Por Elton Alisson
O Brasil precisa criar políticas públicas para assegurar a continuidade do programa de bioetanol brasileiro e evitar ou minimizar as sucessivas crises pelas quais tem passado desde que foi criado na década de 1970, sob a alcunha de Programa Nacional do Álcool (Proálcool), para enfrentar os choques de preço do petróleo.
A avaliação foi feita por representantes do governo, de instituições de pesquisa e das indústrias sucroalcooleira e automotiva, que participaram diretamente dos processos de planejamento, implantação e construção do Proálcool, durante o seminário “O renascimento do bioetanol brasileiro: os fundadores do Proálcool”, realizado pelo Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) no dia 4 de junho.
Na opinião de participantes do evento, de todas as crises pelas quais o programa de bioetanol brasileiro passou ao longo das últimas décadas, a que está vivendo hoje – caracterizada pela estagnação da produção do álcool no país e o elevado endividamento de diversas usinas – é a mais grave. Isso porque ela depende de uma intervenção do governo para ser solucionada, enquanto as crises anteriores foram sanadas por meio de soluções tecnológicas.
“A crise atual é a mais séria, porque depende de políticas públicas para corrigir a distorção do preço da gasolina, que está congelado, enquanto os custos de produção do álcool e da cana dobraram nos últimos oito anos”, disse Maurílio Biagi Filho, pertencente a uma tradicional família de usineiros do país que fundou a usina Santa Elisa e um dos primeiros signatários do Proálcool.
A opinião de Biagi Filho foi compartilhada por Cícero Junqueira Franco, fundador da Usina Vale do Rosário e um dos idealizadores do Proálcool juntamente com o engenheiro Lamartine Navarro Júnior (1932-2001).
“É preciso iniciar uma prática de política pública para o álcool. Até hoje estamos patinando nesse quesito, o que gera insegurança tanto para os produtores de álcool como para os consumidores”, avaliou Franco.
De acordo com os participantes do evento, a fase áurea do Proálcool teve início em 1979 – quando houve a segunda crise do petróleo e o álcool se tornou viável – e terminou em 1985.
Nesse período, em que houve um esforço governamental para tornar o álcool competitivo em relação ao petróleo, foram criadas mais de 200 destilarias autônomas – situadas principalmente no Estado de São Paulo – dedicadas a produzir exclusivamente álcool.
Além disso, algumas montadoras instaladas no Brasil, como a Fiat e a Volkswagen, iniciaram a produção de automóveis movidos a álcool, que chegaram a representar 90% da frota de veículos novos comercializados no país. E instituições de pesquisa, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), reativaram seus programas de pesquisa e desenvolvimento de motores automotivos.
Porém, esse ciclo virtuoso do combustível no país começou a ser interrompido em 1985, quando o preço do petróleo voltou a cair e foram retirados os subsídios para a produção do álcool hidratado, que começou a faltar nas bombas dos postos de gasolina em 1989, abalando a credibilidade do programa.
“A falta de etanol nos postos foi um acontecimento dramático, porque eram veículos totalmente dedicados a esse tipo de combustível. Não tinha como abastecer os carros com gasolina”, relembrou Georg Pischinger, engenheiro austríaco, que desenvolveu o motor a álcool utilizado pela subsidiária brasileira da Volkswagen nos modelos de automóveis Kombi, Fusca, Passat e Brasília fabricados na época.
Uma das soluções desenvolvidas em instituições de pesquisa e montadoras para tentar salvar o programa foi uma mistura de etanol, metanol e gasolina. Conhecida como “mistura MEG”, o composto, formado por 60% de etanol hidratado, 34% de metanol e 6% de gasolina, possuía as mesmas características do etanol e dispensava a necessidade de serem feitas modificações nos veículos movidos a álcool.
Com essa e outras medidas, como a continuidade da adição de 25% de álcool anidro na gasolina, o Proálcool conseguiu sobreviver e as indústrias automotivas continuaram trabalhando no desenvolvimento de tecnologias, principalmente de injeção eletrônica, para automóveis movidos a álcool.
Isso tudo, segundo os pesquisadores presentes no evento, resultou na criação das bases para o desenvolvimento do sistema flex fuel no Brasil em 2003, que foi o grande responsável por recuperar a confiança do consumidor brasileiro no etanol.
“A tecnologia flex fuel já estava pronta. A inovação, nesse caso, não foi tecnológica, mas sim de marketing, que convenceu a população a voltar a utilizar o álcool combustível”, disse Francisco Nigro, pesquisador do IPT que participou do desenvolvimento de motores a álcool na instituição de pesquisa.
