea do que supõem os inflacionistas.

Fonte: Instituto Mises Brasil

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