Inovação é a chave para a indústria brasileira ser competitiva no exterior, afirma João Jornada, presidente do Inmetro.
Inovação tecnológica é a chave para a indústria brasileira ser competitiva no mercado internacional e enfrentar a concorrência chinesa. Esse é um dos mantras do professor e pós-doutorando em Física João Jornada, presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
Com uma equipe de 288 mestrandos e 218 PhDs, Jornada lidera o Inmetro num esforço para apoiar três setores da indústria - automotivo, têxtil e de iluminação a LED - na corrida para tornar suas linhas de produção mais competitivas. "Com o dólar valorizado, é uma questão de tempo para a indústria como um todo reagir", prevê Jornada, destacando o enorme potencial do LED. "Temos uma excelente possibilidade de sermos competitivos em nível mundial, sem contar que o mercado interno já é enorme. Com o dólar a R$ 2,40, não vejo por que não temos condições de garantir pelo menos o mercado da América do Sul", assegura.
O Inmetro ainda é pouco conhecido entre os brasileiros. O que ele faz exatamente?
Nós estamos no negócio da confiança, confiança em cima de aspectos técnicos que são a base para a sociedade moderna funcionar. A metrologia diz quais medidas e pesos são corretos. Também trabalhamos com padrões de medição adequados, para controlar processos e a qualidade dos produtos. Isso é extremamente importante para a indústria. Por exemplo, quando você exporta uma junta homocinética para o Japão, aquela peça tem tolerância em seu tamanho de 5 milésimos de milímetros, menor do que um fio de cabelo. Se não estiver no tamanho, não encaixa no veículo. Outro ponto da confiança é a característica dos produtos.
Hoje o Inmetro já pensa em certificar a caneta esferográfica, porque o consumidor precisa saber quantos metros ela irá escrever até acabar a tinta. Brinquedo, por exemplo, tem questões sérias de saúde e segurança. É preciso saber se é seguro para a idade, se não tem substância tóxica, se não tem ponta, se não vai quebrar e a criança vai engolir. O Inmetro organiza esse processo todo, que inclui a acreditação de dezenas de instituições para trabalhar com a certificação e validação dos produtos. Temos 900 laboratórios acreditados pelo Inmetro em todo o país, além de 450 organismos de inspeção, outros 180 de certificação e 23 órgãos metrológicos estaduais. De um total de 1.080 servidores no Inmetro, temos 288 com mestrado e 218 com doutorado. É uma estrutura com um orçamento anual de R$ 872 milhões.
O foco é o consumidor?
As pessoas acham que o Inmetro é uma instituição de proteção do consumidor, mas não é só isso. Quando uma empresa vende um pacote onde o rótulo diz que tem 1 kg de feijão, mas o fabricante coloca apenas 700 gramas, isso afeta não somente o consumidor, mas também o produtor honesto. Isso quebra ele. O bom produtor depende totalmente do Inmetro para regular o mercado, evitando a concorrência desleal, que pode matar ele.
Nossa área de atuação é imensa. Por exemplo, temos uma ação muito forte em metrologia biológica, como no caso da prótese de silicone importada. Deu uma confusão na França porque um fabricante estava colocando óleo de silicone industrial e aquilo, se vazar, é um problema sério de saúde. A Anvisa proibiu todas as importações, para que pudéssemos fazer um programa de certificação. Antes, se trabalhava com a declaração do fornecedor, que é uma opção muito usada na Europa para avaliação de conformidade. Porque lá se tem muitos atores confiáveis e bem conhecidos, e um sistema jurídico muito atuante. Se o fabricante declarar algo errado, a justiça liquida o cara em um mês. No Brasil, como a justiça não é tão rápida, temos que usar mais a certificação e aí precisa aprovar o produto antes de vender.
De que o consumidor se queixa mais?
As maiores queixas estão fora de nossa alçada, como os celulares e as compras no varejo - o pessoal compra o produto, mas a loja não entrega. O que está na nossa alçada é relacionado à qualidade do produto. E aí tem uma questão interessante. Ao contrário do consumidor europeu, o brasileiro não tem nível de maturidade, exigência e percepção da importância de certos atributos de produto, e isso é ruim para nós. O brasileiro está reclamando mais, mas não consegue perceber pontos críticos do produto.
Vou citar um exemplo. O consumidor mais consciente quer air bag em seu carro. Mas, numa pesquisa recente, foram dadas ao consumidor duas opções: colocar um par de air bags, ou um conjunto de acessórios de conforto e aparência - como som ultramoderno, GPS, roda de liga leve, banco de couro. Advinha o que ganhou? De longe, a maioria preferiu o conjunto de conforto e a aparência. Na Europa e nos EUA, o consumidor puxa mais pela segurança. Aqui ainda precisamos educar o consumidor.
