Desafio. Qualquer avanço no Produto Interno Bruto acima de 1,2% a 1,4% ao ano dependerá dos ganhos de produtividade, afetada pelo baixo nível de investimentos, infraestrutura precária e má qualificação do trabalhador, aponta estudo do Ibre/FGV.
Um cliente atento do restaurante vegetariano Green, no centro do Rio, tem a impressão de haver ali certo desperdício. O atendimento não pode ser considerado bom e, no horário do almoço de um dia chuvoso do fim de novembro, as seis garçonetes a circular pelo salão quase lotado passavam uma imagem de ociosidade. A poucas quadras dali, numa das filiais do McDonald's, não é incomum, também em horário de almoço, o mau atendimento redundar em filas, transformando a experiência de fast-food em lentidão. Os dois casos ilustram o maior desafio da economia brasileira hoje: aumentar a produtividade.
Segundo o economista David Kupfer, do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ, há consenso entre especialistas sobre a necessidade de elevar a produtividade. Pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) traduziram esse desafio em números: somente com uma alta média de 3% ao ano na produtividade do trabalho será possível a economia crescer na casa de 4% ao ano, de 2012 a 2022, segundo estudo de Régis Bonelli e Júlia Fontes, que ilustra o livro Ensaios Ibre de Economia Brasileira.
Qualquer avanço no PIB acima de 1,2% a 1,4% ao ano dependerá dos ganhos de produtividade. "O ganho de importância da produtividade é muito claro. E isso é especialmente grave porque o Brasil não está tendo ganhos elevados de produtividade nos últimos tempos", diz Bonelli.
Por trás disso estão o baixo nível de investimentos, a infraestrutura precária e a má qualificação do trabalhador. "Os jovens vêm despreparados e é preciso ensinar, mas há falta de interesse deles", diz Dóris Luduvice, sócia do restaurante Green, lamentando o fato de a maioria dos empregados morar longe e não ter oportunidade de estudar.
De acordo com o estudo do Ibre/FGV, boa parte do baixo crescimento da produtividade está relacionada ao peso dos serviços na economia. De 2000 a 2012, a produtividade nos serviços cresceu apenas 0,3% ao ano, abaixo da média de todos os setores, que é de 0,9%.
Como os serviços empregam muita mão de obra, é mais difícil esse avanço aumentar a produtividade na economia como um todo. Nesses negócios, produtividade depende mais de mão de obra qualificada e de sistemas de gestão do que de investimentos em maquinário.
Gestão. Nos restaurantes, o modelo a quilo representa um ganho, lembra Bonelli. Contudo, depois de dar o salto, somente o aprimoramento da gestão permitirá novos avanços. Isso ocorreu nos cinemas multiplex. Neles, ao contrário dos cinemas de rua, a bilheteria informatizada, que atende a várias salas num só local, e a projeção digital permitem ter menos empregados.
Segundo o presidente da rede Cinemark, Marcelo Bertini, a produtividade está na digitalização dos projetores e na alocação do número de horas de trabalho por empregado em cada atividade. A rigidez das leis trabalhistas é o principal entrave. "Nos EUA, você estabelece uma grade horária para os colaboradores bastante flexível", compara Bertini. "Aqui, uma vez contratado para tais dias e horários, não pode mudar."
Para o economista Naércio Menezes Filho, professor do Insper, a baixa produtividade está relacionada também à precariedade na gestão das empresas em geral e ao baixo investimento em inovação. Um estudo publicado em 2010 na revista da Associação Econômica Americana coloca Brasil, Índia e China no fim de um ranking de 17 países em termos de práticas de gestão.
Na visão de Menezes Filho, má gestão e baixo investimento são fruto do baixo nível de competição no Brasil. "A empresa que não tiver crescimento na produtividade nos Estados Unidos é expulsa do mercado."
Para Kupfer, da UFRJ, não necessariamente a eliminação "darwinista" das firmas ineficientes elevaria a produtividade. Dependendo do caso, como na abertura da economia brasileira nos anos 90, o resultado pode ser o oposto.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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