Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Listas de espécies ameaçadas e licenciamento ambiental

Por Dr. Carvalho Junior

Tenho acompanhado de perto a análise do status de conservação dos mustelídeos na lista nacional de espécies ameaçadas de mamíferos, além da lista estadual de mamíferos ameaçados de Santa Catarina. No caso da lista nacional há que se reconhecer o esforço de se compilar informações disponíveis em torno de um trabalho minimamente coerente. Não deixa de ser algo pretensioso, dado o número de publicações científicas no Pais e a produtividades dos pesquisadores brasileiros. Apesar de que a produção científica nacional tem melhorado nos últimos anos, os números revelam que alguns setores específicos se destacam como medicina tropical e parasitologia e influenciam nessa produtividade.  

Com relação aos mustelídeos brasileiros a situação revela uma área de pesquisa com pouca efetividade, incentivo e investimento. As contradições são inúmeras, as incoerências se fazem presente a todo momento, a falta de números e a subjetividade ainda dominam o horizonte acadêmico nesse particular. Frente a tantas adversidades o ICMBio/CENAP merece apoio e aplausos, tentando dar significado a uma seara de dados, repleta de informações, muitas  vezes intuitivas e subjetivas. Vale ressaltar o esforço dos pesquisadores envolvidos em formatarem um documento que expresse da melhor forma possível a realidade. Não fosse a experiência dos envolvidos com certeza seria uma “missão impossível”.

Publicações a parte, ainda resta contextualizar a informação, interpretar os dados frente aos desafios colocados à nossa frente. Aquecimento global, elevação do nível do mar, desmatamento, buraco na camada de ozônio, são alguns exemplos. Se olharmos cuidadosamente o futuro que nos espreita podemos afirmar que estamos todos ameaçados, incluindo nós, humanos.  O problema é que os critérios de categorização de espécies ameaçadas não contemplam de forma satisfatória os problemas atuais.

Hoje, praticamente, 90% do bioma Mata Atlântica, em toda a extensão territorial brasileira, está totalmente destruído. Do que restou, acredita-se que 75% está sob risco de extinção total, necessitando de atitudes urgentes de órgãos mundiais de preservação ambiental, principalmente com relação às espécies que estão sendo eliminadas da natureza de forma acelerada. Os  teimosos remanescentes fragmentos de Mata Atlântica são encontrados principalmente nas Serras do Mar e da Mantiqueira, em áreas de relevo acidentado.

Segundo o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (http://www.forumclima.org.br/), durante o século 20, a temperatura global aumentou em cerca de 0.6%, as calotas polares diminuíram, o nível do mar subiu de 10 a 20 cm, e houveram mudanças significativas nos regimes de chuvas.  Para o século 21 prevê-se que a temperatura média global subirá de 1.4 a 5.8 graus Celsius, que o nível do mar deverá subir de 9 a 88 cm, e eventos meteorológicos extremos devem ser esperados com mais frequência. Lembram do furacão Catarina?

Estas alterações deverão provocar sérias consequências nos sistemas físicos e biológicos. Os ecossistemas possuem limites para se adaptar a estas mudanças, portanto,  sérios impactos podem ser esperados na composição da biodiversidade. Relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), divulgado agora em novembro de 2011, atenta para o fato da necessidade de criação de mecanismos de adaptação aos eventos extremos (http://www.ipcc.ch/index.htm) que devem ser esperados para as próximas décadas.  Dentro desse cenário o Banco Mundial alerta que a Amazônia pode se tornar uma savana. Uma savana!

Paralelo a tudo isso, a nova proposta de mudança do Código Florestal, em vias de ser aprovada no Congresso, pretende diminuir significativamente as larguras mínimas de proteção ao longo dos corpos de água. Pensando bem, não tem muito que diminuir, pois quase não sobrou nada mesmo.  Trabalhos realizados pelo Instituto Ekko Brasil nos últimos anos, nas duas principais bacias hidrográficas catarinense, a do Rio Itajaí e a do Rio Uruguai, mostram que restou apenas cerca de 20% de cobertura florestal em zona de APP, ao longo dos principais rios.
Parece claro que o modelo atual precisa ser repensado frente às ameaças e desafios que temos pela frente. Antigamente um grupo de pesquisadores podia se reunir a portas fechadas e tomar decisões alheias ao público. Atualmente, as ONGs, as redes sociais, a internet, a informação que viaja à velocidade da luz, democratizou o processo e as coisas não podem mais serem feitas a revelia da sociedade. O principal stakeholder disso tudo é o cidadão e esse nem sonha do que se trata, do que seja uma lista de espécie ameaçada, não participa, ou melhor, não existem mecanismos que incentivem ou garantam essa participação.

Fica a pergunta: para que serve uma lista de espécie ameaçada? Para implementar políticas públicas? Para dizer que tem? Mas e o público? Como participa? Mas então, novamente, para que uma lista de espécie ameaçada? Melhora a biodiversidade? Qual o efeito prático? É bom? É ruim com ela? Pior sem ela? Com certeza as resposta serão muitas e diversas. Importante ressaltar que uma das aplicações de uma lista de espécie ameaçada é com o licenciamento ambiental.

O processo de licenciamento, de maneira geral, não é transparente e muito menos imparcial. Para se ter idéia, a empresa interessada é a que contrata a consultoria ambiental, uma outra empresa. Não é raro, estar incluído na equipe dessas empresas de consultoria, parentes (leia-se maridos, esposas, etc.) e amigos próximos de técnicos que trabalham nas agencias estaduais responsáveis pelas licenças; os mesmos técnicos que vão analisar o processo. Não quero dizer com isso que todo EIA/RIMA seja feito de má fé, mas a verdade é que, dependendo do caso, pode ser caracterizado “interesses conflitivos”. O fato é que, o processo como um todo, é aleijado de autoridade, frágil. “Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega...”. O pior ainda é quando esses profissionais do licenciamento ainda se envolvem com a definição de lista de espécies ameaçadas. É uma mistura explosiva: licenciamento, lista de espécies ameaçadas, consultorias. Como evitar essa situação?

Se, por outro lado, o processo de licenciamento fosse feito através de um edital para a contratação da consultoria, se o repasse do valor da empresa interessada à empresa consultora fosse feito pelo órgão público, relativamente mais independente, em teoria, com certeza o EIA/RIMA não seria refém do humor da empresa interessada. Parentesco de qualquer forma também não poderia ser aceito, quando se trata de equipe de consultoria e órgão licenciador.

No fim, do jeito que está, temos uma discussão infernal, pouco prática, com muitos interesses contraditórios e um processo extremamente ineficaz. Imagine se não houvesse audiência pública....Entretanto, em muitos casos, uma audiência pública não é suficiente para o correto direcionamento de um empreendimento, considerando o desenvolvimento sustentável da atividade, da geração de empregos, do uso múltiplo dos recursos. Comunidade com pouca informação está sujeita a muita manipulação. Perde muitas vezes o empreendedor que fica refém desse processo falho, perde muitas vezes a sociedade que fica refém do mesmo processo. Com certeza, quem sempre perde é a biodiversidade brasileira, essa sim, uma vítima, com lista ou sem lista.

Fonte: JMA-Jornal Meio Ambiente

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