Economista, Especialista em Economia e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Graduando em Estatística, também, pela Universidade Federal do Paraná.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Europa na direção errada

Por Denize BACOCCINA e Luís Artur NOGUEIRA

Novo pacote de ajuda à Grécia exige mais arrocho fiscal e complica a economia da zona do euro, que caminha para mais um ano recessivo.

Era início da madrugada da terça-feira 21 e o público presente à Marquês de Sapucaí delirava com o desfile da Mangueira, uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro. Naquele mesmo instante, em Bruxelas, o terno e a gravata eram o figurino utilizado pelos ministros das Finanças da zona do euro, numa estressante reunião. Em pauta, o novo acordo de resgate de € 130 bilhões à Grécia,  anunciado após 13 horas de intensas negociações. O dinheiro, que será emprestado pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a juros baixos, servirá para dar algum fôlego ao governo grego, que precisa pagar em março uma parcela de € 14,5 bilhões da sua dívida. “O acordo fecha a porta ao cenário de um calote”, disse, em tom de alívio, o português José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia.
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A Grécia, que já havia recebido € 110 bilhões em 2010, é alvo do maior plano de resgate desde o socorro americano a países europeus após a Segunda Guerra Mundial. A ajuda, no entanto, não sairá barato para os gregos – ao contrário, pressupõe inúmeros sacrifícios. O primeiro deles é abrir mão de sua autonomia e permitir que técnicos de Bruxelas e do FMI supervisionem de perto o arrocho fiscal. O governo do primeiro-ministro Lucas Papademos terá de cortar ainda mais os salários de servidores e aposentados, demitir funcionários públicos, tocar um programa de privatizações e flexibilizar as leis trabalhistas. Na teoria, as medidas tornarão a economia local mais competitiva, atraindo novos investimentos. Mas, na prática, o resultado será outro. 
 
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Carnaval da crise: bonecos de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy são alvo de ironias
e manifestações de foliões europeus.
 
“É a fórmula da recessão. Não há demanda privada, não há demanda externa e ainda cortam-se os gastos públicos”, diz Cristiano Souza, economista do Banco Santander. A retomada do crescimento é uma peça crucial para que a Grécia alcance a meta de reduzir a relação dívida-PIB de 160% para 120,5% até 2020. O problema é que as premissas (veja quadro ao final da reportagem) para que isso ocorra são muito otimistas não apenas na avaliação de economistas do setor privado. Os próprios líderes da troika (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) deixaram vazar um documento no qual reconhecem a necessidade de novos pacotes nos próximos anos. Para o analista da consultoria Eurasia Group, Mujtaba Rahman, os recursos acertados na semana passada não serão suficientes para resolver a crise e a Grécia vai acabar pedindo mais dinheiro dentro de algum tempo. 
 
“A economia grega precisa crescer, e acho pouco provável que isso aconteça”, afirmou Rahman à DINHEIRO. Em recente artigo publicado no jornal The New York Times, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman questiona a política austera conduzida pela chanceler alemã Angela Merkel. “Alguns líderes europeus estão casados com a doutrina econômica responsável por esse desastre”, escreveu Krugman, que defende estímulos fiscais para reaquecer as atividades e, consequentemente, aumentar a arrecadação. Na segunda-feira 20, os primeiros-ministros de 12 países, incluindo o britânico David Cameron e o italiano Mario Monti, enviaram uma carta ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia pedindo alterações na política econômica. “A crise que estamos enfrentando é também uma crise de crescimento”, diz o texto. 
 
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Chega de arrocho: gregos e portugueses protestam contra os cortes
de gastos públicos, salários e aposentadorias.
 
Não por acaso, os governos da Alemanha e da França não subscreveram o documento. Enquanto o presidente francês Nicolas Sarkozy está preocupado com a provável derrota  nas eleições de maio, a todo-poderosa chanceler Angela Merkel dá de ombros aos apelos dos demais países e goza de elevada popularidade entre os alemães, que não querem bancar o salvamento de nações que foram irresponsáveis na administração de suas finanças públicas em períodos de bonança. “Merkel está conduzindo a Europa na direção errada”, afirmou o megainvestidor George Soros, em entrevista ao jornal alemão Der Spiegel. “Se não oferecermos mais estímulos, muitos países serão empurrados para uma espiral deflacionária de endividamento.” Com tantos cortes de gastos em curso na zona do euro, os economistas estão cada vez mais convencidos de que a região caminha para mais um ano recessivo. 
 
E não é apenas o sempre etéreo “deus mercado” que acredita nessa possibilidade. Na quinta-feira 23, a própria Comissão Europeia alterou a sua projeção de alta de 0,5% do PIB para uma retração de 0,3% em 2012. Nesse clima de desânimo, o Carnaval europeu foi marcado por protestos contra os políticos, principalmente a dupla Merkozy. Na Quarta-Feira de Cinzas, enquanto as escolas de samba do Rio de Janeiro aguardavam as notas dos desfiles, a Grécia teve a sua avaliação de risco rebaixada pela Fitch de CCC para C, ficando a um passo do calote. A decepção do governo grego foi equivalente à das agremiações cariocas rebaixadas para a segunda divisão. Os “jurados” da Fitch avaliam que a renegociação da dívida feita com o setor financeiro não foi um ato voluntário, ou seja, os credores teriam sido obrigados a abrir mão de 53,5% do valor dos títulos gregos. 
 
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Diante de tal situação, a Fitch declarou que um calote “é altamente provável no curto prazo”. O pacote de ajuda à Grécia não cessou as manifestações nas ruas de Atenas.  A economia grega encolhe há quatro anos consecutivos e o desemprego já supera os 20% da população economicamente ativa. Preocupado com esse quadro, o ministro da Ordem Pública da Grécia, Christos Papoutsis, disse recentemente que o país está no limite. “A população não aguenta mais austeridade”, desabafou Papoutsis. Em meio à situação caótica da economia, a população grega vai às urnas em abril para as eleições legislativas. O voto é a última esperança de uma nação que definha e agoniza sob a indiferença dos principais líderes europeus. 
 
Alguns analistas avaliam que o acordo com a Grécia serviu apenas para dar mais tempo para a Europa se preparar para uma futura moratória de 100% dos títulos gregos. “Foi uma grande ajuda aos bancos europeus, pois, ao aceitarem as perdas, eles ficaram mais seguros, independentemente do que acontecer com a Grécia no futuro”, afirma à DINHEIRO o economista Jacob Funk Kirkegaard, do Instituto de Economia Internacional. Nesse cenário de calote unilateral, a Grécia seria expulsa da zona do euro, ressuscitaria o dracma como moeda e reconstruiria  sua economia. Para sair do fundo do poço, os gregos bem que poderiam se inspirar num verso do samba da Mangueira, que ecoou na mesma madrugada em que o novo socorro foi anunciado. “Sou imortal e vou dizer: agonizar não é morrer.”
 
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Fonte: IstoÉ Dinheiro

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