Por NELSON DE SÁ
Os presidentes Barack Obama e
Dilma Rousseff, no esforço de estimular a inovação e a indústria em seus
países, abraçaram o mesmo modelo: a fundação alemã Fraunhofer, que faz a ponte
entre a pesquisa acadêmica e a aplicação de mercado --com casos de sucesso como
a criação do padrão MP3 para música e o padrão AVC de vídeo, também de
abrangência global.
Em março, os EUA lançaram a NNMI
(National Network for Manufacturing Innovation), apresentando a Fraunhofer
expressamente como o formato a copiar. E desde o fim do ano passado o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vem montando a Embrapii (Empresa Brasileira
de Pesquisa e Inovação Industrial), também dando como objetivo emular a
Fraunhofer, que está ajudando na estruturação da nova empresa.
Thomas Bauernhansl, diretor do
maior instituto da Fraunhofer, em Stuttgart, relata que a fundação tem hoje por
foco o fortalecimento da indústria alemã na concorrência com a China. E que a
única saída, para enfrentar os menores custos de produção e de financiamento
das empresas chinesas, é aumentar a aposta na inovação. E não proteger seu
mercado dos produtos chineses, como vêm fazendo, pontualmente, tanto EUA como
Brasil.
*
A Fraunhofer é o modelo abraçado
pelo Brasil, para inovação. O que o caracteriza?
Thomas Bauernhansl - Vamos
começar pelo nome. Fraunhofer foi um pesquisador, mas também um empreendedor,
muito bem-sucedido como ambos. Daí a fundação, criada após a Segunda Guerra,
adotar seu nome. A ideia foi ter uma instituição que diminuísse a distância
entre pesquisa e aplicação empresarial.
Pesquisa acadêmica?
A pesquisa acadêmica básica. Para
as universidades é importante descobrir e provar alguma coisa, mas elas não
focam transferir a solução. Pesquisa aplicada não é a prioridade. E nosso foco
é só pesquisa aplicada. Cooperamos intensamente com universidades e temos
também um forte elo com empresas. Tentamos identificar quais novos resultados
podem ser transferidos. Para nós, uma pesquisa de sucesso é quando nosso
parceiro tem sucesso no mercado. É exatamente a diferença entre invenção e
inovação.
Esse propósito está na Fraunhofer
desde o princípio?
Desde o princípio. Começou com um
instituto e agora temos, na Alemanha, 60, 58 deles diretamente ligados a
universidades.
Fisicamente próximos?
Lado a lado, no mesmo campus, e
seus diretores são professores, 55 deles, acredito. A Fraunhofer cria
institutos onde pode encontrar professores bem-sucedidos em pesquisa mas também
com espírito empreendedor. Há sempre um acordo de cooperação, que permite à
Fraunhofer usar a infraestrutura da universidade e vice-versa, de maneira a
apoiar a transferência às empresas parceiras.
Folha - Os institutos já existiam
antes de serem parte da Fraunhofer?
Todos foram especialmente
criados. Havia uma cadeira para uma área específica na universidade e a
Fraunhofer criava o instituto. Geralmente eles têm cerca de 200, 250 pessoas. O
tamanho mínimo é 60. Meu instituto é o maior e tem cerca de 700.
A Fraunhofer é financiada só pelo
Estado?
Temos financiamento de 30%, 35%
do Estado e outros 35% diretamente de projetos bilaterais, com empresas. O
restante é baseado em projetos de pesquisa financiados pela União Europeia, por
exemplo, ou pela Associação Alemã de Pesquisa ou pelos ministério de Ciência,
de Economia. Você se inscreve, junto com vários parceiros, para obter
financiamento para projetos de dois, três anos. Também tem sempre a pressão de,
se quiser crescer, ser bem-sucedido com os parceiros privados. Porque o
financiamento também é baseado no dinheiro que criar junto com eles. Quando
consegue bastante retorno, tem um financiamento adicional. No nosso instituto,
46% do orçamento é baseado em projetos com empresas. Fazemos também pesquisa
aplicada para parceiros e eles pagam por isso.
Pode citar alguns?
Trabalhamos com quase todas,
Daimler, E.ON, diferentes empresas, geralmente de tamanho médio, mas também
grandes. Há uma fronteira natural, de empresas que são pequenas demais, para as
quais somos muito caros. Temos uma taxa de pouco mais de mil euros por dia,
para um pesquisador, e as empresas menores normalmente não conseguem trabalhar
conosco. Participam então de outros tipos de projetos, quando operamos com
várias para uma pesquisa cooperada, financiada por organizações governamentais,
como a UE.