Há um ano fizemos uma parceria com o McDonald's e, durante um mês, aquela toalha de papel com coisas curiosas que vem na bandeja ficou com dicas de consumo seguro do Inmetro. Umas 3 milhões de pessoas por dia viram nossa mensagem e não custou um tostão para o Inmetro. O instituto da Alemanha acabou de nos procurar para replicar a ideia lá.
Quais são os Inmetros de referência internacional?
O principal é o dos Estados Unidos, o Nist (National Institute of Standards and Technology), que foi inaugurado em 1901 e desde o início é uma instituição para apoiar a competitividade do produto norte-americano. A inovação quem faz mesmo é a empresa, a questão é você criar um ambiente adequado à inovação dentro da empresa e é aí que entra o Inmetro. Outra coisa é formar uma infraestrutura de apoio para que a empresa não só inove, mas seja também competitiva.
Outro instituto padrão, que serviu de referência para todos, é o alemão, o PTB (Physikalisch-Technische Bundesanstalt). Ele foi fundado pela inspiração de um grande empresário da época, o Werner von Siemens, que criou a Siemens, hoje uma potência mundial com mais de 400 mil empregados. Ele se deu conta de que a jovem Alemanha unificada precisava ser competitiva, principalmente em relação à Inglaterra e à França. E conseguiu que o governo criasse um instituto para apoiar o esforço empresarial. O que estava na base da competitividade e inovação daquela época era o processo de medidas de qualidade. O PTB foi buscar o que tinha de melhor na ciência da época, colocou como diretor o Hermann von Helmholt, um dos maiores cientistas alemães. E buscou um contato direto com o setor empresarial.
Esse modelo foi copiado pelos norte-americanos, pelos ingleses, pelos franceses, depois pelos japoneses. Se pegar o Nist dos EUA, hoje eles têm uns mil PhDs e quatro Prêmios Nobel em seu quadro. E esses quatro Nobel ganharam o prêmio lá dentro, não foram contratados só para dar nome ao instituto.
A China tem também um Inmetro?
Não só tem, como temos dois convênios com ele. Só que lá as atividades são divididas em dois institutos diferentes, um só para regulamentação, o outro de metrologia científica. A China está muito interessada em nos avisar quando está saindo produto porcaria de lá para o mercado mundial. E querem saber, de nós, quando a gente detecta algum produto porcaria que saiu de lá. A China quer fazer o que o Japão e a Coreia do Sul já fizeram, mudar sua imagem e associar a imagem do país a produtos de qualidade.
Eles estão num desenvolvimento muito grande nessa área e fizeram esses mesmos convênios com os Estados Unidos. Você tem que estar conectado numa rede de confiança com os principais atores a nível mundial, o que é importante não só para trocar ideias e metodologias, mas também para mostrar que você está fazendo um trabalho confiável. Isso ajuda extremamente nossas exportações.
E aqui? Nós não temos uma cultura muito forte de pesquisa e inovação...
Não temos. A situação do Brasil é bem diferente. Em 1877, foi a indústria alemã que foi ao governo pedir um instituto para inovar, e não para ter barreira contra os importados. Eles queriam melhorar a qualidade de seus produtos. No final do século 19, a indústria já estava preocupada com isso. Aqui, quando o governo fez a industrialização foi para substituição de importação, com reserva de mercado. Desenvolvemos toda uma cultura de proteção. A reserva de mercado, por exemplo, foi uma loucura, foi uma experiência dramática para o Brasil.
O nascimento do Inmetro, em 1973, foi uma iniciativa de governo motivada pelo acordo nuclear com a Alemanha, que exigia medições ultrassofisticadas e princípios de qualidade muito bem elaborados. Depois, com o abandono do projeto nuclear, o Inmetro começou a se envolver com a questão da inovação e da competitividade. Essa vocação foi exacerbada com a abertura do governo Collor para os produtos importados, de forma radical, nos anos 90. Hoje, o Inmetro tem entre seus principais eixos de trabalho apoiar a qualidade e a inovação dos produtos, de forma a incrementar sua competitividade para a exportação. Como estamos fazendo com o setor automotivo.
O Brasil já foi um grande exportador de automóveis, mas hoje vendemos apenas para a América Latina...
O setor automotivo é muito importante, representa mais ou menos 25% do PIB industrial. Exporta pouquíssimo, mas já exportou muito. Hoje o que o Brasil exporta é aviões, somos o terceiro maior exportador de aviões de passageiros do mundo, um bem de altíssima tecnologia. Mas não conseguimos mais exportar automóveis. Estamos construindo um grande centro para a indústria automotiva, que envolve segurança passiva (crash test) e laboratórios de desenvolvimento da eficiência energética de motores, redução de emissões e inovação de autopeças. O automóvel não tem nenhuma inovação disruptiva, é tudo inovação no processo produtivo. O objetivo é aumentar nossa produtividade, que é muito baixa. Com o real depreciado, já começa a ser negócio pensar na competitividade dos nossos produtos industrializados.
