Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Clima muda e projetos levam choque de realidade


Mais do que preocupação ecológica, alteração trata-se de uma estratégia de sobrevivência para alguns setores. Foto: Divulgação

Mudanças climáticas alteram os processos produtivos e passam a fazer parte dos planejamentos estratégicos

Em 2005, o economista britânico Sir Nicholas Stern recebeu do governo de seu país a missão de preparar um estudo sobre o custo do aquecimento global. Divulgado no ano seguinte, o relatório estimava em 1% do Produto Interno Bruto mundial o investimento anual necessário para evitar uma perda que poderia alcançar 20% do PIB até 2050, caso nada fosse feito. Desde então, as projeções econômicas relacionadas à mudança climática vêm se acumulando - o próprio Stern admitiu que seu cálculo inicial era conservador - e o tema ganha cada vez mais espaço no universo corporativo. Mais do que apenas reduzir suas emissões de carbono, companhias brasileiras estão adaptando o planejamento estratégico e até o processo produtivo para manter a competitividade num cenário de incerteza climática.

Empresa resultante da fusão entre Aracruz e Votorantim Celulose, em 2008, a brasileira Fibria já desenvolve clones de eucalipto geneticamente alterados para suportar extremos climáticos de temperatura e umidade. Em dois centros de pesquisa da companhia, situados em Aracruz (ES) e Jacareí (SP), equipes de cientistas buscam entender a interação entre o material genético dos eucaliptos (usados na produção de celulose) e o meio ambiente. "São mudas que não necessariamente serão plantadas em escala comercial", explica Robert Cardoso Sartório, gerente de Manejo Florestal e Recursos Naturais do Centro de Tecnologia da Fibria.

A empresa conta com 45 estações meteorológicas com sensores específicos para medições climáticas, de carbono e água, entre outros fatores. "Nosso objetivo é, ao perceber qualquer mudança climática, começar a sugerir um determinado material genético", esclarece Sartório. Para além da questão da mudança climática, a criação de clones com maior tolerância ao estresse térmico e hídrico pode, também, permitir à Fibria estender o plantio de eucalipto a outras áreas onde este tipo de cultura não era viável por conta de fatores climáticos.

No cenário corporativo, as intervenções para reduzir impactos da produção sobre o clima (mitigação) são combinadas a ações de adaptação, que incluem, por exemplo, a redução no consumo de água. "Vinte anos atrás, gastávamos cem litros de água para cada quilo de tecido beneficiado. Hoje, é possível usar dez litros", conta Rafael Cervone, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Naturalmente, as alterações no processo produtivo tiveram outras razões - econômicas - além da preocupação ambiental. Na indústria têxtil, os custos com água e energia elétrica são muito relevantes. "Quem não fez isso quebrou", diz Cervone, referindo-se à redução drástica no consumo de água e à aquisição de máquinas mais energeticamente eficientes.

Coordenador de projetos do Programa de Política e Economia Ambiental, da Fundação Getúlio Vargas, Alexandre Gross reconhece que a adaptação é tema recente nas empresas, em grande parte pela dificuldade de mensurar como as mudanças climáticas irão afetar os negócios delas. "A primeira e a mais importante prova de que o setor empresarial entrou na fase de adaptação é o fato de ter incorporado a mudança climática como um novo risco, na tomada de decisão", resume. De fato, grandes companhias como Vale e Fibria incluíram o tema em seu planejamento estratégico.

Com variações e catástrofes climáticas cada vez mais difíceis de prever, o setor de seguros busca informações para conseguir precificar o impacto das mudanças sobre seus serviços. Apenas em 2013, os gastos decorrentes de desastres naturais alcançaram US$ 125 bilhões. Foram 880 catástrofes desse tipo no mundo - menos que em 2012, mas acima da medida da última década. Apesar de menos desastres, o número de mortes decorrentes de catástrofes naturais chegou a 20 mil, o dobro de 2012. "Temos um convênio praticamente assinado com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)", revela Solange Beatriz Palheiro Mendes, diretora executiva da CNseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização). "É uma parceria para desenvolver ações para redução dos efeitos dos desastres naturais."