A grande referência de inovação
hoje vem dos EUA, baseado em startups (empresas iniciantes) e inovação
disruptiva. Vocês têm esse lado na Fraunhofer?
Nós criamos startups. No meu
instituto, temos mais de 70 em funcionamento. E há uma organização especial na
Fraunhofer para o apoio a startups. Temos um Dia da Inovação, todo ano, em
todos os institutos, para o qual convidamos investidores e apresentamos as
ideias mais recentes de startups. É um formato muito bem-sucedido.
Investidores de venture capital
(capital semente)?
Sim, às vezes também fundos
especiais. Também financiamentos próprios nossos. De início mantemos entre 10%
e 20% da startup em nossas mãos e ela pode usar a infraestrutura da Fraunhofer
gratuitamente, depois pagando um aluguel. Quando ficam grandes o bastante,
passam a pagar por sua própria infraestrutura. É um sistema de incubadora. Há
várias formas de apoio. É um dos meios de transferência de tecnologia. O foco é
sempre transferência de tecnologia. Outro meio é através de nossos próprios diretores
dos institutos. As pessoas trabalham para nós entre cinco e oito anos e então
deixam a instituição e vão para a indústria, levando todo o know how com eles e
integrando esse conhecimento às empresas. Também é transferência de tecnologia.
Uma das inovações mais conhecidas
da Fraunhofer foi o sistema MP3
É uma das mais famosas. A melhor
inovação que criamos, do ponto de vista financeiro, foi o padrão MP3. O
instituto está ganhando dinheiro até hoje com as licenças. É a razão de ser o
maior e talvez o mais alegre (risos). Sem Fraunhofer, nada de iTunes, nunca se
esqueça disso (risos). Quando usar seu iPod ou seu iPhone, a Fraunhofer está
nele. Mas temos várias outras áreas que são relevantes, especialmente para a
Alemanha, neste momento. O país decidiu desligar todas as suas usinas
nucleares, mudando para energias renováveis. Um dos condutores disso é a
Fraunhofer, por ser uma das maiores instituições do mundo na pesquisa de
energias renováveis. E neste momento existe a questão de que na China as fábricas
são muito competitivas, ou pelo menos parecem ser, mais até que as nossas
fábricas alemãs. Várias empresas alemãs fecharam, por causa de pressões na
indústria de energia solar. Uma das razões é que a China investe mais dinheiro
estatal na área, para suas empresas é fácil conseguir dinheiro, pagam juros
muito baixos. Mas agora a Fraunhofer criou uma iniciativa para ampliar a
produtividade e a tecnologia em energia solar novamente. Estamos trabalhando
muito intensamente na chamada "fábrica de 1 gigawatt". É um esforço
para manter a produção de células solares na Alemanha. É também uma mensagem
política, como sempre no que fazemos. Acreditamos em energias renováveis. Toda
a instituição apoia essa mensagem.
Vocês também têm institutos nos
EUA, no Chile
Bauernhansl - Também um
escritório em Osaka, no Japão, assim como institutos na Hungria, na Itália.
Iniciamos um processo de globalização. Por enquanto, a Fraunhofer é nacional,
porque é financiada por impostos alemães, então nosso foco é na Alemanha. Mas,
quando uma cooperação faz sentido do ponto de vista de pesquisa, quando há
empresas alemãs trabalhando naquele país e quando o governo estrangeiro também
nos financia, então criamos institutos. Foi o caso dos EUA. Obama fez um
discurso, semanas atrás, e disse que vai pôr US$ 1 bilhão na reindustrialização
do país. E um dos pontos principais é que ele quer aperfeiçoar a transferência
de tecnologia entre universidade e parceiros privados e vai focar no modelo
Fraunhofer. No momento, temos cinco institutos nos EUA. Se Obama cumprir o
prometido e se vencer a eleição, vamos ver (risos), então vamos investir muito
lá.
Também aqui?
Poderia ser o mesmo modelo para o
Brasil, criando a Fraunhofer do Brasil, algo assim, ou uma instituição similar,
como a Embrapii, para tentar transferir o modelo para o país. E especialmente
para a cultura. Não é possível comparar nossas culturas, somos diferentes, mas
as regras e as ideias centrais talvez seja possível transferir. E é importante
que o governo realmente diga, "Ok, financiamos 30% ou 35%". É
importante também que encontremos os professores certos para o trabalho. A
maioria na Fraunhofer tem uma história em empresas. Eu trabalhei oito anos na
Freudenberg, por exemplo, e muitos dos meus colegas também fizeram PhD em universidade
e foram para empresas por cinco ou dez anos e só então vieram para a
Fraunhofer, com as duas atitudes em mente. Entendem as necessidades da empresa
e da universidade. Você precisa de pessoas capazes de lidar com esses dois
mundos. Se você pensa, "preciso de uma instituição como a Fraunhofer no
Brasil", mas pega um professor universitário padrão e diz, "você
agora é o diretor do instituto Fraunhofer, por favor, faça transferência de
tecnologia", não vai funcionar.
