Nome forte do estruturalismo, Carlos Lessa diz que o modelo de incentivo ao consumo deu certo, mas não é suficiente. Com a crise, é preciso aumentar a taxa de investimento privado.
Aos 76 anos, o professor Carlos Lessa é um dos economistas mais respeitados do país.
Com Maria da Conceição Tavares e Antonio Barros de Castro, ele formou o trio de ferro da escola estruturalista que ainda hoje exerce grande influência na teoria econômica, ao dar destaque ao estudo das estruturas de produção em contraponto ao liberalismo.
Inspirados nas lições de Celso Furtado e de Inácio Rangel, os amigos Lessa e Castro lançaram em 1967 uma obra que se tornou clássica em toda a América Latina e está na 47ª edição: "Introdução à Economia: Uma Abordagem Estruturalista".
As vendas do livro "Castro-Lessa", como é conhecido no meio acadêmico, já somam 500 mil exemplares.
Presidente do BNDES no primeiro governo Lula, Carlos Lessa foi afastado em novembro de 2004 depois de fazer pesadas críticas ao então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pela política de taxas de juros elevadas.
Coisas da vida de Lessa. No momento, ele está afastado da petista Conceição, por divergências políticas. Irreverente e rápido no gatilho, é apontado por unanimidade como brilhante conferencista e orador. Sempre crítico e independente, costuma entremear a análise profunda da realidade com expressões fortes.
Foi o que ele fez nesta entrevista exclusiva ao Brasil Econômico. Professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ e fundador do Departamento de Economia da Unicamp, Lessa está muito preocupado com o cenário atual.
Mas discorda daqueles que consideram esgotado o modelo de incentivo ao consumo. "O endividamento das famílias é um processo clássico de funcionamento de qualquer economia capitalista. Pode ser extremamente virtuoso", explica.
Diante do agravamento da crise internacional, o que mais prejudica a economia brasileira, na visão de Lessa, não é o contágio externo, mas, sim, o baixo nível de investimento privado.
"O empresário só se endivida e amplia a capacidade se tiver um horizonte firme de expansão, de crescimento da economia como um todo", explica. Mas isso não está acontecendo agora, diz ele.
"O governo manda sinais ambíguos, dá uma no cravo e outra na ferradura. E os empresários, quando veem sinais confusos, se retraem." O professor considera incoerente, por exemplo, se falar de aumento do superávit primário e ao mesmo tempo apostar no crescimento.
Para Lessa, "o quadro geopolítico não está para peixe" e só existe um caminho para contornar de vez os obstáculos: uma sinalização inequívoca com um projeto nacional de desenvolvimento.
Quais seriam as bases desse projeto? "A habitação é chave. Em segundo lugar, o investimento em energia. Para fechar o tripé, investimento no sistema de transporte, que é a maior perversidade brasileira", ataca Lessa.
E faz uma ressalva elogiosa à presidente Dilma Rousseff: "Ela sabe tudo isso, foi minha aluna e da Conceição na Unicamp. Conhece os problemas da economia a fundo. Mas é tímida nas decisões".
Alguns analistas afirmam que o modelo de incentivo ao consumo que vem sendo adotado desde 2009 se desgastou como munição anticíclica. O senhor concorda?
Em princípio, não. O endividamento das famílias é um processo clássico de funcionamento de qualquer economia capitalista. Pode ser um modo de reativar a atividade da economia.
Se o nível de utilização da capacidade produtiva estiver muito baixo e as famílias estiverem ansiosas por ter acesso aos bens, o sistema de financiamento é eficaz.
Eleva o emprego, a renda das famílias e a arrecadação de impostos. O endividamento familiar é virtuoso para a indústria automobilística, para a eletroeletrônica, para a linha branca e virtuosíssimo para a indústria imobiliária.
O início do chamado milagre brasileiro, em 1968, se deu com o BNH e o SFH. Na época, a retomada baseou-se principalmente na construção civil. Os governos do PT, desde Lula, também lançaram mão disso.
Na cabeça do brasileiro, a compra de um bem durável é aumento patrimonial. A experiência do povão é que se tiver um bem durável - um automóvel, uma geladeira, etc - tem algo para dar em garantia quando não tiver renda. Estou fazendo um rodeio para dizer o seguinte: deu muito certo!
Mas por que o endividamento agora não está surtindo efeitos virtuosos sobre a economia?
Por um pequeno detalhe: o endividamento familiar só é virtuoso quando o poder público e as empresas elevam a taxa de investimento.
Para os economistas, investimento é a ampliação da capacidade produtiva. Ou seja, se as pessoas compram mais automóveis é de se esperar que a indústria automobilística aumente suas instalações. E encomende engenharia industrial, prédios, equipamentos.
Tudo isso dinamiza a economia. Essa é a ideia. Mas a empresa privada só se endivida e amplia a capacidade, se tiver um horizonte firme de expansão, de crescimento da economia como um todo, de mercado a longo prazo.
Por que as empresas no Brasil desfrutaram da dívida das famílias e não investiram? Porque o sinal que o governo mandava era ambíguo. Dava uma no cravo outra na ferradura.
Dizia que a prioridade é o combate à inflação e o aumento do superávit primário para pagar a dívida pública, e ao mesmo tempo falava de crescimento. Os empresários, quando veem sinais confusos, se retraem.
Pode-se concluir, então, que o problema da economia não é o excessivo endividamento das famílias?
Não. Como eu disse, o endividamento pode ser virtuoso ou pecaminoso. O problema brasileiro, que já vem dos anos 90, é a ausência de um projeto nacional de desenvolvimento.
Os empresários não sabem para onde o Brasil vai. Se eu fosse empresário, estaria o tempo todo me perguntando o que vai acontecer daqui a cinco ou seis anos. Claro, se eu sou dono de uma lanchonete, eu quero saber o que está acontecendo no quarteirão.
Fonte: Brasil Econômico
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