Em seu novo livro, "O mapa e o território", Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, vai à caça do que deu errado na política e na economia dos Estados Unidos. Ele não culpa o atual governo pela divisão partidária de hoje. O culpado? "São os benefícios", diz ele, apontando para as divergências entre membros dos partidos republicano e democrata sobre como lidar com o aumento dos benefícios governamentais.
No livro, lançado na terça-feira nos Estados Unidos, ele também reflete sobre por que o Fed não conseguiu prever a crise financeira, onde ele próprio errou e como essa descoberta mudou completamente sua visão de mundo. No Brasil, o livro está com lançamento marcado para 5 de novembro pela editora Portfolio-Penguin.
A maior revelação de Greenspan ocorreu um dia, há cerca de um ano, quando estava examinando os números brutos da poupança interna. O que ele descobriu, para sua surpresa e ceticismo inicial, foi que o aumento nos subsídios correspondia a um declínio no total de poupança do país. "Tivemos esse aumento extraordinário dos benefícios, com cada partido tentando superar o outro", diz ele. "Essa prática vem corroendo o fluxo da poupança do país, que é tão importante para financiar nossos investimentos de capital." O declínio da poupança foi parcialmente compensado por empréstimos no exterior, o que levou o país à atual dívida externa: "US$ 5 trilhões, e aumentando", diz ele.
Greenspan disse que está perplexo com toda a culpa que foi jogada em cima dele. Desde a recessão, os críticos vêm dizendo que o aumento da oferta de dinheiro e o juro baixo durante o seu mandato no Fed, de 1987 a 2006, levou a bolhas nos investimentos. Greenspan, de 87 anos, ouviu pela primeira vez essa teoria, diz ele, em 2007, quando John Taylor, professor de economia da Universidade de Stanford, que já foi consultor do partido republicano, fez a conexão entre o dinheiro fácil e a bolha imobiliária. "Aquilo não tinha absolutamente nada a ver com a bolha imobiliária", diz ele. "Isso é ridículo."
Em vez disso, ele disse que a declaração de Taylor "serviu a muitos propósitos políticos de pessoas que vêm atacando o Fed" de ambos os partidos. Greenspan escreveu uma resposta em um artigo para a Instituição Brookings, rebatendo os argumentos de Taylor, um por um. "Eu pensei, isso iria matar [a acusação]", lembra ele. "Não matou, porque ninguém leu o artigo."
Greenspan disse que não insistiu no assunto porque Taylor é seu amigo, mas ele não tinha imaginado que a ideia de Taylor iria tão longe. "O problema desse argumento, infelizmente, é que não há provas de que tenha acontecido, mas ele ganhou a batalha, e o seu ponto de vista se tornou o consenso", diz ele.
Taylor continua defendendo o artigo onde apresentou a ideia. "O artigo forneceu provas empíricas (...) de que as taxas de juros excepcionalmente baixas fixadas pelo Fed em 2003-2005, em comparação com as decisões políticas dos vinte anos anteriores, exacerbaram o boom imobiliário", ele escreveu num e-mail. Outros economistas corroboram as constatações, acrescentou ele, e "os resultados são bastante robustos".
Essa divergência é agora o motivo central de um prolongado debate entre os economistas, mesmo dentro do Fed, que ainda não foi resolvido.
"Eu sempre me considerei mais um matemático do que um psicólogo", diz Greenspan. Mas depois que o modelo do Fed não conseguiu prever a crise financeira, ele percebeu que há mais elementos numa previsão do que apenas os números. "Tudo se desfez", no sentido de que o problema não foi captado por um único economista ou instituição de renome que costuma fazer previsões, diz ele. "O Federal Reserve tem o modelo econométrico mais elaborado, que incorpora todos os modelos ultramodernos de como o mundo funciona — e [mesmo assim] deixou escapar completamente." Ele diz que o banco J.P. Morgan tinha feito uma previsão três dias antes da crise dizendo que a economia estava em ascensão. E já em 2007 o Fundo Monetário Internacional também disse que o risco global estava declinando. "Poucos dias [depois que a crise bateu], eu me deparei com um artigo intitulado: 'Nós, economistas, sabemos alguma coisa? '", diz ele.
Greenspan decidiu encontrar o seu ponto cego, passo a passo. Primeiro, chegou à conclusão de que antes da crise o setor não financeiro da economia estava saudável. O problema estava nas finanças, devido à vulnerabilidade deste setor aos períodos de euforia e medo irracional. Estudar os resultados do "comportamento de rebanho" lhe deu algumas surpresas. "Fiquei totalmente espantado", diz ele. "Isso virou de cabeça para baixo a minha visão de como o mundo funciona."
Ele concluiu que o medo tem um efeito pelo menos três vezes maior que a euforia para gerar oscilações do mercado. "Eu não teria ousado escrever nada assim antes", diz ele.
Estudar as minúcias dos acontecimentos que levaram à crise financeira lhe trouxe à mente algumas lições da sua famosa amizade, que começou nos anos 50, com a filósofa do objetivismo Ayn Rand. Ele diz que Rand não o influenciou politicamente, já que ele sempre foi uma libertário, mas ela apontou tensões na filosofia dele sobre a vida. "Ela me pegou em contradições, o que me abalou, e eu disse: 'Meu Deus, ela tem razão", diz ele.
Greenspan então acreditava na análise baseada principalmente nas ciências exatas e nos fatos empíricos. Rand lhe disse que se ele não levasse em conta a natureza humana e o seu lado irracional, iria não iria entender "uma grande parte de como os seres humanos se comportam". Na época, eles não estavam discutindo economia, mas hoje ele percebe todo o impacto das emoções e dos instintos sobre os mercados. Ele também passou a admirar o trabalho de Daniel Kahneman, psicólogo e professor emérito da Universidade de Princeton, que aplicou teorias psicológicas à teoria econômica, ganhando com isso o Prêmio Nobel de 2002.
Greenspan não quer dizer se concorda com as decisões do atual presidente do Fed, Ben Bernanke, mas comenta as políticas mais amplas do Fed, que se tornaram mais agressivas desde o seu tempo no banco. "Não sou a favor da intervenção, porque os mercados funcionam e trabalham de forma eficiente, a menos que estejam quebrados", diz ele. Ele apoiou o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos, ou TARP, porque na época o mercado precisava de crédito governamental durante "a crise financeira mais debilitante que já tivemos". Mas, diz ele, "por fim, creio que eles ampliaram aquilo que fizeram muito além do que era necessário".
Fonte: The Wall Street Journal
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