A Fraunhofer está negociando com
o governo brasileiro?
Queremos criar um escritório
aqui, é sempre o primeiro passo, ter uma representação. Isso está em discussão
com o governo brasileiro, que tem grande interesse em que criemos esse
escritório. Mais de 30 institutos da Fraunhofer já trabalham no Brasil, em
diferentes projetos, com diferentes empresas. Estamos também em discussão,
agora, para um projeto realmente grande. Se ele acontecer, será muito
importante termos um escritório aqui no Brasil. E também estamos tentando
preencher o programa Ciência Sem Fronteiras, 10 mil pesquisadores devem ir para
a Alemanha, 300 deles para a Fraunhofer, que tem um alto interesse em ter os
pesquisadores brasileiros. Isso também representa um melhor entendimento e
cooperação entre a Fraunhofer e as empresas brasileiras.
Você tem uma programação de
quando seria instalado esse escritório ou talvez um instituto no Brasil?
O escritório deverá ser decidido
nas próximas semanas. No momento, a tendência é criar. Se vamos ter um
instituto ou nossa própria fundação, Fraunhofer do Brasil, como nos EUA, não
sei se será realmente possível. Depende da atitude do Brasil. Se vocês criarem
algo como a Embrapii, talvez não faça sentido uma instituição adicional. Mas o
que podemos fazer são os chamados grupos de projetos no Brasil. Um grupo de
projeto é uma representação de um dos institutos alemães. Geralmente tem entre
10 e 30 pessoas trabalhando numa questão específica. Se 30 institutos já estão
trabalhando aqui e talvez metade decida criar um grupo de projeto, teremos
vários institutos trabalhando em questões específicas para a indústria
brasileira e para as empresas alemãs no Brasil. Poderia ser um dos focos.
Você já tem ideia de quais
universidades brasileiras apresentam um bom padrão?
Para ser sincero, ainda não tenho
uma avaliação. Sei que há muitas universidades que já têm alto nível. Dez anos
atrás, eu estava trabalhando num instituto em Aachen, onde fiz meu PhD, e já
tinha contato com algumas universidades brasileiras. Minha experiência foi
sempre muito boa com os pesquisadores brasileiros. Alcançamos vários bons
resultados juntos. E minha expectativa é de que agora seja ainda melhor.
Portanto, vejo muitas possibilidades de trabalho conjunto.
Na área de produção, da qual eu
venho, minha perspectiva é que em muitos países não se foca na verdade em
processos de produção, mas em tecnologia, novos produtos, novas coisas quentes,
mas no fim a pergunta é sempre: "Como podemos produzir isso em nosso país,
de maneira competitiva globalmente?". Se não tiver uma resposta, você cria
algumas ideias, mas acaba produzindo aquela nova ideia na China ou em algum
outro lugar, não no seu país. Isso é muito importante, e você vê a Alemanha
focando em como produzir no ambiente alemão, de salários mais altos que em
outro países, algumas regulações específicas. Também alto custo energético,
porque a mudança na nossa geração de energia cria custos maiores, no início. No
longo prazo, é melhor para a Alemanha, em 20 ou 30 anos seremos independentes,
não precisaremos mais de petróleo e outros recursos fósseis, mas agora temos de
investir na tecnologia e isso significa que nossos custos de energia são maiores,
na média, se comparados a França ou China ou talvez até o Brasil. Realmente
tentamos criar processos que nos permitam manter a produção na Alemanha. Temos
muita gente focando em processos, não só em produtos tecnológicos. Se não tem
esse equilíbrio, você cria ideias que infelizmente não são produzidas em seu
país.
Como a Alemanha, o Brasil também
atravessa uma fase difícil com a China, porque exporta commodities, mas não
exporta e, na verdade, importa muitos produtos industrializados. O modelo de
uma produção baseada em inovação poderia ajudar também o Brasil nessa
concorrência internacional?
Com certeza, se quer competir com
seu produtos internacionalmente, você precisa de uma cadeia de valor adicional
altamente sofisticada. Você precisa de muita inovação e otimização no processo
de produção. Isso não quer dizer que produza tudo em seu país. Na Alemanha,
compramos muitas commodities, componentes, materiais, o que for, fora do país.