Mas nossas empresas investem nisso?
Estamos começando a ver, sim, investimentos do setor empresarial. O setor automotivo em geral, tanto montadoras quanto autopeças, está otimista e está investindo, em parte puxado por programas do governo, como o Inovar Auto. Ainda não é um reaquecimento, mas sim o investimento, que é prenúncio de um reaquecimento. Ficamos muito tempo com o real apreciado e com um mercado interno aquecido, e isso inibiu iniciativas e deu a sensação de que a indústria não tinha condições de competir externamente.
Ainda temos uma cultura, que vem desde o início da industrialização, de tentar se defender de importações. Eles pedem, por exemplo, que a gente estude certificações sobre um produto importado que está competindo de forma desleal, com qualidade ruim. Mas não resolve, rapidamente os importados melhoram a qualidade para atender às novas exigências. É uma cultura difícil de mudar de repente.
A indústria vem ao Inmetro pedir apoio à inovação ou vocês provocam a indústria?
A gente provoca, tem que provocar. Os melhores Inmetros de outros países dão o apoio ao processo inovativo em geral. Mas aqui, é difícil de pegar. Trabalhamos muito no intangível. Começa por exemplo por coisas simples, como convidar os atores a virem conhecer o Inmetro. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) veio nos visitar aqui por um dia inteiro, o Robson Andrade (presidente da CNI) trouxe 17 presidentes de federações estaduais, conheceram o instituto, nossos laboratórios. A Abinee (indústria de eletroeletrônicos), também veio aqui, a Abimaq (máquinas e equipamentos), a Abilux (iluminação), a Abit (texteis), com todos criamos uma interlocução e provocamos a reflexão por inovação como agregado tecnológico.
Além da indústria automotiva, que outros setores têm potencial para atacar o mercado externo?
O setor têxtil, por exemplo, está começando a investir de novo e tem um tremendo potencial para morder o mercado externo.
E ele tem um competidor violento que é a China... como é que se compete com a China?
Às vezes o ministro do Desenvolvimento (Fernando Pimentel) me chama para reuniões com a indústria com essa questão: "Estamos enfrentando uma competição absolutamente avassaladora da China e precisamos ter barreiras tarifárias de proteção e desoneração interna". Sempre foi assim, era assim que se resolviam as coisas. Minha presença ali sempre foi a de estimular a discussão: "E o que vocês precisam então para melhorar a tecnologia?". Eles diziam: "O problema agora é urgente, ninguém consegue segurar os chineses...". Eu perguntava: "Como é que os alemães estão competindo?". Porque nós também compramos máquinas da Alemanha, não é só da China. Mesmo com aquele salário altíssimo lá, eles estão conseguindo competir com a China. Aí vinha a resposta: "Ah, mas os alemães têm tecnologia...". Nesse momento eles se dão conta. Temos uma saída para competir com a China: é agregar mais tecnologia, o que os chineses já estão fazendo.
A certificação de um produto brasileiro se aplica também ao importado?
Isso é absolutamente simétrico, por um acordo da Organização Mundial de Comércio (OMC), do qual o Brasil é signatário. Vale para o nacional e vale para o importado. Os programas de certificação têm duas vantagens. Primeiro, a competição fica clara. O produto importado tem que demonstrar nível de qualidade de uma forma explícita. Isso barra uma quantidade enorme de produtos ruins. Ao comprar esse produto, o consumidor viabiliza a escala de produção da empresa, e com escala maior, o custo cai e ela se torna competitiva internacionalmente. Qualidade hoje lá fora nem se discute, o que se discute é preço.
Com o dólar mais valorizado, é uma questão de tempo para a indústria como um todo reagir. A parte de linha branca, por exemplo, que a gente não está conseguindo exportar muito, certamente vai reagir. Porque já tem padrões de qualidade. A área de têxtil tem tremenda possibilidade, já exporta e agora vai exportar mais ainda, porque já tem uma consciência de produtividade muito clara.
Há outras áreas?
Uma que está numa época muito boa é a de iluminação. Estamos neste momento com uma excelente possibilidade de sermos competitivos em nível mundial, sem contar que o mercado interno já é enorme. Estamos coordenando o programa de iluminação do governo federal.
