O governo argentino está reduzindo o fluxo de dólares para empresas de importação devido à crise de liquidez que o país enfrenta, segundo importadores e operadores da bolsa de Buenos Aires, ao mesmo tempo em que aumenta a pressão sobre os agricultores para exportar mais soja, o produto mais lucrativo da safra argentina.
As medidas foram tomadas num momento em que o governo tenta agir rapidamente para encontrar formas de estancar o sangramento das reservas em moeda estrangeira, usadas para pagar dívidas, importar combustíveis e financiar os gastos do governo.
O banco central da Argentina começou esta semana a recusar pedidos de compra de dólares de um número grande de empresas que precisam da moeda americana para pagar suas importações, de acordo com operadores de câmbio e funcionários de companhias a par do assunto.
Empresários e economistas dizem que é provável que a situação continue até março, quando agricultores começarão a exportar a safra de soja deste ano, que deve render ao país até US$ 29 bilhões.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner. O país tem enfrentado forte queda das suas reservas cambiais. European Pressphoto Agency |
Depois que o governo da presidente Cristina Kirchner foi forçado a desvalorizar o peso, no mês passado, o banco central começou a queimar reservas para sustentar a moeda e vender dólares aos argentinos sob um regime cambial mais flexível. Só no mês passado, o banco central perdeu US$ 2,6 bilhões em reservas. Após um pico de US$ 52,6 bilhões em janeiro de 2011, as reservas caíram para US$ 28 bilhões na segunda-feira.
Operadores de câmbio disseram que o banco central começou a negar pedidos de importadores que queriam comprar mais de US$ 300.000, exceto nos caos em que eles também exportassem produtos de valor semelhante.
"Isso está surtindo efeito", disse um operador de câmbio. "São 12h25 e ainda não houve uma única transação hoje."
Juan Bour, economista da Fundação para a Pesquisa Econômica, de Buenos Aires, diz que parece que o banco central está tentando reduzir o fluxo de dólares, enquanto aguarda por um plano abrangente do Ministério da Fazenda para lidar com os problemas econômicos da Argentina, inclusive o rápido crescimento da inflação e o risco de a economia entrar em recessão este ano.
Ele diz que a opção que está sendo apresentada aos importadores é buscar crédito no mercado internacional.
"O plano é tentar reduzir as vendas do banco para os importadores; esse é o objetivo", diz Bour. "Isso pode ter um efeito inicial. Alguns importadores vão pedir crédito no exterior, mas os preços aqui vão subir."
Numa reunião ocorrida na semana passada, o governo pediu aos principais importadores do país que tentassem obter financiamento no exterior para pagar as importações ou que atrasassem esses pagamentos por até seis meses, de acordo com um executivo do setor automobilístico a par do pedido.
As medidas do banco central reduziram a saída de reservas esta semana. O banco vendeu US$ 97 milhões na segunda-feira e US$ 95 milhões na terça.
Na semana passada, o banco havia queimado quase US$ 1 bilhão em reservas.
As novas medidas reduziram o volume do mercado de câmbio para US$ 126 milhões na terça-feira, comparado a US$ 222 milhões uma semana antes, de acordo com um relatório do ABC Mercado de Cambios, que vende moedas usadas em operações de comércio exterior. Em 24 de janeiro, o volume chegou a US$ 328 milhões.
Um problema potencial, no entanto, é que os pedidos de compra de dólares estão começando a se acumular.
"É difícil saber de quanto estamos falando aqui, mas uma estimativa aproximada poderia ser US$ 400 milhões", diz outro operador.
"O que os importadores podem fazer se não puderem pagar por suas importações?", pergunta o operador. "O que vão fazer? Eles têm contratos a pagar. Esses pedidos de dólares vão se acumular."
Os economistas dizem que o governo está tentando ganhar tempo até março, quando se espera que os dólares das exportações de soja aliviem a pressão sobre o mercado cambial e ajudem a atender a demanda pela moeda. Colaboradores mais próximos de Kirchner, no entanto, vêm pressionando os agricultores a vender a soja armazenada o mais rapidamente possível.
Os agricultores têm em estoque cerca de 4,6 milhões de toneladas de soja, comparado a 3,9 milhões de toneladas no mesmo período do ano passado, diz Juan Morelli, analista de mercados agrícolas da negociadora de commodities Futuros y Opciones.com SA. Analistas, como Bour, dizem que, se a soja armazenada for vendida, cerca de US$ 3 bilhões entrariam no país.
Na terça-feira, o chefe de gabinete Jorge Capitanich disse que os agricultores se beneficiaram de uma série de incentivos fiscais e programas de empréstimos e que era um dever exportar a soja que ainda não foi vendida. Capitanich acusou os fazendeiros de "ganância e especulação" e disse que o governo estava considerando restrições mais rígidas para o setor de grãos.
Apesar disso, os agricultores não estão ansiosos para vender. A desvalorização cambial recente da Argentina, combinada a uma inflação alta, tem desencorajado muitos a se desfazer de seus estoques. As exportações levam dólares à Argentina, mas os agricultores são pagos em pesos, que têm perdido valor.
"Este é um país livre e vamos vender quando acreditarmos que é oportuno fazê-lo", disse num comunicado Pedro Apaolaza, vice-presidente da Confederação Argentina Rural, que reúne produtores.
Os desafios enfrentados pelos agricultores estão refletidos na experiência do agricultor Julio Curràs, cuja família tem fazendas e ranchos no cinturão agrícola no interior de Buenos Aires.
Ele teve que vender a colheita da temporada passada para pagar as contas. Mas preocupado com a incerteza do peso, diz, quer adiar a venda da colheita de soja deste ano.
"Quem puder adiar, vai", diz.
Fonte: The Wall Street Journal
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