O Ministério do Meio Ambiente estima que os primeiros editais para estabelecimento de acordos setoriais de logística reversa sejam publicados nos primeiros meses deste ano. O setor de lâmpadas, entretanto, aguarda a publicação para os primeiros 15 dias do ano. Essa cadeia produtiva e a de óleos lubrificantes devem ser as primeiras a definir seus modelos de recolhimento e reciclagem de embalagens e produtos usados.
A determinação para que as indústrias e empresas importadoras assumam a responsabilidade pela destinação final dos produtos é um dos pilares da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305, publicada em agosto de 2010. A lei diz, ainda, que a responsabilidade pelo manejo adequado é compartilhada também por distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana.
O governo vem reunindo periodicamente fabricantes, importadores e especialistas em reciclagem para lançar as bases do edital e construir os modelos que devem ser apresentados. A proposta é que todas as cadeias produtivas tenham definidos seus modelos de recolhimento, descontaminação e reciclagem, mas a implantação deve começar por cinco indústrias: embalagens de óleos lubrificantes e seus resíduos; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio de luz mista; medicamentos; embalagens em geral e eletroeletrônicos.
Os editais farão a convocação para que as empresas e entidades setoriais apresentem propostas de logística reversa, ou seja, de como o produto voltará do consumidor final para a indústria ou distribuidora para uma destinação adequada. O ministério do Meio Ambiente, porém, não revela um calendário para a publicação dos editais. Afirma que eles serão divulgados “assim que os estudos de viabilidade técnica e econômica, além de subsídios para elaborar as propostas de modelagem da Logística Reversa para o Edital de chamamento forem suficientes”. Cada acordo setorial deverá prever um cronograma específico e metas numéricas de reciclagem.
Maurício Bisordi, conselheiro da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), explica que a dificuldade de estabelecer as políticas reside nas particularidades de cada cadeia produtiva. Ele exemplifica, comparando o recolhimento de embalagens de agrotóxicos (onde a logística reversa funciona há bastante tempo e é facilitada por ter uma cadeia de comércio bem definida, com poucos elos) e o de embalagens de iogurte.
“Agrotóxico pode conter resíduo de material perigoso, tipo 1. Toda a distribuição está mapeada. Já o iogurte é resíduo comum, domiciliar e o consumo está pulverizado. Então a separação envolve o responsável pela coleta de lixo doméstico. No planejamento do governo, essas particularidades foram separadas para que a implantação fosse mais rápida e, por isso, não temos uma diretriz única.”
Para ele, o funcionamento da logística reversa depende de dois fatores: a conscientização do consumidor e o preparo da cadeia para recolher e dar destino ao material descartado. Os desdobramentos, entretanto, são vários. Se as pesquisas apontam a boa vontade dos cidadãos (99% dizem que separariam o lixo se tivesse um sistema de reciclagem eficiente), é preciso intensificar as campanhas educacionais sobre a separação nos domicílios e pontos de consumo.
Na cadeia logística, um dos grandes gargalos apontados pela ABLP é o controle do produto distribuído no mercado e o cruzamento desses dados com a coleta das embalagens. Bisordi, que é sócio da MB Engenharia e Meio Ambiente, conta que a cadeia de óleos lubrificantes, onde atua, está desenvolvendo um software com essa função. Criado pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicon), o programa dá acesso a indústrias, geradores (postos de gasolina e empresas de serviços automotivos) e órgãos ambientais aos dados de comercialização e devolução de embalagens.
Outra questão polêmica é a cobrança de tributos sobre as cargas de material reciclável. “Há entre os estados uma diferença de alíquotas. O Rio Grande do Sul isenta de ICMS a circulação de resíduos coletados, mas é preciso pagar o tributo para levar a carga para a indústria de reciclagem no Paraná. Deveria haver harmonização na isenção, o que daria incentivo à reciclagem e melhoraria a remuneração da cadeia. ”
Em seis meses de atividades, o projeto-piloto de logística reversa de lâmpadas fluorescentes implantado em Caxias do Sul recolheu 80 mil unidades. Essa experiência deverá ser a base para a proposta de acordo setorial que a Associação Brasileira de Importadores de Produtos de Iluminação (Abilume) irá apresentar em resposta ao chamamento que o Ministério do Meio Ambiente deve fazer via edital.
Segundo o empresário Mário Guilherme Sebben, presidente da Apliquim Brasil Recicle (empresa de descontaminação de lâmpadas fluorescentes responsável pelo projeto-piloto), a proposta cria um comitê gestor e incorpora as práticas que vêm sendo adotadas pelo mercado até o momento. Dessa forma, grandes geradores (como as indústrias e centros comerciais) são responsáveis pelo custeio da coleta de seus produtos, enquanto consumidores residenciais são incentivados a recolher os produtos queimados aos pontos de venda.
“Há um custo unitário pela coleta e descontaminação, que pode variar de R$ 1,00 a R$ 2,50, dependendo da quantidade de lâmpadas e da distância a ser percorrida. Nesse projeto, implantado em junho, o consumidor não paga se for cliente da loja usada como ponto de descarte. O estabelecimento arca com esse custo”, descreve Sebben. O empresário estima que, se adotado esse modelo, o preço do descarte deverá ser coberto pelo comércio varejista que, por sua vez, acabaria cobrando de seus fornecedores.
