Uma mulher olha uma vitrine em Buenos Aires. A inflação na Argentina vem ganhando fôlego nos últimos meses |
Uma resignada teoria circula atualmente nos cafés e nos churrascos de quintal em Buenos Aires: a Argentina está destinada a sofrer uma crise econômica a cada década e não há muito o que fazer a respeito.
"Sempre tivemos instabilidade", diz David Gambarin, um afável corretor de imóveis que, aos 90 anos, ainda coloca um terno e vai para seu escritório no centro da capital. "Os argentinos são assim. Assim somos."
Cerca de uma década após a crise econômica de 2001, a Argentina está à beira de um novo colapso. O peso despencou em janeiro e economistas dizem que uma combinação de inflação e recessão provavelmente está a caminho. Açougues e lojas já estão aumentando preços. Para segurar a inflação, a presidente Cristina Kirchner está restringindo o acesso a dólares e ameaçando fechar lojas, mas economistas observam que essas táticas falharam no passado.
Assim como outros, Gambarin está vendo as turbulências com resignação. Ele imigrou da Rússia ainda pequeno e passou por cinco golpes políticos. Seus dois filhos vivenciaram uma ditadura militar, colapsos bancários e, na década de 80, uma inflação que aumentava tão rapidamente que os consumidores corriam para os caixas dos supermercados antes que os preços fossem remarcados. A crise de agora será a segunda desde que os quatro netos de Gambarin se tornaram adultos.
"Parece que estamos fazendo todo o possível para cumprir a profecia de uma crise interminável", diz Rodolfo Cohan, que tem 64 anos e é cunhado de Gambarin, tomando café em seu apartamento em Belgrano, um bairro de classe média.
Na década de 40, o presidente Juan Perón interrompeu o comércio da Argentina com o resto do mundo. Nos anos 60, o país passou por estagnação, inflação e golpes militares. Em 1975, 1981 e 1989, planos econômicos fracassados causaram a desvalorização da moeda, tal como ocorreu no Brasil nos anos 80. A crise mais recente se deu em 2001, quando a Argentina declarou moratória de cerca de US$ 100 bilhões em títulos da sua dívida soberana. A moratória — a maior do mundo na época — atingiu os bancos argentinos, a moeda e o governo.
Os economistas classificam a Argentina como um "mercado emergente", mas a economia do país, que depende de commodities como carne e soja, está em declínio há um século. Em 1910, a Argentina era um dos dez países mais ricos do mundo. Hoje, sua renda per capita não chega à metade da americana.
Há pouca discussão sobre as causas dos contínuos problemas financeiros da Argentina: "Mau governo", diz a economista Marina Dal Poggetto, sócia da consultoria Estudio Bein, em Buenos Aires.
Durante décadas, líderes argentinos gastaram demais durante os anos de abundância e não economizaram o bastante para os períodos de vacas magras. Para prolongar os bons momentos, os governos fizeram dívidas volumosas ou simplesmente imprimiram mais dinheiro. O resultado foram surtos de inflação, desvalorização da moeda, colapsos bancários ... e coisas piores.
A parede atrás da mesa de Dal Poggetto está coberta por molduras de notas e mais notas de dinheiro que caíram em desuso depois de vários planos econômicos fracassados. A Argentina já cortou 13 zeros do seu dinheiro desde 1969. Em 1991, por exemplo, a cédula de 10.000 austrais foi substituída pela nota de um peso. Hoje, essa mesma nota vale 9 centavos de peso.
Membros da classe média e da elite argentina há muito tempo seguem a prática de guardar dólares para o caso de um colapso do peso. O governo estima que os argentinos têm US$ 160 bilhões escondidos em cofres domésticos ou contas bancárias fora do país. Hoje, cambistas que vendem dólares ilegalmente, os chamados "arbolitos", podem ser encontrados por toda parte em Buenos Aires.
Para os argentinos mais pobres, as crises podem ser verdadeiras calamidades. Com pouco acesso a dólares, os pobres assistem, impotentes, à inflação corroer o valor de seus salários, tornando-os incapazes de comprar comida. Multidões saquearam supermercados argentinos durante as crises de 1989 e 2001.
Gambarin, que iniciou sua carreira na época em que Perón assumiu o poder, diz que teve que usar a cabeça para tocar uma agência imobiliária durante uma vida inteira de turbulência. A filha de Gambarin, Nilta, e o cunhado, Cohan, começaram a vida de casados no início de um dos períodos mais sombrios na Argentina, a "Guerra Suja", de 1976 a 1983, quando entre 10.000 e 30.000 pessoas foram mortas, a maioria pelos serviços de segurança do Estado.
O primeiro filho do casal nasceu em 1975, o ano do "Rodrigazo" — uma desvalorização brusca da moeda batizada com o nome do ministro da Economia, Celestino Rodrigo. A medida dizimou poupanças e salários e produziu uma inflação de 35% ao mês. O segundo filho do casal nasceu no ano seguinte, quando os militares derrubaram o governo e impuseram uma violenta ditadura. O terceiro filho chegou em 1982, ano em que a Argentina entrou em guerra com o Reino Unido pela posse das ilhas Malvinas — o que muitos acreditam ter sido uma tentativa de desviar a atenção dos argentinos de sua economia em ruínas.
Agora, uma nova geração está amadurecendo em meio a mais agitações. "Crises estão no DNA da Argentina", diz o terceiro filho de Cohan, Luciano.
Crises também fazem parte do currículo escolar. Quando Luciano estudou economia na Universidade de Buenos Aires, um dos principais professores da instituição era o economista Axel Kicillof, cuja dissertação de doutorado foi uma análise marxista das ideias do economista britânico John Maynard Keynes.
Hoje, Kicillof é o ministro da Fazenda da Argentina, a mente por trás das estatizações e de quanto o governo paga por elas, assim como dos controles cambiais e de importação.
Luciano diz não acreditar mais nas teorias de Kicillof — ou nas estatísticas do governo. O governo da Argentina afirma que a inflação foi de 10,9% em 2013. Luciano, que hoje também é economista, pesquisou milhares de preços de varejistas on-line para chegar à sua própria estimativa: em torno de 29%.
Na melhor das hipóteses, diz ele, a inflação vai aumentar para 35% ou 40% este ano e a economia vai estagnar. "O pior cenário é difícil de expressar em palavras", diz.
David Gambarin, o patriarca da família, diz que já sabe o que vai acontecer: "Nada. Nada vai acontecer", diz. "Estamos acostumados aqui. A cada quatro ou cinco anos, as coisas são destruídas. Depois já vem um outro que promete o ouro, que vai consertar a Argentina. Mas tudo continuará igual."
Fonte: The Wall Street Journal
Nenhum comentário:
Postar um comentário