Lições do Proálcool
Nigro lembrou que, apesar de o preço do álcool estar em baixa no início dos anos 2000 – quando o preço do petróleo voltou novamente a subir –, e da mobilização do governo e de entidades setoriais para retomar a produção de veículos movidos ao combustível, o consumidor se mantinha indiferente, sinalizando que era o momento oportuno para o lançamento de veículos flex fuel para recuperar a credibilidade do combustível alternativo.
Entretanto, os próprios usineiros e as montadoras não eram favoráveis aos veículos flex fuel, os quais os últimos comparavam a um pato – que anda, nada e voa, mas que não desempenha nenhuma dessas funções direito.
“Era essa visão que se tinha dos carros flex fuel antes de serem lançados. E nós rebatíamos dizendo que o pato era um animal otimizado, que sobreviveu à evolução das espécies”, relembrou Nigro.
Em 2000, durante as comemorações do centenário do IPT, a instituição de pesquisa realizou um seminário sobre veículos bicombustível, que reuniu representantes de empresas que desenvolviam o sistema flex fuel e foram feitas demonstrações da tecnologia para a imprensa, contribuindo para sua divulgação e para convencer os integrantes da cadeia de bioetanol sobre sua viabilidade.
“Uma das lições que podemos tirar da história do Proálcool no Brasil nesses quase 40 anos é que, mesmo que não se beneficiem diretamente das patentes geradas pelo desenvolvimento de uma tecnologia, as instituições de pesquisa desempenham um papel importante de ajudar a convencer o conjunto do setor de que aquela tecnologia faz sentido”, disse Nigro.
De acordo com o pesquisador, outra conclusão do programa, reconhecido mundialmente como o de maior sucesso na inserção de fontes renováveis na matriz de combustíveis, é que ele necessita de ações coordenadas entre as várias esferas, incluindo governo, instituições de pesquisa, indústrias e sociedade.
“Essa mobilização em conjunto representa o principal desafio de um programa de energia. No caso do etanol, nós conseguimos e precisamos continuar a fazer isso”, destacou Nigrou.
As experiências dos fundadores do Proálcool estão sendo registradas e reunidas por pesquisadores do IEE da USP em um projeto coordenado pelo professor Ildo Luís Sauer.
A avaliação foi feita por representantes do governo, de instituições de pesquisa e das indústrias sucroalcooleira e automotiva, que participaram diretamente dos processos de planejamento, implantação e construção do Proálcool, durante o seminário “O renascimento do bioetanol brasileiro: os fundadores do Proálcool”, realizado pelo Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) no dia 4 de junho.
Na opinião de participantes do evento, de todas as crises pelas quais o programa de bioetanol brasileiro passou ao longo das últimas décadas, a que está vivendo hoje – caracterizada pela estagnação da produção do álcool no país e o elevado endividamento de diversas usinas – é a mais grave. Isso porque ela depende de uma intervenção do governo para ser solucionada, enquanto as crises anteriores foram sanadas por meio de soluções tecnológicas.
“A crise atual é a mais séria, porque depende de políticas públicas para corrigir a distorção do preço da gasolina, que está congelado, enquanto os custos de produção do álcool e da cana dobraram nos últimos oito anos”, disse Maurílio Biagi Filho, pertencente a uma tradicional família de usineiros do país que fundou a usina Santa Elisa e um dos primeiros signatários do Proálcool.
A opinião de Biagi Filho foi compartilhada por Cícero Junqueira Franco, fundador da Usina Vale do Rosário e um dos idealizadores do Proálcool juntamente com o engenheiro Lamartine Navarro Júnior (1932-2001).
“É preciso iniciar uma prática de política pública para o álcool. Até hoje estamos patinando nesse quesito, o que gera insegurança tanto para os produtores de álcool como para os consumidores”, avaliou Franco.
De acordo com os participantes do evento, a fase áurea do Proálcool teve início em 1979 – quando houve a segunda crise do petróleo e o álcool se tornou viável – e terminou em 1985.
Nesse período, em que houve um esforço governamental para tornar o álcool competitivo em relação ao petróleo, foram criadas mais de 200 destilarias autônomas – situadas principalmente no Estado de São Paulo – dedicadas a produzir exclusivamente álcool.