Porque passamos de uma fase de lâmpadas eminentemente incandescentes, depois fomos para lâmpadas fluorescentes, e agora estamos numa nova fase: o LED, que já estamos fabricando no Brasil. Vai ser uma revolução, por várias razões. O LED não tem mercúrio. Hoje o Brasil descarta mais ou menos duas toneladas de mercúrio por ano, isso tem um custo ambiental. O LED produz mais luz com menos energia. Para o bolso do consumidor, uma lâmpada LED hoje é no mínimo 30% mais eficiente que uma lâmpada incandescente. Dependendo do LED, a lâmpada pode durar até 30 anos na sua casa, você vai trocar o lustre e a lâmpada vai continuar lá. E o preço do LED está caindo rapidamente.
Para a iluminação pública, a eficiência ótica do LED é muito melhor, porque consegue fazer uma distribuição de luz uniformemente espalhada. Na lâmpada comum, debaixo dela você tem muita luz, mas depois fica um espaço escuro entre um poste e outro. Com o LED, parece que é dia, ilumina uma área muito maior, acaba aqueles escuros entre os postes. E ainda reduz o número de postes. O Brasil tem toda condição de entrar nisso como produtor. Temos regulamentação, hoje a lâmpada comum tem um índice de eficiência energética onde eu informo os parâmetros importantes para o consumidor, e aí a escolha é dele. Estamos trabalhando agora na certificação do tempo de vida das lâmpadas LED, que é uma coisa pioneira. Porque está entrando no mercado um montão de lâmpada LED que diz que dura seis mil horas, mas não dura.
Ainda estamos trabalhando na certificação do LED, porque o processo de fabricação do produto é diferente e ele tem uma vida útil tão grande que é preciso uma série de estudos e cálculos teóricos para dizer se aquela lâmpada dura mesmo o que está prometendo. Estão aparecendo lâmpadas LED que têm uma eficiência incrível, algumas duram até mais real. Além disso, no LED praticamente toda a energia da lâmpada é convertida em luz, não gera calor.
Mas como o Brasil pode ser competitivo no LED?
A gente estudou bem e podemos dizer que o Brasil tem um momento muito bom em suas cadeias produtivas para produzir LED. Uma lâmpada LED tem um chip, que é importado, e que responde por 20% a 30% do custo do produto. E que não é uma tecnologia de foguete, dá para fazer aqui, estamos discutindo com o governo para ele apoiar essa produção. Para o resto da lâmpada, nós temos toda a condição e a tecnologia de fazer aqui no Brasil, com qualidade.
Vocês estão pensando em um "Inova Led"?
Já existe, chama-se Padil, Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Iluminação. Não vamos repetir o que aconteceu com as lâmpadas tradicionais, que têm muita coisa importada. Vamos fazer tudo aqui, e já começamos.
E no mercado internacional, temos condição de competir?
Sim. O grande concorrente seria a China, mas com o dólar agora a R$ 2,40, podendo ir a R$ 2,50, não vejo por que não temos condições de competir. Nós garantimos tranquilamente pelo menos o mercado da América do Sul. Para ir além, tem que ter escala. E aí tem que investir. Para aumentar a produção, tem que botar mais máquinas e o empresário tem que ter confiança para gastar. Os sinais agora são positivos. Nessa área de iluminação, o pessoal está otimista.
São players novos ou é a indústria tradicional?
São players novos. E não são players que estavam na indústria de iluminação, eles são da indústria eletrônica. A chave aqui é a eletrônica, não é mais a tecnologia de vidro das lâmpadas tradicionais, que é muito cara. Até as lâmpadas fluorescentes serão substituídas por lâmpadas de LED, aproveitando toda a carcaça, só tem que desligar o reator, não precisa mais nem da luminária para refletir a luz. O LED, direcional, manda a luz toda para baixo. Isso tudo que temos vai ser substituído a rodo. E o nome desse jogo é escala, tem que ter escala. Das duas empresas que entraram nesse mercado recentemente, uma não tem nada a ver com iluminação. A Elo fabrica medidor de energia elétrica, que hoje são eletrônicos. Eles adaptaram a eletrônica para o LED. A outra empresa é a Intral, que faz reatores e agora está se especializando em iluminação pública com LED. As tradicionais também estão se adaptando, Osram, Philips.
O Inmetro também atua na área de serviços?
Temos vários programas, como o de certificação de meios de hospedagem, de turismo de aventura, de produção integrada de frutas, de treinamento de recursos humanos, de programas de responsabilidade social. Meu trabalho aqui não tem tédio, é bem variado...
Já há foi feita uma certificação para as ONGs?
Essa é uma área bem complicada, temos demanda, mas ainda não temos condições de entrar, porque é um setor muito complexo. Como é que você vai definir isso? Como vai mensurar? Transparência, por exemplo, ainda é algo que não está bem definido na sociedade, envolve um alto grau de interpretação. Dependendo de como se colocam os números, há um alto grau de subjetividade e interpretação. Gostaríamos de poder certificar, mas ainda é complicado.
Fonte: Brasil Econômico
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