Um dia após ter aberto uma zona de livre comércio em Xangai, classificada como um marco para uma mudança econômica, o governo chinês anunciou aproximadamente 200 restrições ao investimento estrangeiro, o que deve tornar o projeto bem menos atraente às empresas globais.
A lista, publicada ontem no site da prefeitura de Xangai, tem dez páginas e delimita o investimento estrangeiro de uma série de setores, incluindo o financeiro, o imobiliário, o de entretenimento e o de mídia. Executivos de bancos e acadêmicos disseram que a ampla gama de restrições reflete a indecisão das agências chinesas sobre com que amplitude e velocidade devem abrir setores protegidos à concorrência estrangeira.
A relutância do governo em liberar totalmente a zona de livre comércio, que cobre 29 quilômetros quadrados, mostra também as dificuldades da liderança chinesa para montar uma estratégia nacional de reforma econômica, que supostamente será revelada em novembro na tão aguardada reunião do Partido Comunista, em Pequim.
"A lista deixa claro que o progresso no setor financeiro e nas outras reformas será lento e conflituoso, mesmo nesse ambiente controlado", disse Eswar Prasad, acadêmico da Universidade Cornell especializado na China. Ele disse que a reunião do partido vai provavelmente gerar "um forte compromisso com a agenda da reforma, mas um movimento lento, controlado e calibrado para reformas reais".
A zona de livre comércio, formalmente chamada de Zona Piloto de Livre Comércio da China (Xangai), foi aprovada originalmente em julho. Na sexta-feira à tarde, o governo divulgou a plano geral para a liberalização de uma série de setores e, no domingo, inaugurou formalmente a zona. Ontem, o governo divulgou a chamada lista negativa — as áreas que ficam de fora do investimento estrangeiro.
O uso da lista negativa tem sido apontado por muitos analistas como uma mudança importante na política chinesa. A ideia é que qualquer coisa que não fosse especificamente proibido seria permitida, em vez de obrigar as empresas a obter uma autorização específica. A mudança, em teoria, limitará o poder dos reguladores da China, que muitas vezes tentam proteger o poder de empresas estatais em indústrias como energia, telecomunicações e finanças.
Bo Chen, economista da Faculdade de Finanças e Economia de Xangai e também consultor do governo local para a zona de livre comércio, disse que a lista foi elaborada de forma a dar aos burocratas uma ampla latitude na aplicação das restrições.
A lista vale somente até o fim deste ano e autoridades disseram que ela será revisada em 2014, dando ao governo a oportunidade de reduzi-la. Mas autoridades envolvidas na zona de livre comércio disseram que o escopo das restrições reflete a luta dos reguladores para limitar o alcance da iniciativa e não está claro como essas batalhas serão resolvidas.
Embora o segundo principal líder da China, o premier Li Keqiang, tenha promovido a zona de livre comércio com veemência, a maior autoridade presente durante a cerimônia de abertura, no domingo, foi o ministro do Comércio, uma indicação de que a zona livre "ainda é controversa entre os políticos", disse um analista do Bank of America BAC +0.76% .
O conceito de lista negativa está também no centro das negociações entre os Estados Unidos e a China sobre um tratado de investimento entre as duas nações. O "toma lá dá cá" também pode levar Pequim a reduzir o número de exceções. Os dois países concordaram, numa reunião em julho, em fazer outra tentativa para um acordo de investimento depois de anos de negociações em grande parte infrutíferas.
O site central do governo chinês afirmou ontem que, dos 1.069 setores da economia, menos de 20% eram sujeitos a restrições e que a lista seria ajustada no futuro. "A partir de uma análise detalhada das indústrias presentes na lista negativa para a zona piloto de livre comércio, está claro que a China está sendo sincera no que se refere à abertura ao investimento estrangeiro", disse o comunicado.
A zona oferece a bancos totalmente estrangeiros a oportunidade de se estabelecer na China, com o Citigroup C +1.20% e o Banco de Desenvolvimento de Cingapura sendo os primeiros a receber a aprovação para atuar na área. Eles esperam ter mais liberdade para fixar taxas de juros e lidar com câmbio do que os outros bancos situados na China, embora detalhes ainda precisem ser anunciados.
Mas bancos de investimento, firmas financeiras e fundos fiduciárias serão limitados, disse a lista, sem dar mais detalhes — indicando que a zona de livre comércio pode não oferecer às companhias estrangeiras uma entrada propícia no restrito sistema financeiro da China.
O DBS Group Holdings Ltd., D05.SG +0.06% controlador do Banco de Desenvolvimento de Cingapura, sinalizou que está buscando oportunidades incrementais nas áreas de gestão de recursos, mercado de dívida e proteção contra movimentos das taxas de juro.
"Esperamos estar prontos em seis meses", disse Neil Ge, executivo-chefe do DBS Bank China, a repórteres ontem. "Antes de começarmos oficialmente, temos de passar por uma fiscalização dos reguladores."
Participações estrangeiras em seguradoras são limitadas a não mais que 50% e em empresas de valores mobiliários, a não mais que 49%. Investidores qualificados poderão ter suas próprias empresas de empréstimos de pequeno porte e firmas de garantias financeiras, embora estes sejam geralmente pequenos negócios na China. Os estrangeiros poderão investir em empresas de leasing, sujeitos a um valor mínimo de US$ 5 milhões, entre outras condições.
Investimentos estrangeiros em imóveis — incluindo escritórios, hotéis e centros de convenção — serão limitados, assim como em telecomunicações e radiodifusão. Já investimentos em mídia e publicações, serviços de jogos on-line e portais de notícia serão totalmente proibidos. O investimento em cinema, filme e produções de TV cai na categoria "limitada". Montadoras internacionais ainda não estão autorizadas a ter mais do que 50% de participação em qualquer sociedade.
Analistas dizem que as autoridades estão tentando impedir que a zona se torne um jogo imobiliário, observando que a lista inclui a proibição total de empresas estrangeiras na construção de moradias na área. Eles dizem ainda a maioria das incorporadoras nacionais também não estariam interessadas nesse tipo de negócio.
"Em resumo: o governo quer evitar a especulação imobiliária e do mercado de terras", disse Frank Chen, diretor executivo para a China da firma de consultoria imobiliária CBRE Research. "Depois do anúncio da zona de livre comércio, os preços dos imóveis na área ao redor começaram a subir. Eles têm de reprimir a especulação."
Fonte: The Wall Street Journal
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