Além disso, algumas montadoras instaladas no Brasil, como a Fiat e a Volkswagen, iniciaram a produção de automóveis movidos a álcool, que chegaram a representar 90% da frota de veículos novos comercializados no país. E instituições de pesquisa, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), reativaram seus programas de pesquisa e desenvolvimento de motores automotivos.
Porém, esse ciclo virtuoso do combustível no país começou a ser interrompido em 1985, quando o preço do petróleo voltou a cair e foram retirados os subsídios para a produção do álcool hidratado, que começou a faltar nas bombas dos postos de gasolina em 1989, abalando a credibilidade do programa.
“A falta de etanol nos postos foi um acontecimento dramático, porque eram veículos totalmente dedicados a esse tipo de combustível. Não tinha como abastecer os carros com gasolina”, relembrou Georg Pischinger, engenheiro austríaco, que desenvolveu o motor a álcool utilizado pela subsidiária brasileira da Volkswagen nos modelos de automóveis Kombi, Fusca, Passat e Brasília fabricados na época.
Uma das soluções desenvolvidas em instituições de pesquisa e montadoras para tentar salvar o programa foi uma mistura de etanol, metanol e gasolina. Conhecida como “mistura MEG”, o composto, formado por 60% de etanol hidratado, 34% de metanol e 6% de gasolina, possuía as mesmas características do etanol e dispensava a necessidade de serem feitas modificações nos veículos movidos a álcool.
Com essa e outras medidas, como a continuidade da adição de 25% de álcool anidro na gasolina, o Proálcool conseguiu sobreviver e as indústrias automotivas continuaram trabalhando no desenvolvimento de tecnologias, principalmente de injeção eletrônica, para automóveis movidos a álcool.
Isso tudo, segundo os pesquisadores presentes no evento, resultou na criação das bases para o desenvolvimento do sistema flex fuel no Brasil em 2003, que foi o grande responsável por recuperar a confiança do consumidor brasileiro no etanol.
“A tecnologia flex fuel já estava pronta. A inovação, nesse caso, não foi tecnológica, mas sim de marketing, que convenceu a população a voltar a utilizar o álcool combustível”, disse Francisco Nigro, pesquisador do IPT que participou do desenvolvimento de motores a álcool na instituição de pesquisa.
Lições do Proálcool
Nigro lembrou que, apesar de o preço do álcool estar em baixa no início dos anos 2000 – quando o preço do petróleo voltou novamente a subir –, e da mobilização do governo e de entidades setoriais para retomar a produção de veículos movidos ao combustível, o consumidor se mantinha indiferente, sinalizando que era o momento oportuno para o lançamento de veículos flex fuel para recuperar a credibilidade do combustível alternativo.
Entretanto, os próprios usineiros e as montadoras não eram favoráveis aos veículos flex fuel, os quais os últimos comparavam a um pato – que anda, nada e voa, mas que não desempenha nenhuma dessas funções direito.
“Era essa visão que se tinha dos carros flex fuel antes de serem lançados. E nós rebatíamos dizendo que o pato era um animal otimizado, que sobreviveu à evolução das espécies”, relembrou Nigro.
Em 2000, durante as comemorações do centenário do IPT, a instituição de pesquisa realizou um seminário sobre veículos bicombustível, que reuniu representantes de empresas que desenvolviam o sistema flex fuel e foram feitas demonstrações da tecnologia para a imprensa, contribuindo para sua divulgação e para convencer os integrantes da cadeia de bioetanol sobre sua viabilidade.
“Uma das lições que podemos tirar da história do Proálcool no Brasil nesses quase 40 anos é que, mesmo que não se beneficiem diretamente das patentes geradas pelo desenvolvimento de uma tecnologia, as instituições de pesquisa desempenham um papel importante de ajudar a convencer o conjunto do setor de que aquela tecnologia faz sentido”, disse Nigro.
De acordo com o pesquisador, outra conclusão do programa, reconhecido mundialmente como o de maior sucesso na inserção de fontes renováveis na matriz de combustíveis, é que ele necessita de ações coordenadas entre as várias esferas, incluindo governo, instituições de pesquisa, indústrias e sociedade.
“Essa mobilização em conjunto representa o principal desafio de um programa de energia. No caso do etanol, nós conseguimos e precisamos continuar a fazer isso”, destacou Nigrou.
As experiências dos fundadores do Proálcool estão sendo registradas e reunidas por pesquisadores do IEE da USP em um projeto coordenado pelo professor Ildo Luís Sauer.
Fonte: JMA-Jornal Meio Ambiente / Agência FAPESP
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