Isso porque, afirma Sebben, apenas 20% dos consumidores têm consciência da importância de dar um descarte adequado às lâmpadas fluorescentes e estariam dispostos a arcar com o custo. Metade dos 80% restantes sequer tem noção de que os produtos levam mercúrio (que é altamente tóxico) e joga as lâmpadas no lixo comum. Os outros 40%, apesar da saberem do risco, não se dispõem a encaminhar o produto usado para a descontaminação – 20% acumulam as lâmpadas queimadas em casa, mas não levam a um ponto de coleta e 20% se negam a ter qualquer despesa com o descarte.
“Em 2012 queremos começar uma nova fase na campanha de coleta de lâmpadas em Caxias do Sul. Vamos reforçar as campanhas de conscientização”, apontou o empresário, que mantém uma unidade industrial na Serra, mas encaminha as lâmpadas para descontaminação nas unidades de Indaial (SC) ou Paulínia (SP). Segundo ele, a empresa é a maior no segmento de reciclagem de lâmpadas fluorescentes no Brasil, por processar 8,5 milhões de lâmpadas ao ano, num universo de até 14 milhões recicladas no País. Entretanto, o volume que fica sem destinação correta é de aproximadamente 96% do total de 220 milhões de lâmpadas consumidas.
Sebben indica que os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo Técnico Temático das lâmpadas devem resultar, também, numa segunda proposta de acordo setorial, que será apresentada pela Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux). Inspirado na experiência europeia, o modelo determina que seja criada uma entidade gestora para estruturar, organizar e executar a logística reversa. A entidade seria financiada pelas empresas fabricantes e importadoras. Essas, para receberem a licença de importação, teriam que apresentar um certificado concedido mediante o pagamento dos recursos necessários para reciclar o volume de lâmpadas que se pretende importar. O entrave, aponta o empresário, está no entendimento de que a taxa representaria a criação de uma barreira não tarifária, cuja viabilização dependeria de negociações com a Organização Mundial do Comércio (OMC).
“A questão está em que o Ministério do Desenvolvimento, Comércio e Indústria tem registro de 585 empresas importadoras de lâmpadas. Muitas são institucionais, como empreiteiras que fazem a importação para uso específico em determinada obra, e outras são pequenas importadoras, que nem sempre são continuidade à importação das lâmpadas. A questão está em encontrar a forma mais adequada de fazer com que essas importadoras institucionais e as pequenas importadoras deem a sua contribuição para manter o sistema de logística reversa”, disse ele.
Fiergs vê plano como incentivo ao empreendedorismo
O presidente do Banco de Resíduos da Fiergs, Tito Lívio Goron, aponta que a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos abrirá uma série de oportunidades para o empreendedorismo. “É uma oportunidade extraordinária. Temos pregado isso no ambiente da Fiergs, dos sindicatos industriais. Temos que identificar o produto, melhorar os usos dos resíduos e superar o problema da logística, que é complexo. É preciso capitar o resíduo para ser reprocessado e depois buscar mercado e clientes para isso. Há óbices de natureza tributária, que às vezes tornam a matéria-prima reciclada mais cara que o produto virgem, mas nosso trabalho é viabilizar o uso do reciclado”, indicou.
Segundo ele, a entidade negocia com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (Brde) o financiamento de uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) que, em conjunto com a Fiergs, pretende mapear a geração de resíduos no Estado. “Cadeias como a do alumínio e do agrotóxico se encaminham bem, mas outros casos são mais complicados, é um trabalho permanente identificar o mercado, a melhor forma de ação e buscar a tecnologia adequada”, explica Goron.
Para o conselheiro da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Urbana (ABLP), Maurício Bisordi, a consolidação dos princípios da logística reversa depende de um mercado que demande o produto da reciclagem, como acontece hoje com as latas de alumínio – o produto mais reciclado do País. Para ele, esse mercado será gerado a partir da organização da indústria recicladora. “Embora faltem dados exatos, é crescente a reciclagem de plásticos PET e PEAD, de metais e de papel. Ao definir as formas de coleta dos produtos recicláveis, o governo estabelece uma oferta mais contínua de matéria-prima e torna mais fácil a adoção desses recursos pelas indústrias”, afirmou.
Segundo ele, a intensificação da reciclagem beneficia toda a economia porque reduz custos (matérias-primas recicladas custam menos), diminui o impacto ao ambiente e gera emprego e renda, a partir da organização dos catadores em cooperativas. “No caso do alumínio, o que tem impulsionado a reciclagem é o alto valor do material reciclado. Nos plásticos, a própria característica do material, que permite a volta ao mercado com características semelhantes às originais, torna a reciclagem atrativa. Sem contar que, como é derivado de petróleo, quando a cotação do barril sobe, aumenta a procura por plástico reciclado. Com a indústria recicladora organizada, haverá demanda pelo material recolhido.”
A consolidação desse mercado no País foi apontada como um dos objetivos do anúncio, feito em 21 de novembro, pelo governo federal. Empresas que adquirirem resíduos sólidos como matéria-prima ou utilizarem material intermediário na fabricação de produtos terão crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O crédito permite o ressarcimento das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins. A medida está regulamentada pelo Decreto nº 7.619, de 21 de novembro de 2011.
O incentivo fiscal foi anunciado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Para se beneficiar, a empresa deve comprar os resíduos sólidos diretamente de cooperativas de catadores de materiais recicláveis, constituídas por no mínimo por 20 pessoas físicas. A medida é válida até 31 de dezembro de 2014. Os créditos podem variar de 10% a 50% sobre o valor do resíduo sólido. E a compra deverá ser comprovada na nota fiscal de entrada emitida pelo estabelecimento industrial que adquiriu os resíduos sólidos.
Fonte: Jornal do Meio Ambiente
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