A China poderá enfrentar uma crise econômica, a menos que implemente reformas profundas, de acordo com um relatório do Banco Mundial e um influente centro de estudos do governo chinês, que exorta Pequim a reduzir suas vastas estatais e fazê-las operar mais como empresas comerciais.
A recomendação é feita no relatório "China 2030", cujo lançamento está programado para segunda-feira, de acordo com seis pessoas envolvidas na preparação e análise do relatório.
Reuters
Trabalhadores separam pedras e carvão numa mina na China. No setor de mineração, estatais empregam 44% da força de trabalho, enquanto crescem pressões para reformas no modelo de economia estatizada
O relatório, que aborda algumas das questões econômicas politicamente mais sensíveis da China, foi projetado para influenciar a próxima geração de líderes chineses que assumirá o poder a partir deste ano, dizem essas pessoas. Ele desafia a forma como o modelo econômico da China se desenvolveu nos últimos dez anos, sob o comando do presidente Hu Jintao, quando o papel do Estado na segunda maior economia do mundo foi constantemente ampliado.
O "China 2030" adverte que o crescimento do país está em perigo de desacelerar de forma rápida e imprevisível, como ocorreu com muitos países em desenvolvimento depois de atingirem um determinado nível de renda, um fenômeno que economistas do desenvolvimento chamam de "armadilha da renda média". Uma forte desaceleração poderia aprofundar os problemas no setor bancário e em outras áreas, adverte o relatório, e poderia levar a uma crise, segundo os envolvidos com o projeto.
O estudo recomenda que empresas estatais sejam supervisionadas por firmas de administração de ativos, dizem os envolvidos no relatório. Também insta a China a reformar as finanças de governos locais e promover concorrência e empreendedorismo.
"O setor estatal da China está numa encruzilhada", disse Fred Hu, diretor-presidente da Primavera Capital Group, uma firma de investimentos de Pequim. O governo chinês deve decidir "se quer capitalismo liderado pelo Estado e dominado por estatais gigantescas ou pelo empreendedorismo do livre mercado".
Mesmo antes de seu lançamento oficial, o relatório já provocou uma feroz resistência dos burocratas que administram estatais, de acordo com vários indivíduos envolvidos nas discussões.
O herdeiro aparente da liderança política da China, o atual vice-presidente Jinping Xi, deu até agora poucas pistas sobre suas políticas econômicas. Analistas esperam que o influente relatório encoraje Xi e seus aliados a discutirem alterações num modelo econômico que é liderado pelo Estado, alarma os empresários chineses, e está se tornando uma fonte de crescente tensão entre a China e seus principais parceiros comerciais.
Os autores do relatório dizem que ter o imprimatur do Banco Mundial e do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento chinês, ou CPD — subordinado ao Conselho de Estado, o poder executivo da China — vai adicionar peso político às propostas. O Banco Mundial é amplamente admirado nos círculos governamentais chineses, particularmente pelo assessoramento que deu à China na fase em que projetou suas primeiras reformas de mercado.
"O relatório apresenta recomendações para um caminho de crescimento e desenvolvimento no médio prazo, ajudando a China a fazer a transição para ser uma sociedade de alta renda", disse o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, em um comunicado no qual anunciava o lançamento do estudo.
Nem o Banco Mundial nem o CPD quiseram comentar especificamente sobre as constatações do "China 2030".
O vice-premier chinês, Li Keqiang, que, muitos esperam, será promovido a premier no próximo ano, aprovou o projeto conjunto entre o Banco Mundial e o CPD, quando Zoellick o propôs durante uma viagem a Pequim em setembro de 2010. Seus autores estão contando também com o segundo no escalão do CPD, Liu He, que também é conselheiro sênior do todo-poderoso Comitê Permanente do Politburo, para ajudar a garantir que as suas conclusões sejam consideradas seriamente pelos líderes chineses. Liu não quis comentar.
Entre as áreas mais polêmicas do relatório estão sugestões sobre como gerir as empresas estatais, que dominam os setores de energia, recursos naturais, telecomunicações e infraestrutura e têm fácil acesso a empréstimos com juros baixos de bancos estatais. O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, e outras autoridades ocidentais dizem que os subsídios para as empresas prejudicam a concorrência internacional. Internamente, os críticos reclamam que as estatais sufocam a concorrência, utilizam os lucros do monopólio para se expandir para outras áreas, e pagam minguados dividendos.
O Banco Mundial e o CPD argumentam que as estatais devem ser supervisionadas por firmas de administração de ativos, dizem os envolvidos no relatório. Os gestores de ativos tentariam garantir que as empresas sejam dirigidas no mesmo estilo de empresas comerciais e não para fins políticos.
"A China precisa restringir o papel das estatais, acabar com os monopólios, diversificar a propriedade, e reduzir as barreiras para a entrada de empresas privadas", disse Zoellick em uma palestra para economistas em Chicago no mês passado.
O relatório também recomenda um aumento acentuado nos dividendos que as estatais pagam, o que aumentaria a receita do governo e poderia financiar programas sociais, disseram os envolvidos com o relatório.
"É uma proposta inovadora", disse Yiping Huang, um economista da Barclays Capital. Mas outros argumentam que as propostas não vão longe o suficiente. Nem o Banco Mundial nem o CPD propuseram a privatização de estatais, concluindo que isso seria politicamente inaceitável.
Fonte: The Wall Street Journal