E isso também ajuda a manter a produção na Alemanha. Você precisa ter uma visão
clara de suas competências e do que vai produzir sozinho. E uma visão clara das
circunstâncias em que é melhor a produção de componentes. A maioria das grandes
empresas alemãs não têm só produção na Alemanha. Também produzem na China, no
Brasil, talvez nos EUA e na Índia. Isso é também uma base para a produção
bem-sucedida, você criar a rede certa, para estar presente nos vários mercados.
Alguns produtos você pode exportar, outros tem de produzir diretamente onde
está o mercado. Alguns você pode projetar como produtos globais, que pode
vender em qualquer lugar; mas em algumas áreas você precisa de desenvolvimento
de produto especialmente dirigido ao mercado, do contrário não vai vender. Se
quer ser um líder de mercado global, você tem de estar preparado em todos os
mercados relevantes.
Você falou que várias empresas
alemãs fecharam?
Também temos exemplos negativos
na Alemanha, onde as empresas foram líderes de mercado no passado e não
começaram a produzir e desenvolver produtos na China, por exemplo. E então,
nesses mercados, crescem novos concorrentes, sem competição direta com os
líderes de mercado, e depois de anos eles ficaram tão competitivos que começam
a trazer seus produtos para a Europa e a pressionar os velhos líderes. Algumas
vezes até compram esses líderes. Tivemos um exemplo com a Putzmeister, apenas
alguns meses atrás. Eles foram vendidos para um empresa chinesa, e haviam sido
os líderes por 30, 40 anos. Cometeram um erro estratégico, dez ou 15 anos
atrás, quando decidiram não ir com sua produção para a China. Não é um tópico
fácil, manter-se adicionando valor de produção no país. E eu penso que o Brasil
tem talvez as melhores circunstâncias, porque vocês também têm muitos recursos
naturais aqui. Veja a Alemanha, não temos quase nada, temos de comprar tudo.
Vocês têm petróleo, gás, podem criar sua própria produção siderúrgica. Tudo que
precisam podem ser encontrado no Brasil. É também uma vantagem competitiva para
vocês, comparados a outros países, como a Alemanha. Mas mesmo nós, que só temos
recursos naturais em pequena proporção, somos capazes de produzir. Trazemos o
material e adicionamos valor e então vendemos novamente nos mercados globais.
E vocês mantêm sua economia
aberta, sem medo de concorrência.
No longo prazo, a melhor coisa que
você pode fazer é ser realmente aberto, porque então está numa competição
global e isso o ajuda a manter seus processos ajustados. Do contrário, quando
só tem um mercado, por exemplo, só o mercado brasileiro, e as empresas
brasileiras sabem que não têm uma concorrência global, depois de dez ou 15 anos
seus processos deixam de ser competitivos. E então, um dia, os caras realmente
competitivos vêm e você tem um grande problema (risos). Você vê que de vez em
quando as empresas chinesas vão ao país e elas são realmente competitivas.
Quando vão a um mercado como os EUA ou mesmo a Alemanha, podem produzir pela
metade do dinheiro.
Em entrevista, o novo reitor do
ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Carlos Américo Pacheco),
especialista em inovação, falou que ela também vem de encomendas estatais, por
exemplo, do orçamento de defesa. Como isso funciona na Alemanha? A Fraunhofer
chegou a trabalhar com a indústria de defesa. Como é hoje? É realmente
necessário para inovação?
Quando você observa os EUA, vê
que os militares investem muito dinheiro em pesquisa. Mas na Alemanha o
orçamento militar, comparado ao que os americanos têm, não é nada. Minha visão
pessoal é que não precisamos de orçamento dos militares para sermos inovadores.
Não penso assim. Talvez em algumas tecnologias específicas, que são altamente
relevantes para aplicações militares, como aviões. Por outro lado, observe a
Europa. Você tem a EADS, também altamente bem-sucedida, mas seu sucesso não é
baseado em orçamentos militares de desenvolvimento. No meu ponto de vista, não
é um pré-requisito para o sucesso em inovação. O mais importante é criar
cooperação entre indústria e pesquisa e financiar as áreas certas. Na Alemanha,
você tem a chamada Estratégia de Alta Tecnologia, em que o governo foca ramos
específicos e diz: "Ok, nessas áreas queremos ser muito competitivos,
porque acreditamos que, no longo prazo, podemos manter essas tecnologias e isso
nos ajuda a criar empregos". Nos últimos anos, eles criaram várias áreas
bem-sucedidas com a ajuda de financiamento específico, mas a maioria do que foi
inventado nelas veio da indústria, não do Estado. Como Estado, você não pode
criar um mercado com seu orçamento, não funciona. Você precisa de parceiros que
sejam fortes. Eles criam mercados.
Fonte: Folha
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