Plástico ‘verde' e tênis que se torna adubo

Na indústria têxtil, os esforços de mitigação da mudança climática promoveram a chamada "reengenharia da roupa". Num estágio anterior, conta o presidente da Abit, Rafael Cervone, o segmento tinha a preocupação de que, ao ser descartada pelo consumidor, a peça de roupa gerasse a menor quantidade possível de resíduos. Atualmente, a concepção da roupa é feita de modo que a peça não seja descartada numa lata de lixo. Como exemplo, Cervone cita um tênis - desenvolvido por uma grande fabricante - que pode ser jogado fora no quintal de casa: após três semanas no meio ambiente o produto se decompõe.

O desenvolvimento de um produto ambientalmente correto também levou a Braskem a trilhar o caminho da inovação. A petroquímica desenvolveu um plástico (polietileno ou PE) verde, a partir de uma fonte renovável: o etanol (álcool) de cana de açúcar. "A partir de 2010, a utilização de matérias primas renováveis na planta de PE Verde promoveu a captura de cerca de 500 mil toneladas de CO2 ao ano, o equivalente ao plantio de 3,5 milhões de árvores por ano", informa Alexandre Elias, diretor de Químicos Renováveis da Braskem.

Em 2013, a companhia fechou um acordo com a Genomatica, empresa americana de biotecnologia, para o desenvolvimento de uma nova tecnologia para a produção de butadieno (produto químico usado na fabricação da borracha sintética) utilizando o açúcar como matéria-prima.

Aquecimento global irá alterar equilíbrio de preços da economia, afirma economista

Longe do tom apocalíptico que com frequência permeia as discussões sobre mudança climática, o economista Sergio Besserman Vianna acredita que, cedo ou tarde, haverá uma acordo global em torno da redução das emissões de gases do efeito estufa. A questão é que, quanto mais tempo o pacto demorar a ser firmado, mais dispendiosa será a adaptação. "Por inércia, já contratamos um aumento de 2°C da temperatura média global até o fim do século", afirma Besserman, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro, referindo-se à situação global.

Em termos econômicos, a principal consequência do aquecimento global será uma mudança nos preços relativos: "Tudo que emite gases do efeito estufa vai ficar mais caro, no contexto de um acordo climático para evitar o pior cenário", avalia ele. Esse encarecimento inviabilizaria, por exemplo, atividades como a pecuária extensiva. "O coeficiente de emissão de gases do efeito estufa, por quilo de carne, é extremamente elevado. Se o custo da emissão de metano for adicionado ao preço da carne, ela vai virar produto de luxo", justifica o ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A saída seria associar a pecuária extensiva a outras atividades mais limpas. 
Besserman lembra que, com a mudança climática, as séries históricas de dados terão pouca utilidade para projeções relacionadas ao clima , essenciais para a agricultura e a geração hidrelétrica. "Qual a capacidade de geração firme de Belo Monte? Ninguém pode dizer com certeza", diz. "Sobre mudança climática, a única coisa previsível é que já entramos no terreno do imprevisível."

Sócio da PricewaterhouseCoopers Brasil e líder da área de Sustentabilidade, Carlos Rossin adverte que, para mensurar adequadamente os impactos do clima nos negócios, as empresas precisam levar em consideração toda a cadeia produtiva. "O importante é ter uma visão integrada. Senão, quando a mudança vier com força total, a empresa não terá como se reconfigurar para fazer a adaptação", afirma. Para Rossi, segmentos que dependem diretamente do clima, como o agronegócio, estão bastante avançados no que diz respeito à adaptação. "O problema é saber se os outros setores que fazem parte dessa cadeia estão conversando entre si ou não", conclui o executivo.

Fonte: Brasil Econômico

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